[Resenha] Um Pequeno Assassinato – Alan Moore

Capa da HQ. Ilustração com um homem de azul sentado segurando um copo com bebida sobre uma mesa. No fundo, várias pessoas interagindo entre si, todas em cor marrom, apenas um jovem, no fundo, está em cores e olhando para frente com um sorriso sinistro. Em primeiro plano o titulo da obra em vermlho com respingos de sangue.
Capa da HQ. Ilustração com um homem de azul sentado segurando um copo com bebida sobre uma mesa. No fundo, várias pessoas interagindo entre si, todas em cor marrom, apenas um jovem, no fundo, está em cores e olhando para frente com um sorriso sinistro. Em primeiro plano o titulo da obra em vermlho com respingos de sangue.

Alan Moore é sinônimo de alta expectativa. Gostar de quadrinhos e não admirá-lo de alguma forma é muito difícil. Há aqueles que o admiram pelas obras em que o fantástico  ou até mesmo forças ocultas são apenas um cenário para a exibição da natureza humana. Também existe o público que gosta dos trabalhos onde o autor utiliza os supostos heróis para fazer críticas sociais. Em Um Pequeno Assassinato, o quadrinista inglês trabalha com Oscar Zárate para criar uma obra mais próxima do real e sem elementos fantásticos. Isso funcionou?

Timoty Hole é um publicitário que precisa fazer um grande trabalho na Rússia, mas tem a vida marcada por uma longa crise existencial. Essa premissa é mais que suficiente para uma ótima história, mas também há um mistério. O protagonista introspectivo começa a enxergar um estranho garoto em vários lugares. Quem é ele e por que está aparecendo?

Um personagem, um mistério

O mistério é envolvente sem precisar recorrer a nenhum artifício sobrenatural. A obra se aprofunda na vida de Timoty, descascando camada após camada um personagem recluso que não consegue lidar com escolhas. O leitor sente esta dificuldade que envolve o trabalho e, principalmente, a vida pessoal. Toda essa construção não é feita com uma melancolia exagerada.

Em toda a HQ há um sentimento de tentar entender o personagem e vê-lo aprender a lidar com as próprias escolhas para evoluir. Essa busca é feita em vários períodos de tempo. Este revisitar a juventude, os relacionamentos, os ideais e a família para entender o que está dando errado, gera conexão com Timoty.

Muito com pouco

Todo o peso de uma vida é transmitido de forma concisa. Alan Moore sempre foi um fã de balões enormes com falas extensas. Nesta obra, um simples diálogo transmite como Timoty se relaciona com uma namorada e como o relacionamento está cheio de problemas. Um detalhe no cenário, uma página ou até mesmo uma frase transmitem muito. É uma daquelas obras curtas para ler de maneira lenta e atento as entrelinhas.

Esquisito e cheio de contraste

Sempre fico maravilhado quando um artista sabe usufruir da mídia com que trabalha. O ilustrador Zárate transmite a personalidade do protagonista com expressões faciais e através dos cenários. E não faz isso só com rostos tristes e cores frias. Ele também utiliza os tons vibrantes e quentes da publicidade enquanto isola o personagem. Por muitas vezes as ilustrações me transmitiam a sensação de que Timoty se sente um corpo estranho em um ambiente, na vida que ele vive. Todos estes elementos contrastando com o mundo da publicidade que é cheio de “vida” e exposição, é interessante.

Não se enquadrar ou se sentir incomodado em uma profissão ou estilo de vida que vende felicidade fortalece as esquisitices do personagem. Nelas vejo a mão forte de Alan Moore. O mago britânico cria detalhes que despertam curiosidade e não simplesmente chocam por chocar. Ainda tocando neste ponto, a obra usa um elemento metafórico que sintetiza todos os sentimentos do personagem principal em relação à vida. A figura de linguagem utilizada não recorre ao surreal ou qualquer artifício incompreensível. Ela é óbvia, mas na obviedade transmite uma emoção forte e de fácil conexão. Algo simples que merece diversos elogios.

Uma outra face de um inigualável artista

Moore costuma escancarar as vísceras da natureza humana e não tem medo de dizer umas verdades que o mundo ignora. Em Um Pequeno Assassinato pensei que teria mais uma dose da visão longe do otimismo. Ainda bem que estava enganado. A obra convida à reflexão, incentiva o auto questionamento e termina…(você terá que descobrir).

Trata-se de mais uma excelente obra com o selo Alan Moore. Profunda, um personagem marcante, um excelente uso da mídia quadrinho e uma história que desperta uma vontade de reler várias vezes para se aprofundar cada vez mais no ser humano retratado com cores e palavras. Leia e descubra que fazer escolhas são pequenos assassinatos cometidos.

Nota

Cinco selos cabulosos. A maior nota do site.
Cinco selos cabulosos. A maior nota do site.

 

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Ficha Técnica

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Nome: Um Pequeno Assassinato
Autor: Alan Moore
Tradução: Marília Toleto
Edição:
Editora: Pipoca & Nanquim
Ano: 2017
Páginas: 112
ISBN: 9788593695049
Sinopse: De Alan Moore, o criador de Watchmen, V de Vingança e Liga Extraordinária, e o artista expressionista Oscar Zárate, nasce a história de Timothy Hole, um publicitário bem-sucedido que acaba de aceitar o trabalho de sua vida. Contudo, as coisas começam a sair dos trilhos quando ele passa a ser perseguido por uma estranha criança, que o faz se questionar quem realmente é e, principalmente, como afeta as pessoas ao seu redor. Uma história sobre os pequenos homicídios que todos têm de cometer para seguir em frente. Um rastro de mortes de coisas aparentemente insignificantes. Afinal, quanto dano pode causar um pequeno assassinato?

Escrita na mesma época que Do inferno e lançada originalmente em 1991, essa é seguramente uma das grandes obras-primas de Moore, tendo permanecida, de forma inexplicável, inédita no Brasil até o momento. Com arte pintada do argentino Oscar Zárate, trata-se de uma profunda análise do mundo no final dos anos 1980, narrada por meio da trajetória de Timothy Hole, um publicitário de renome incapaz de enfrentar seus erros do passado, que vê sua realidade ser abalada quando um deles retorna.

Um Pequeno Assassinato é uma história de cunho altamente psicológico, recheada de alegorias, simbolismo e metáforas; uma exploração da culpa de um indivíduo e da forma como a mente deturpa e adapta as lembranças de um ocorrido, para disfarçar traumas e o sentimento de fracasso que, vez ou outra, acomete todos nós. É a mente de Alan Moore em seu auge criativo e sem nenhuma rédea, provando mais uma vez por que ele é considerado por muitos como o maior roteirista de quadrinhos de todos os tempos. Vencedora do prêmio Eisner de melhor graphic novel em 1994.

A edição nacional chega como a mais completa e luxuosa já publicada no mundo, incluindo a entrevista com os autores sobre o processo de produção e o texto introdutório de Carlos Sampayo, extras que nunca foram lançados juntos antes.