Em um mundo que muitos desejam aplicar uma visão moral para toda sociedade há espaço para os ensinamentos das fábulas? Na obra Fabulário de Clóvis Giraldes Jr o gênero se atualiza, é palco para experimentações e faz ótimas críticas sociais através de uma compilação de histórias curtas.
Em Fabulário não temos um cenário padrão, moral no final ou um tema em específico. A condução é feita através do fabular. A falta de preocupação com a linearidade é substituída pela criatividade, fazendo a sensação de curiosidade se manter viva a cada encerrar de uma fábula. Esse se arriscar, experimentar e querer criar algo novo a cada novo inicio é uma marca registrada da obra. Porém, é preciso salientar que o criativo tem o seu foco no literário, criando diversas vozes no texto.
Quanto mais melhor!
Narrar é a grande arte por trás da escrita. Sentir a voz do narrador, ver o estilo dele e entender o que o motiva a contar uma história é que me faz admirar um livro. Clóvis brinca com as vozes, e no Fabulário escutei um arauto que conta uma historia para todos ouvirem em uma praça; acompanhei um cronista que retrata a alma de uma cidade; me empolguei com narrador esportivo e foi difícil não se emocionar com uma voz poética que se interessou pelos pequenos detalhes de um lugar abandonado. Essas são algumas que destaco e você pode gostar das outras. Além disso, cada uma delas tem um tom. Encontrei o melancólico, o reflexivo o acadêmico… e notei que o autor gosta de trabalhar com o humorístico.
Modernização orgânica
Clóvis sabe ser acido nas criticas sociais, porém, a fábula que mais chamou a minha atenção trabalha com a sutileza. Nesta história em específico, todo o atualizar do fabular não está em reverter o conceito de fábula, embaralhar as peças que formam o gênero ou atribuir um tom dinâmico. Ao inserir de forma sutil problemas contemporâneos (trabalho, identidade, aceitação, culpa e viver em sociedade) o livro ganha um ar de moderno, contemporâneo.
Trocar e refletir
Um animal, através do instinto, sabe qual a sua função na floresta. Ele não a contesta e não é contestado. Ver os animais sendo utilizado em problemas da sociedade atual cria um contraste interessante em toda obra.
Inerte, a meu lado, há um semelhante àquilo que fui, antes do estalo. Ele também um envoltório para alguém, que se foi. Ainda que de pé sobre as as patas, meio emborcado. Sem que possamos nos unir, ainda que tão pequena distância nos separe.
Porque assim são alguns destinos: nascer para a translucidez – trecho do livro p.38)
Querer ir até o limite de um gênero
Pensei que as fabulas modernizadas e o utilizar/arriscar de vozes era o limite do autor. Ainda bem que estava errado. Há uma história em Fabulário que encara o gênero como uma fonte para se pensar em religiões. O autor utiliza de um elemento recorrente nas fábulas, cria uma concepção de mundo que pode ser encarada como uma religião e convida o leitor a pensar nas infinitas possibilidades. Tentar algo desta maneira é querer atingir os limites e isso chama a atenção.
Julgue um livro pela capa
A capa de Fabulário, onde a figura de um homem se mistura a uma pantera, sintetiza boa parte da obra. Contar com uma ilustração deste porte ao final de cada história seria uma grande exigência. Entretanto, entre algumas fábulas há ilustração e em outras não. Não entendi o porque desta escolha e ela deixa um gosto de “quero mais”. Detalhe que não gera nenhuma interferência na qualidade do livro.
Estimule, é bom estimular
Um convite para ver o atualizar das fábulas, uma bela coleção de vozes narrativas e muita criatividade. Fabulário merece a atenção de não só de entusiastas do gênero como também de qualquer leitor que desejar ter a imaginação estimulada com histórias criativas.
Nota
Garanta a sua cópia de Fabulário e boa leitura!
Ficha técnica
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Nome: Fabulário
Autor: Clóvis Giraldes Jr.
Edição: 1º
Editora: Patuá
Ano: 2019
Páginas: 101
ISBN: 9788582978818
Sinopse: “Pai, perdoai-me, porque pequei.
Lembrai de quando me colocastes neste galinheiro? Por Vosso desígnio, um ovo desigual fora chocado juntos aos outros. Ainda assim, posso afirmar ter sido bem acolhido, apesar do meu porte desengonçado e das estranhas penugens pretas que me afloravam. Era já indício de Vossa mercê.”
Primeiro livro de contos de Clóvis Giraldes Jr.