[Resenha] Pinóquio – Winshluss (+18)

Capa da HQ, um fundo azulado, uma moldura composta por diversos ornamentos, como flores, engrenagens e ilustrações fantasmagóricas. No centro, o recorte de uma ilustração do Pinóquio caminhando em um ambiente noturno. Toda arte possui um tom caricatural. Em primeiro plano, o título em azul e fonte estilizada e uma moldura amarela.
Capa da HQ, um fundo azulado, uma moldura composta por diversos ornamentos, como flores, engrenagens e ilustrações fantasmagóricas. No centro, o recorte de uma ilustração do Pinóquio caminhando em um ambiente noturno. Toda arte possui um tom caricatural. Em primeiro plano, o título em azul e fonte estilizada e uma moldura amarela.

Nos clássicos da ficção científica, a retratação das falhas da sociedade são feitas em universos futuristas e o tom é melancólico. Em Admirável Mundo Novo, 1984 e Fahrenheit 451, há uma tristeza diante do mundo que sempre se preocupa em mudar, mas se nega a evoluir. Pinóquio (de Winshluss)​ é a releitura do clássico infantil e critica a sociedade enquanto gargalha. Só que não é aquela gargalhada gostosa. É uma daquelas escandalosa que não param, onde a baba escorre pelos cantos da boca. Ao chegar mais perto você percebe que o riso descontrolado é de loucura, de alguém que viu algo que não desejava encontrar.

Um boneco, uma retratação

Na história clássica, que muitos conheceram através da Disney, o boneco curioso de madeira deseja ser um menino. Nessa releitura o boneco é de aço, cheio de armas e com um olhar perdido. O menino de metal sempre é conduzido pelos acontecimentos, passa pelas frestas de tudo o que compõe o mundo moderno e sempre é usado de alguma maneira.

Cada personagem ao redor de Pinóquio é uma representação de uma chaga social: ganância, mau-trato, vício, abuso infantil, abuso sexual, corrupção e manipulação. O quadrinista não usa do escatológico, mas também não é sutil. Tudo é esfregado na cara do leitor e deixa impacto. Em vez de abandonar a obra pelo seu tom macabro, duas perguntas​ cresciam a cada virar de página:  Até onde isso vai chegar? Como vai terminar?

Lar para uma barata

Não há tons cinzentos: o próprio Geppetto está longe de ser um velhinho gentil que morre de amores pelo ser infantil que criou. Ainda falando sobre as referências da obra clássica, cito o Grilo Falante. Este personagem precisaria de uma resenha só para ele.

Quem trabalha ou já trabalhou com arte se identificará com a barata que ganhou o lugar do grilo na mente cheia de transistores de Pinóquio. Tudo começa com um sonho cheio de rebeldia que logo é acompanhado de um pensamento contestador. Um dia a revolução vira existencialismo, e o pensar ocupa o lugar do criar. É preciso encontrar uma solução para continuar como escritor. Então vem a comparação. É algo que sempre começa com boas intenções, onde o sonhador pensa que ela servirá como inspiração. Triste engano. Se comparar sempre leva a apatia, e essa falta de energia escancara as janelas da realidade. No fim, a saga da barata que adotou a cabeça de Pinóquio como lar, termina com a aceitação da realidade?

Qual a relação do inseto com o protagonista? Faz sentido essa história paralela estar nas tramas que envolvem o menino de aço? Respostas só obtidas depois da leitura.

Quadros, tinta e Tarantino

A respeito do roteiro da HQ, Winshluss​ toma para si a estrutura narrativa de Pulp Fiction:  personagens em locais isolados e acontecimentos que parecem não ter nenhuma conexão se unem e se costuram conforme a história avança. No final, tudo estava meio que conectado e o leitor monta uma linha cronológica. Desde a primeira leitura consegui conectar os fatos facilmente e o autor merece elogios por esse feito.

Duas boas artes em uma

Falar de quadrinhos e não falar de traços só pode indicar duas alternativas:

  1. O traço é genérico.
  2. O traço é tão bom que um leigo em desenho não consegue explicar.

Tentar é preciso. Ao olhar o traço de Winshluss​ me vem uma sensação de deboche de quem não se leva a sério misturado a raiva de quem quer falar das merdas do mundo. É como se o humor de um quadrinista do Charlie Hebdo e um vocalista de uma banda de Punk Rock (uma daquelas fundo de garagem que odeiam o sistema) fossem uma pessoa só. Uma união que gera identidade e faz o leitor querer acompanhar mais trabalhos do artista.

Pinóquio impressiona até o final

Mencionei as críticas, o tom macabro que desperta curiosidade, a estrutura narrativa “tarantinesca”, a história da barata e nem falei sobre os momentos de humor. Ainda há algo para se impactar? Tem o final.

Durante toda a HQ, Pinóquio é conduzido e mantém um olhar vago. Ele não reage, não questiona… age como um robô. Porém, no final, no último instante, com um quadro o artista planta uma dúvida na cabeça do leitor. Um simples gesto que me fez refletir sobre a obra inteira.

Leiam Pinóquio de Winshluss.

Nota

Cinco selos cabulosos. A maior nota do site.
Cinco selos cabulosos. A maior nota do site.

 

 

 

 

Garanta a sua cópia de Pinóquio e boa leitura!

Ficha técnica

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Nome: Pinóquio
Autor: Winshluss
Tradutor: Carol Bensimon
Edição:
Editora: Globo Livros Graphics
Ano: 2012
Páginas: 192
ISBN: 9788525051684
Sinopse: Em vez do boneco de madeira mentiroso que sonha em se transformar em menino de carne e osso, um super-robô criado por Gepeto para uso militar. Assim é o protagonista de um dos lançamentos mais aguardados pelos fãs brasileiros de HQs: premiada no Festival d’Angoulême de 2009, a graphic novel Pinóquio, do autor francês Winshluss, é publicada no Brasil pelo selo Globo Livros Graphics.

A inocência do personagem original criado por Carlo Collodi dá lugar a um protagonista sombrio. Pinóquio é uma máquina de guerra que, em suas andanças por locais sórdidos, entra em contato com a violência, a ganância, a corrupção e a crueldade enquanto conhece a fauna humana – do industrial que explora a mão de obra infantil (e para quem Pinóquio trabalha) a implacáveis caçadores de recompensas, além de uma Branca de Neve pós-moderna e sete anões sadomasoquistas.

A trama é contada quase exclusivamente por meio de imagens. Só há texto nas reflexões do personagem Jiminy Barata, correspondente ao Grilo Falante original. Em sua talentosa criação, Winshluss – pseudônimo de Vincent Paronnaud – alia desenhos com alto grau de detalhamento a uma estética que mescla técnicas do grafite, da caricatura e da tira de jornal.