[Resenha] As Brigadas Fantasma – John Scalzi

Capa do livro. Ilustração de alguns soldados armados em uma paisagem com árvores em tons marrons, enquanto outros soldados descem do céu. No topo o título do livro em letras grandes
Capa do livro. Ilustração de alguns soldados armados em uma paisagem com árvores em tons marrons, enquanto outros soldados descem do céu. No topo o título do livro em letras grandes

Os humanos na obra de ficção científica As Brigadas Fantasma do autor John Scalzi tentam criar o soldado perfeito. É possível? Por onde começar?

A ficção ajuda a entender a realidade

Antes de se aprofundar no tema ou tecer uma opinião sobre a obra, queria falar sobre uma cena, que, infelizmente, não se trata de ficção:

Um policial bate em um morador de rua. Ele não dá um cutucão com o cassetete e manda o homem sem sorte na vida para outro lugar. A figura fardada, um agente da lei paga por impostos empunha o cassetete com as duas mãos e descarrega golpes em alguém caído. Bate, surra, chega a se inclinar para poder bater no caído. Só você está vendo essa cena. O ódio é tão forte que você sente vontade de morder a própria língua até sentir o gosto de sangue na boca.

Eu deveria ter feito alguma coisa! Não dava para fazer nada. Quem poderia ter feito algo? Alguém deveria ter feito algo. Por que isso aconteceu?

Tentar entender

Odiar para depois tentar entender. É este o ciclo natural? Ideologias, cultura, política, convivência e muitos outros temas podem passar pela cabeça na tentativa de entender um ato hediondo. Dia após dia pensando na cena, tentando conviver com ela. Em algum momento a pergunta chave pode surgir:

Aquele policial não tinha consciência?

Para muitos, um policial perfeito não tem consciência. E, esse agente do estado, deve fazer com que todos cumpram a lei em uma rua, bairro, cidade… diferente de um soldado, que leva a lei para outro país. Mas, e se for outro planeta em vez de país? E se esse soldado tiver a sua consciência manipulada desde o dia em que nasceu e não só quando se alistou? É disso que se trata As Brigadas Fantasmas. Se nas ótimas ficções científicas uma nova tecnologia molda toda a vida no planeta, na obra de Scalzi ela é capaz de mudar galáxias e é o pilar central para o controle da consciência.

Sem cordão umbilical e com uma função

Jared Dirac, o protagonista, é criado sinteticamente para descobrir a fagulha central de uma revolução que coloca em risco toda uma organização interplanetária. A maneira com que o personagem foi criado desperta curiosidade no leitor desde o início. Não se trata de um processo natural onde as vivências acontecem aos poucos e podem ser aprendidas com o decorrer do tempo. Como em qualquer linha de produção o processo é acelerado e as reflexões brotam no personagem.

Quem sou eu? O que estou fazendo aqui? O que me define?

Perguntas de Jared para si mesmo que geram pensamentos e podem ser catalogados, compartilhados e consultados. Se dentro de você tivesse uma​ tecnologia capaz de vigiar ou direcionar tais pensamentos? Se os seus momentos precisam ser compartilhado com outros soldados, eles são verdadeiramente seus? Imagine aprender tudo o que os companheiros de batalhão aprendem? Poder enxergar por outra pessoa? Ter alguém ao seu lado que tem acesso a todos os seus sentimentos? Boas perguntas acopladas que combinam com uma história de autodescoberta.

Existencialismo, risco eminente de uma grande guerra interplanetária e um mistério a ser resolvido. Três temas que dialogam entre sim e estão conectados. E, já que estou falando de dialogar, preciso citar os diálogos. Scalzi conduz boa parte da narrativa com os diálogos. A obra pode ser consumida em pouco tempo porque as conversas são dinâmicas, conduzem o leitor e informam. O autor é tão bom com esse artifício que consegue transmitir a atmosfera ao redor dos personagens e uma personalidade de “ser soldado” a cada personagem (mas ela age de maneira diferente em cada um deles). Ser tão bom em algo não justifica pecar em uma parte importante da literatura.

Quero imaginar!

Scalzi não só cria raças alienígenas para tomar tiro do protagonista. As raças possuem as suas particularidades biológicas, um ecossistema próprio e uma cultura. Características que dão alma para esses seres. Porém, falta descrições em algumas partes. Deixar o leitor imaginar é uma escolha. Isso pode ser interessante desde que tenha um marco inicial, algum ponto de partida sólido. Estou imerso na cultura pop, sendo assim, posso imaginar uma nave, uma caverna, um alien e várias coisas do tipo. Só que, uma descrição traz cor, traços, texturas e aumentam a imersão. O autor tem capacidade para isso porque expôs as ideias na obra e elas são cheias de identidade. Por que não usar isto nas descrições. Não entendo. Fica a sensação de que está faltando algo.

Esperto, verossímil e diferente.

Em óperas espaciais, em ficções cientificas com teor mais bélico ou em uma aventura espacial é comum uma bajulação por armas e uma necessidade de querer mostrar a grandiosidade do exército. John Scalzi constrói todo o poderio humano a partir de duas tecnologias. Uma está totalmente ligada a mente/consciência e a outra transforma o ato de criar um soldado em uma linha de produção. No decorrer do texto sempre há informações que solidificam essas duas tecnologias. É interessante ver a dependência da humanidade e torna tudo mais verossímil. O leitor segue pela trama, acompanha o protagonista e uma delas é tirada. O impacto é forte, fiquei sem chão e senti o desespero dos personagens na minha pele. Só por essa construção minuciosa já vale a leitura.

O primeiro livro fez sucesso e esperar uma continuação que apenas dá uma nova aventura ampliada para o personagem principal seria o normal a se fazer. Em As Brigadas Fantasma o autor arrisca com Dirac, cria mais camadas ao seu universo, deixa-o mais complexo e se aprofunda em temas já abordados em Guerra do Velho. Se você gostou do primeiro e quer desbravar mais, será uma ótima leitura. Se quiser começar por este poderá ficar perdido em conceitos bem explicados na obra anterior. Cada livro tem um jeitão de temporada e uma adaptação para o audiovisual é quase certa.

Leia, será uma leitura rápida.

Leia e pense a respeito do “soldado perfeito”.

PS: Existe no site um podcast discutindo o livro. CLIQUE AQUI para ouvir!

Nota

Quatro selos cabulosos. A nota mais alta são 5 selos cabulosos.
Quatro selos cabulosos. A nota mais alta são 5 selos cabulosos.

 

 

 

 

Garanta a sua cópia de As Brigadas Fantasma e boa leitura!

Ficha técnica

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Nome: As Brigadas Fantasma
Autor: John Scalzi
Tradução: Petê Rissatti
Edição:
Editora: Aleph
Ano: 2017
Páginas: 376
ISBN: 9788576573777
Sinopse: As Brigadas Fantasmas são as Forças Especiais das Forças de Defesa Coloniais, tropas de elite criadas a partir do DNA dos mortos e transformadas em soldados perfeitos para as operações mais difíceis da CDF. Eles são jovens, são rápidos e fortes, e eles estão totalmente sem escrúpulos humanos.

O universo é um lugar perigoso para a humanidade – e está prestes a se tornar muito mais perigoso. Três raças com as quais os humanos enfrentaram antes aliaram a nossa expansão para o espaço. Seu linchpin: o cientista militar Turnoard Charles Boutin, que conhece os maiores segredos militares da CDF. Para prevalecer, a CDF deve descobrir por que Boutin fez o que fez.

Jared Dirac é o único humano que pode fornecer respostas – um híbrido sobrehumano, criado a partir do DNA de Boutin, o cérebro de Jared deve poder acessar as memórias eletrônicas da Boutin. Mas quando o transplante de memória parece falhar, Jared é dado às Brigadas Fantasmas.

Em primeiro lugar, Jared é um soldado perfeito, mas quando as memórias de Boutin se estendem lentamente, Jared começa a intuir o motivo da traição de Boutin. Como Jared procura desesperadamente por seu “pai”, ele também deve enfrentar suas próprias escolhas. O tempo está acabando: a aliança está preparando sua ofensiva, e algumas delas planejam coisas piores do que a mera derrota militar da humanidade.