[Resenha] O Planeta dos Macacos – Pierre Boulle

Recorte da capa do livro, um fundo vermelho, mostrando a parte superior do cranio de um símio. Em primeiro plano o título do livro em letras brancas, tortas e grosseiras
Recorte da capa do livro, um fundo vermelho, mostrando a parte superior do cranio de um símio. Em primeiro plano o título do livro em letras brancas, tortas e grosseiras

Como um cientista faz arte? Pierre Boulan, autor do clássico O Planeta dos Macacos, pode lhe dar a resposta.

A ciência está mais ligada ao racional: calcular, testar, medir, quantificar ou prever. Essas palavras podem ser utilizadas como elementos narrativos. Mas elas constroem uma narrativa?

Tabela em vez de pincel?

Sei que estamos na época dos algoritmos. Muitos desconfiam que obras artísticas surgem a partir de uma grande planilha alimentada pelo número de cliques no YouTube, termos procurados na Netflix ou palavras-chave nas redes sociais. Apesar das desconfianças, acredito que seja impossível eliminar o fator artístico da equação. Este fator sempre estará presente, ele une as moléculas dessa grande fórmula chamada arte. Eliminá-lo é impossível. Porém, o que acontece quando a ciência é colocada bem a frente do artístico em uma obra? É o começo do erro?

Vamos ao experimento

Ficção científica tem o costume de extrapolar conceitos, teorias ou características do nosso mundo para efetuar críticas sociais. Criticar tem como base mostrar o defeito ou erro. Só mostrar é o suficiente?

Muitos cientistas dedicam a vida para provar algo. E, para provar, é necessário experimentar. Os escritores também partilham deste desejo. Hoje quero te mostrar o experimento/obra literária de Pierre Boulan.

O Planeta dos Macacos possui uma premissa simples: astronautas franceses caem em um planeta parecido com a Terra, cheio de macacos e precisam não só voltar para casa como também sobreviver. Seguir pelo óbvio é pensar em algo cheio de aventura. Ela está presente na obra, mas se torna um detalhe em vista de toda a experiência vivida por Ulysse, o protagonista.

Um olhar diferente

Toda a narrativa é construída através de um relato que utiliza um tom acadêmico, sem ser pedante. Esse olhar atento e científico do protagonista transforma um universo hostil em uma interessante vivência para o leitor. Vontade de se comunicar, estudo, aprendizado, mistério e sobrevivência se conectam e tornam-se uma coisa só nesta obra.

Entender um lugar que ao mesmo tempo consegue emular e se diferenciar da Terra torna o livro mais vivo. O autor nos mostra/prova que O Planeta dos Macacos não é diferente do nosso. Conforme o avançar das páginas desbravei uma sociedade, senti curiosidade sobre a sua origem e comecei a refletir sobre a realidade que me cerca.

Um experimento bem realizado

Pierre Boulan cria uma alegoria, faz uma caricatura dos humanos para criticar o meio de vida dos habitantes do planeta Terra. Cada linha, cada parágrafo, cada construção faz o leitor enxergar as críticas: arrogância, ego, medo do evoluir, preconceito e negação do desconhecido. Críticas são feitas sem explicações enfadonhas e explicitas. Tudo é feito com uma sutileza que faz o leitor abrir um sorriso quando a nota.

Aprendizado inesquecível

Elogios devem ser feitos ao ensinar teatral por parte de Pierre. Aprendi, aprendi para nunca mais esquecer. A lição que mais me impactou conta a origem do termo macaquice (repetir, imitar). O autor critica a área acadêmica e quero estender essa crítica a arte:
Não estamos vendo as mesmas histórias sendo contadas várias vezes em livros, filmes, quadrinhos, séries e jogos ano após ano?

“Isso não deixa de ser verdade, mas às vezes alguns lançam-se na política, nas artes e na
literatura. Apresentam as mesmas características em todas essas atividades. Pomposos, solenes,pedantes, desprovidos de originalidade e senso crítico, obcecados com a tradição, cegos e surdos a qualquer novidade, adorando clichês e lugares-comuns, formam o substrato de todas as academias.” (quote)

Aliás, já que estou falando em ser acadêmico, preciso elogiar uma característica bem desenvolvida no personagem principal: ele é uma pessoa que estudou a vida inteira. Vi no protagonista, e na maioria dos personagens, uma alma acadêmica que gera pensamentos aprofundados; apego ao conhecimento; amor pelo questionar e vontade de querer entender. É bom ler conversas inteligentes. Não encontrei frases de efeitos e tiradas engraçadas fora de contexto. Apesar de toda a “carga” o livro é leve e possui bom humor.

Para aqueles que são fãs da ação ou de um grande mistério, digo que o autor não deixa a desejar nesses quesitos. A ação é pontual e o mistério sobre a origem do local e de como o protagonista voltará para casa é bem diluído em toda a trama.

Envelheceu bem?

Poderia ter envelhecido melhor? Poderia. Em algumas partes a sexualização do corpo da mulher poderia ser evitada e existe uma cena de violência totalmente descabida e sem propósito. Há o contexto da época. Sim, sempre há. Entretanto, um autor e seus editores que construíram um experimento/crítica social irreparável deixam um gosto amargo na boca do leitor ao não se atentarem a esses problemas que persistem na sociedade.

A ressalva está feita, e, se você conseguir abstrair esses erros, terá um ótimo clássico para ler.

Nota

Quatro selos cabulosos. A nota mais alta são 5 selos cabulosos.
Quatro selos cabulosos. A nota mais alta são 5 selos cabulosos.

 

 

 

 

Garanta a sua cópia de O Planeta dos Macacos e boa leitura!

Ficha técnica

Nome: O Planeta dos Macacos
Autor: Pierre Boulle
Tradução: André Telles
Edição:
Editora: Aleph
Ano: 2015
Páginas: 216
ISBN: 9788576572138
Sinopse: Em um futuro não muito distante, três astronautas pousam em um planeta bastante parecido com a Terra, repleto de florestas luxuriantes e com clima ameno e ar perfeitamente respirável. Mas esse lugar – um pretenso paraíso – não é o que parece. Em pouco tempo, os desbravadores do espaço descobrem a terrível verdade: nesse mundo, seus pares humanos não passam de bestas selvagens a serviço da espécie dominante… os macacos.

Desde as primeiras páginas até o surpreendente final – ainda mais impactante que a famosa cena final do filme de 1968 -, O planeta dos macacos é um romance de tirar o fôlego, temperado com boa dose de sátira. Nele, Boulle revisita algumas das questões mais antigas da humanidade: O que define o homem? O que nos diferencia dos animais? Quem são os verdadeiros inimigos de nossa espécie?

Publicado pela primeira vez em 1963, O planeta dos macacos, de Pierre Boulle, inspirou uma das mais bem-sucedidas franquias da história do cinema, tendo início no clássico de 1968, estrelado por Charlton Heston, passando por diversas sequências e chegando às adaptações cinematográficas mais recentes. Com milhões de exemplares vendidos ao redor do mundo, O planeta dos macacos é um dos maiores clássicos da ficção científica, imprescindível aos fãs de cultura pop.