Quando tinha por volta dos onze, doze anos de idade, recebi uma atividade da professora de Inglês para ler O Pequeno Príncipe (“preferencialmente em inglês” disse ela e, confesso, não sei o que ela estava pensando, pois éramos jovens de diferentes partes periféricas da cidade e que, sequer, conseguiríamos ler direito em nossa primeira língua). Bem, na época li um resumo na internet, apesar de ter impresso o livro inteiro e, de fato, como ela tinha pedido (a respeito da língua) e, anos depois, ter usado para acender uma fogueira de São João, considerando que nunca leria me Inglês na vida. A atividade foi respondida com sucesso e nunca li o livro…
Talvez, esse texto seja escrito para pagar a dívida com essa professora que não lembro do nome, nem do rosto, tampouco o que ela me ensinou naquele semestre, mas foi ela quem me fez conhecer esse livro, suas imagens (aquelas desenhadas pelo próprio autor) e, enfim, lembrar de que valia a pena o ler.
O livro
Escrito e ilustrado durante a segunda guerra mundial, O Pequeno Príncipe é um livro (supostamente) infantil considerado um dos clássicos desse sub-gênero. A história, contada a partir do olhar do narrador personagem (um homem – ou criança crescida – que se tornou piloto de aviões após sofrer uma decepção com os adultos), começa após o problema no avião e sua queda no deserto do Saara. Lá, onde tenta consertar o avião para poder voltar para casa, o narrador conhece aquele estranho garoto, curiosamente perguntador. O garoto lhe conta ser de outro planeta e, a partir daí, também conta diversos outros episódios desde de sua partida do pequenino planeta onde vivia.
É, basicamente, nos relatos desse garoto, O (tal) pequeno príncipe, em que consiste o livro. Enquanto um leitor adulto, pude perceber como esses episódios retratados pelo garoto eram críticos a certas atitudes humanas (ou, melhor, adultas). Baseado em um humor fino e sutil, que funciona, me parece, para todos os públicos, o autor constrói não apenas o característico estranhamento literário, como formulado pelos formalistas russos, que tem o tal poder de nos encantar. As diferentes visões de mundo do narrador e do garoto são contrastadas em alguns momentos, talvez para sugerir como certas coisas nos passam completamente despercebidas quando nos tornamos adultos.
O clichê clássico sobre leituras d’O pequeno príncipe é que um livros de camadas e isso é um truísmo. Mais do que isso, considerando o que argumenta Umberto Eco em Obra Aberta, o livro é poderoso enquanto obra de arte por sua polissemia, que, em diversos sentidos, o faz não só um livro profundo e atemporal, como também relevante para praticamente todos os leitores (aqui faço uma afirmação perigosa, mas vale a pena correr o risco por esse livro).
A leitura de O Pequeno Príncipe
Entre as diversas sugestões que o livro propõe, duas que me tocam profundamente (enquanto leitor e professor em formação inicial) são a capacidade de perguntar e imaginar.
A primeira é essencial para educação, pois tem o poder não apenas de te prover com respostas significativas mas também de fazer você repensar a si mesmo a partir do autoquestionamento. A segunda é essencial para o que a educação tem como objetivo (ou deveria ter, ou tem na minha opinião, ou qualquer coisa do tipo), que é a capacidade de transformação do mundo. O professor Vladimir Safatle, um articulista que costumo assistir, ouvir e ler muito, sempre fala dessa capacidade de imaginar um mundo diferente e, quem sabe, até melhor (ver aqui).
Tentando como quase sempre propor uma ponte com nossa atual realidade, O pequeno príncipe parece relevante por pôr em jogo essas duas importantíssimas (e necessárias) questões.
Quando voltaremos a perguntar? Quando relembraremos o poder de uma pergunta? Principalmente: quando nossas perguntas terão a perspicácia das perguntas da infância?
Quando voltaremos a imagina? Quando relembraremos o quão poderosa é essa faculdade tão intrinsecamente humana? Principalmente: quando iremos imaginar mundos tão diferentes quanto imaginamos na infância?
Se eu pudesse propor um exercício de imaginação aqui, começaria não respondendo essas perguntas, mas propondo que cada leitor pudesse refletir sobre essas por dez, onze segundos, que pudessem, cada um, escrever suas próprias perguntas em um pedaço de papel e lê-las sempre que possível, quem sabe não pensando em uma resposta, mas imaginando as diversas possibilidades.
Nota
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Ficha Técnica
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Editora: Zahar
Edição: 1ª
Tradução: André Telles & Rodrigo Lacerda
Ano: 2015
Páginas: 144
ISBN: 9788537814666
Sinopse: Com seu olhar sempre curioso, o Pequeno Príncipe de cachecol dourado leva o leitor a repensar as ligações entre sua infância e a vida adulta, entre o sentimento e a consciência, entre a razão e a realidade. A raposa, a rosa, os baobás, os planetas, entre outros elementos do livro, são símbolos nunca inteiramente explicados – e por isso mesmo muito fortes. Essa bela edição de luxo homenageia o aniversário de setenta anos da morte de Saint-Exupéry. Seguindo o padrão de qualidade da coleção Clássicos Zahar, traz o texto integral vertido para o português por tradutores premiados e todas as ilustrações clássicas do autor, em cores, além de cronologia de vida e obra de Saint-Exupéry e um posfácio do escritor Rodrigo Lacerda, resgatando as circunstâncias da produção do livro e analisando alguns de seus temas principais.