“Esse é o novo Senhor dos Anéis”. “Ele é tão bom, é igualzinho ao livro da Terra Média“. Se todos os méritos de uma obra são comparados a Senhor dos Anéis, acredito que essa obra é ruim. Não é o caso de “O Olho do Mundo”, primeiro volume da saga “A Roda do Tempo” de Robert Jordan.
Há semelhanças e elas não são sutis. Porém, A Roda do Tempo vai muito além de uma homenagem, uma versão americana ou até mesmo uma cópia do clássico de Tolkien. O livro de Robert Jordan tem a uma alma própria que exala identidade.
Por que não é igual?
Rand, o primeiro apresentado como protagonista, mora em um vila com um jeitão de interior, tem uma vida comum com seu pai Tam e alguns amigos. Uma figura estranha, só vista por ele, chama a sua atenção e antes de ter respostas sobre o incógnito a sua vila é atacada por Trollocs (criaturas que andam em duas patas, com o corpo de homem e o rosto animalesco). Uma simples premissa que gera um monte de perguntas.
O protagonista e seus amigos fogem do lar onde nasceram. A narrativa, o descobrimento de todo um universo vasto e bem construído, a mitologia e a história por trás de reinos, a magia e os personagens são movidos ou revelados através desta fuga. Com esse artifício, Robert Jordan faz você caminhar por todo um mundo ricamente criado. Depois de virar a última página só consegui dizer: “A viagem foi longa…longa como poucas são”.
A busca incessante do autor
Ser verossímil é o grande desejo do autor. Senti que saí da vila pacata na região dos Dois Rios e passei por florestas, tavernas (muitas tavernas), cidades, cidades caídas e todos os lugares clássicos de uma aventura de RPG. Tolkien transformou a sua obra em realidade na mente dos leitores com descrições poéticas. Robert Jordan consegue o mesmo através do carinho que dedica aos detalhes.
Em nossas vidas, na realidade, não é possível pular os detalhes. Para chegar ao trabalho ou a escola você precisa se alimentar, sair de casa, pegar o ônibus, enfrentar uma chuva ou coisas do tipo. Nesses pequenos detalhes que preencham a vida o autor vê beleza e os descreve com maestria. Para grandes cidades ou pequena tavernas há carinho com as palavras, onde o autor usa simplicidade em vez de poesia. Se você gosta das descrições que formam belas imagens na mente, pare de ler esta resenha e vá ler A Roda do Tempo. Mas, pera aí, esse autor tem como mérito só as descrições e o olhar aguçado para os detalhes?
Diálogos, como gostei dos diálogos! Em meio a fuga, o descanso e a vigilância o autor gosta de colocar os personagens ao redor de uma fogueira ou em uma mesa conversando. E não é aquela conversa apressada que tem como objetivo só o avançar da trama. Os diálogos são usados para demonstrar a personalidade e os medos dos personagens, para contar belas histórias do passado, para criar uma mitologia e explicar os obstáculos.
O olhar de um só personagem pode enxergar tudo?
No início do livro Rand é mostrado como protagonista. Depois, a partir de um acontecimento, o autor nos vende a ideia de três protagonistas: Rand, Mat, Perrin. Mas, eu gosto de enxergar a obra em três núcleos: Rand, Perrin e Nynaeve. Além destes personagens outros são bem construídos, só que nesses a construção é maior, a evolução é latente, os acontecimentos os cercam e cada um possui um segredo dentro de si. Já ia me esquecendo, apesar de Egwene não ter um núcleo próprio possui todas as qualidades dos personagens citados acima.
Retratação do feminino
Egwene e Nynaeve são personagens profundas, têm as suas dúvidas e os seus desejos, questionam, não se intimidam e são parte importante da obra. Isso é o suficiente? Ainda bem que não. Preciso falar de Moraine. Ela acredita na força da sua magia, tem fé em suas crenças, confia nas suas decisões e não titubeia diante do que deve ser feito. Na sua fala há sempre uma carga de quem tem muito conhecimento e que atrai para si respeito. Ao falar dela também preciso mencionar o sistema de magia: há só uma fonte neutra de poder que só pode ser usada por mulheres. Em uma conclusão apressada, um tolo chamaria isso de privilégio. Não, não é. Há uma vida de sacrifício e poucas podem acessar a fonte verdadeira. É um sistema de magia bem construído e pavimentado com boas histórias.
O vilão de O Olho do Mundo
A sensação de perseguição marca boa parte do livro. Durante a fuga os personagens se deparam com diversos cenários e enfrentam várias situações. Também há lutas que nunca começam ou terminam da mesma forma. Até aí nada de novo se comparado a outras obras de Fantasia. Mas, devo mencionar que o mau/perigo não é só físico. Ele é uma presença, um peso e causa medo só com o seu existir. Em Senhor dos Anéis há algo muito parecido. Então o que há de diferente? O sonho. O autor sabe usar esse elemento. Da boca do personagem não sai uma versão resumida de um pesadelo, muito pelo contrário. O narrador entra no sonho do personagem e o narra. No sonhar o autor esquece os limites, belas cenas são criadas, há chantagem e o tormento por parte do vilão é grande, dando uma característica diferenciada para o livro.
Nada é perfeito
Por boa parte da trama Rand só reage e não age, um romance simplesmente pula na trama e há lentidão. O desejo do autor pela verossimilhança combinado com o seu amor pelas descrições e diálogos longos tornam o livro lento. O leitor sente que está fazendo uma longa viagem. Sim, o livro consegue fazer o leitor sentir que o universo é grande, existe a recompensa no final, mas a sensação de “Poderia ser mais rápido” não desaparece.
Fãs de Fantasia, ainda mais daquelas com jeitão antigo, podem se arriscar sem medo. Agora, se você não é um entusiasta do gênero ou pensa em ter uma primeira experiência, escolha outro livro.
É isso. O Olho do Mundo não se trata de uma cópia do Senhor dos Anéis. Ainda bem que não se trata.
Nota
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Ficha Técnica
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Nome: O Olho do Mundo: (Série A roda do tempo volume 1)
Autor: Robert Jordan
Tradução: Fábio Fernandes
Edição: 1ª
Editora: Intrínseca
Ano: 2013
Páginas: 800
ISBN: 9788580573619
Sinopse: Um dia houve uma guerra tão definitiva que rompeu o mundo, e no girar da Roda do Tempo o que ficou na memória dos homens virou esteio das lendas. Como a que diz que, quando as forças tenebrosas se reerguerem, o poder de combatê-las renascerá em um único homem, o Dragão, que trará de volta a guerra e, de novo, tudo se fragmentará.
Nesse cenário em que trevas e redenção são igualmente temidas, vive Rand al’Thor, um jovem de uma vila pacata na região dos Dois Rios. É a época dos festejos de final de inverno – o mais rigoroso das últimas décadas -, e mesmo na agitação que antecipa o festival, chama a atenção a chegada de uma misteriosa forasteira.
Quando a vila é invadida por Trollocs, bestas que para a maioria dos homens pertenciam apenas ao universo das lendas, a mulher não só ajuda Rand e seus amigos a escapar dali, como os apresenta àquela que será a maior de todas as jornadas. A desconhecida é uma Aes Sedai, artífice do poder que move a Roda do Tempo, e acredita que Rand seja o profético Dragão Renascido, aquele que poderá salvar ou destruir o mundo.