Quantos livros com protagonistas negros você leu? Quantos livros escritos por autores negros você leu? Num momento em que pessoas na internet estão discutindo se a Ariel (personagem fictício, de uma espécie fictícia) pode ser interpretada por uma mulher negra, “Quando me descobri negra”, da Bianca Santana é o tipo de livro que eu precisava ler, e acredito que todo mundo, negro ou não, também precise.
Resumo
Composto por 28 relatos e ilustrado por Mateu Velasco, o “Quando me descobri negra” apresenta situação de pessoas que se descobriram negras em diferentes momentos de sua vida. Dividido em três partes: Do que vivi, do que ouvi e do que pari, a autora apresenta as experiências passadas por ela, casos que lhe foram apresentados e histórias que ela criou com base nas experiências de vida de amigos, conhecidos e anônimos, em suas realidades individuais, mas extremamente parecidas com a de muitas pessoas que são jugadas, segregadas e condenadas apenas por seus tons de pele.
“Tenho 30 anos, mas sou negra há dez. Antes, era morena.” – Bianca Santana
Se descobrir negro é desesperador e libertador ao mesmo tempo. Sempre soube que era mulher pelas limitações que me impuseram em casa, das coisas que meu irmão podia fazer e eu não podia por ser menina. Na escola descobri que eu era gorda, presente dos comentários e apelidos colocados pelas outras crianças. Mas crescendo na periferia, eu achava que racismo não existia. Claro que tinham pessoas negras e brancas, mas meus amigos brancos eram enquadrados pela polícia assim como meus amigos negros. Todos nós éramos pobres, para mim era isso que nos tornava iguais.
Precisei sair da periferia para perceber que não éramos. Na minha certidão de nascimento eu sou branca. Meu pai é um homem negro, minha mãe não. Eu sempre tive a pele mais clara que meus irmãos, embora meu cabelo fosse mais crespo. Passei a vida ouvindo que meu cabelo era ruim, sendo chamado de juba, Bombril, vassoura e outros apelidos por causa dos fios que se recusavam a crescer escorridos como o cabelo da minha mãe crescia. Meu primeiro alisamento foi com oito anos de idade. Depois disso foi uma sequência de produtos mal cheirosos que me causavam dor, mas sentir os fios balançando compensavam. Para mim, meu cabelo crespo era só um cabelo crespo e não um sinal da minha negritude.
Só percebi que eu era negra na vida adulta, graças à um segurança do mercado que me seguiu pelos corredores, graças à senhora que achou que eu trabalhava no estabelecimento, mesmo eu não usando nenhum crachá ou uniforme que me identificasse como funcionário, graças à vendedora que me ignorou, mas atendeu prontamente à cliente loira que entro na loja depois de mim.
Até eu ter meu próprio dinheiro eu não era negra, era morena. É triste que precisemos de um tapa na cara pra notar quem somos, mas é libertador ainda assim. Sei que sou uma mulher negra, sei que o meu cabelo faz parte de quem eu sou, sei que não importa se vou usá-lo crespo ou alisado, eu continuo sendo uma mulher negra e agora sei o quanto isso é libertador.
Demorei pra entender que eu era negra, e demorei mais ainda pra aceitar que eu era negro. Nos livros que eu lia não haviam negros. Nos filmes que eu assitia eles estavam presentes como escravos, criados, bandidos, e eu não queria ser nada daquilo. Imagino se na minha juventude, nas mídias que eu consumia existissem super-heróinas, princesas, mulheres negras em cargo de chefia, que não estivessem lá para servir, mas para contar uma história, talvez esse reconhecimento não fosse tão tardio, ou a aceitação tão dramática.
O livro da Bianca é um tapa na cara de diferentes formas, se você vai sorrir aliviado ou chorar depois da leitura, sinceramente eu não sei, mas o que fazer com o que aprender sobre si mesmo e sobre os outros é uma escolha sua.
Nota

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Ficha Técnica
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Nome: Quando me descobri negra
Autor: Bianca Santana
Editora: SESI- SP
Edição: 1ª
Ano: 2015
Páginas: 96
ISBN: 9788582056561
Sinopse: ”Quando me descobri negra fala com sutileza e firmeza de um processo de descoberta inicialmente doloroso e depois libertador. Bianca Santana, através da experiência de si, consegue desvelar um processo contínuo de rompimento de imposições sobre a negritude, de desconstrução de muros colocados à força que impedem um olhar positivo sobre si. Caminhos que aos poucos revelam novas camadas, de um ser ressignificado. Considero este livro um presente, é algo para se ter sempre às mãos e ir sendo revisitado. Bianca, ao falar de si, fala de nós.” – Djamila Ribeiro

Não esqueça de adicionar ao seu ![[Resenha] Lebre da Madrugada – Arthur Malvavisco Capa do livro. Ilustração com um fundo roxo. Em primeiro plano, uma lebre branca, ao redor dele, ocupando o restante da capa, diversos objetos, uma garrafa, duas flores distintas, uma pena escura, uma pinça, uma tesoura e uma faca com cabo estilizado. No topo, o título do livro em branco com fonte estilizada.](https://leitorcabuloso.com.br/wp-content/uploads/2022/08/LebreDaMadrugada-Site-696-390.jpg)
![[Resenha] A cidade de bronze – S. A. Chakraborty Capa do livro. No fundo, um céu escuro, com alguns pontos luminosos no topo. Na base, uma perspectiva de horizonte com a silhueta de algumas construções em arquitetura árabe em dourado, e uma pessoa caminhando vista bem de longe. Do local dessa pessoa emana uma luz com labaredas amarelas que vão até o topo da capa avermelhando-se. No centro da capa uma mandala, e em primeiro plano o título do livro.](https://leitorcabuloso.com.br/wp-content/uploads/2022/08/ACidadeDeBronze-Site-696-390.jpg)
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