Perto do Coração Selvagem – Clarice Lispector

Recorte da capa do livro. No fundo uma janela branca ocupando toda imagem. Em primeiro plano, o nome da autora em destaque, e abaixo o titulo do livro.
Recorte da capa do livro. No fundo uma janela branca ocupando toda imagem. Em primeiro plano, o nome da autora em destaque, e abaixo o titulo do livro.

Publicado em 1943, Perto do Coração Selvagem foi o romance de estreia de Clarice Lispector, sendo recebido com admiração e estranheza pela crítica quando foi lançado. A ênfase na sensibilidade e no eu interior aliados à capacidade em captar nuances da personalidade da personagem foram alguns dos motivos desta obra ter surpreendido a rotina do contexto literário nacional da época.

O selvagem coração de Joana

Neste livro somos apresentados à personagem Joana, cuja história é dividida em duas partes: a primeira conta sobre sua infância, adolescência e vida adulta em capítulos intercalados, sendo ora um sobre a Joana-menina, ora sobre a Joana-adulta; na segunda parte, temos a história de Joana durante o casamento até o seu fim, e somos apresentados a novos e importantes personagens que farão toda a diferença no desenrolar da história desta personagem tão singular.

Logo no início, percebe-se que houve certa ruptura no livre arbítrio de Joana, tendo isto muita influência de seu pai, figura muito forte que a repreendia por ser muito sonhadora e pouco ouvia os poemas que a filha criava. Isso se refletiu em sua vida adulta, tornando-a uma mulher quieta e reservada, que vivia dentro dos próprios sonhos para não enlouquecer.

Nas 30 primeiras páginas, percebe-se que Joana projetou no marido Otávio toda a falta que sentia de seu pai, ocasionando no seu aprisionamento em um casamento sem amor, sem nada em comum entre eles, onde sentia que precisava estar para permanecer viva, para se sentir viva, e para alimentar seus sonhos. Mas Joana, como boa mulher inteligente e sonhadora, dá indícios de que lá no fundo sabe que aquela relação não faz mais sentido. Contudo, encontra dificuldade em assumir isto e internalizar que não precisa se aprisionar em um relacionamento com um homem somente para se sentir alguém ou ter restos de qualquer sentimento.

Joana está sempre em busca do sentido da vida, de explicar e questionar tudo ao seu redor, inclusive a si mesma e aos seus sentimentos. Ela demonstra profundo conhecimento do mundo ao seu redor, o qual ela observa minuciosamente e tenta compreender da maneira mais aprofundada e poética. É possível, através dos olhos de Joana, perceber o quão profunda é a existência de uma mulher que quer ser independente, pois ela a todo segundo demonstra que seu eu interior é a única voz que importa para si mesma. Entretanto, isto faz com que Joana também deixe de saber diferenciar o certo e o errado em algumas situações, como quando ela rouba o livro e diz para a tia que o fez porque pode tudo, e quando diz para o marido que só se separará dele quando engravidar.

A incansável alma de Clarice

Joana não é uma personagem perfeita, ela é palpável, humana, e por isso é possível nos identificarmos com ela. Ela não tem medo de mostrar seus defeitos e de dizer o que pensa, pois, para ela, só assim mostrará que está viva e que suas ideias e ideais também podem ter importância na existência humana.

Além disso, é possível perceber Joana como alter ego de Clarice, pois a identificação entre o narrador e o personagem é tão forte e palpável que por diversas vezes a terceira pessoa do verbo e a primeira se fundem, tornando a enunciação do romance ambígua, uma conversa entre o eu e o outro, que é tecnicamente conhecida como discurso indireto livre.

Perto do Coração Selvagem pode ser o que chamamos de “romance de formação”, pois presenciamos a evolução da personagem desde a infância até a vida adulta, como sua personalidade e visão de mundo vão evoluindo conforme ela vai amadurecendo e passando por situações que a obrigam a tomar decisões importantes.

Com isto, é perceptível que seria impossível descrever a grandiosidade desta obra de Clarice. Assim como em todas as suas obras, há muito dela em seus personagens, o que os torna muito mais complexos e singulares, humanos e palpáveis. A cada leitura deste livro é possível ter uma visão diferente da anterior, pois, como nós é mostrado através de Joana, o amadurecimento nos presenteia com visões de mundo e de si próprio cada vez mais únicas e diferenciadas, provando que, como seres mutáveis que somos, estamos sempre evoluindo no selvagem coração da vida.

Sobre a autora

Clarice Lispector, nascida Chaya Pinkhasovna Lispector (Chechelnyk, 10 de dezembro de 1920 — Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1977) foi uma escritora brasileira, nascida na Ucrânia. Autora de linha introspectiva, buscava exprimir, através de seus textos, as agruras e antinomias do ser. Suas obras caracterizam-se pela exacerbação do momento interior e intensa ruptura com o enredo factual, a ponto de a própria subjetividade entrar em crise.

De origem judaica, terceira filha de Pinkouss e de Mania Lispector, a família de Clarice sofreu perseguição aos judeus durante a Guerra Civil Russa de 1918 a 1921. Seu nascimento ocorreu em Chechelnyk, enquanto percorriam várias aldeias da Ucrânia antes da viagem de emigração ao continente americano. Chegou no Brasil quando tinha dois anos de idade.

A família chegou a Maceió em março de 1922, sendo recebida por Zaina, irmã de Mania, e seu marido e primo José Rabin. Por iniciativa de seu pai, à exceção de Tania – irmã, todos mudaram de nome: o pai passou a se chamar Pedro; Mania, Marieta; Leia – irmã, Elisa; e Chaya, Clarice. Pedro passou a trabalhar com Rabin, já um próspero comerciante.
Clarice Lispector começou a escrever logo que aprendeu a ler, na cidade do Recife, onde passou parte da infância. Falava vários idiomas, entre eles o francês e inglês. Cresceu ouvindo no âmbito domiciliar o idioma materno, o iídiche.

Foi hospitalizada pouco tempo depois da publicação do romance A Hora da Estrela com câncer inoperável no ovário, diagnóstico desconhecido por ela. Faleceu no dia 9 de dezembro de 1977, um dia antes de seu 57° aniversário. Foi sepultada no Cemitério Israelita do Caju, no Rio de Janeiro, em 11 de dezembro de 1977.

Nota

5 selos cabulosos

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Ficha Técnica

Nome: Perto do Coração Selvagem
Autor: Clarice Lispector
Edição:
Editora: Folha de S.Paulo
Ano: 2017
Páginas: 176
ISBN: 9788579493317
Sinopse: “Perto do Coração Selvagem”, romance de estreia de Clarice Lispector, assombrou leitores e críticos logo após sua publicação, em 1943. Tendo uma voz narrativa que ora incorpora o mundo interior da protagonista Joana, ora a contempla de fora, o livro alterna dois tempos: a infância, na qual a personagem interroga seres e coisas, e um presente intemporal como a eternidade, em que as vicissitudes de um casamento que jamais representou uma ilusão resumem os outros pequenos desastres que reconduzem a personagem a sua inadequação primordial.

Com uma escrita tateante, sonâmbula, Clarice Lispector não recapitula de modo linear as vivências de Joana (como a morte do pai ou a separação do marido, visto desde sempre como um estranho), mas flagra o instante em que cada experiência ou cada encontro eclode com seu enigmático significado, apresentando-se como via de acesso ao “selvagem coração da vida” – conforme a frase de Joyce que, por sugestão do escritor Lúcio Cardoso, Clarice Lispector utilizou na epígrafe e no título desse livro que inaugura uma das obras mais inovadoras da literatura brasileira.