O Alienista – Machado de Assis

O clichê de O Alienista é válido: quem está louco nessa história? Toda a cidade ou Simão Bacamarte?

E é justamente isso o que a história quer discutir!

A incerteza de Simão Bacamarte sobre o que é a loucura (e mesmo sua recorrente mudança de definição do início ao fim) é parte da construção de uma psique afetada, como a dos mais interessantes personagens machadianos. Todo o pragmatismo, toda a frieza, toda a racionalidade exacerbada, toda a falta, ausência total de empatia (o comportamento como um todo) é um reflexo distorcido do cientificismo vivido pela maioria dos intelectuais durante o séc. XIX e, quem sabe, possa até mesmo ser uma crítica, nesse caso depende da nossa leitura.

Sinopse

Aviso: a seguir contém spoilers da obra.

Resumindo a história, Simão Bacamarte é um renomado médico que após um construir um carreira de respeito, volta a sua cidade natal (Itaguaí), onde se casa com Dona Evarista. Sua nova esposa era uma viúva quem Bacamarte, supostamente por questões racionais, acreditava ser fisicamente a escolha perfeita para lhe dar um filho. Após algum tempo, ele abre um consultório psiquiátrico e, mais tarde, auxiliado pelo governo da província um manicômio (a Casa Verde), onde passa a se dedicar aos estudos da psique humana.

Contudo, ao longo dos estudos o médico passa a internar cada vez mais e mais cidadãos, o que gera apreensão, ansiedade e, consequentemente, a primeira revolta de populares (Revolta do Canjica), esta liderada pelo Barbeiro Porfírio. Essa revolta culmina em um golpe e o líder, Porfírio, é instituído pelo povo como governante da província. Assim que assume o poder, o Barbeiro reconhece o poder de Simão e com ele se alia, para manter a estabilidade política. Parte da oposição ao governo golpista de Porfírio chega a ser internada na Casa Verde. E é graças a isso que o barbeiro João Pina, apoiado por parte do povo, consegue depor seu opositor.

Entretanto, tão logo acende ao governo, Pina também entra em acordo com Bacamarte, pois aparentemente não há outra forma de governar. Por fim, João Pina também é deposto e o antigo governo monárquico é reinstituído.

Durante todas essas articulações políticas, Simão continua a internar mais e mais cidadãos e chega até mesmo a internar sua esposa, Dona Evarista. Após ter internado três quartos da população, o médico percebe que sua teoria sobre o define alguém como louco está errada e, assim, ele libera todos os pacientes. Agora, seguindo um novo método, ele passa a internar outras pessoas, sendo a primeira internação a do notável vereador Galvão.

Outra vez, chega a conclusão de que sua teoria está errada e libera todos os internos, concluindo, por fim, que o louco, na verdade, é ele mesmo e se trancando na Casa Verde (morrendo meses depois).

Análise crítica de O Alienista

Vale ressaltar: posto que a maioria das críticas a essa curta história tendem a se debruçar sobre a temática da loucura, aqui me arriscarei a pontuar um elemento diferente e, me parece, mais relevante para os leitores atualmente.

O que me interessou em O alienista foi o trecho em que a cidade, em crise, sofre um golpe atrás do outro. O governo é posto abaixo por uma revolta popular, da qual se aproveita o barbeiro Porfírio (um dos líderes e suposto representante das manifestações) para ascender politicamente. Assim que o golpe instaura seu governo faz uma aliança com Bacamarte e, logo, acaba sendo derrubado por um novo golpe, esse capitaneado por outra figura de prestígio nas manifestações, o barbeiro João Pina (outro suposto líder e representante do povo). Em um derradeiro movimento, o poder é restabelecido pelo antigo governo.

Nesse sentido, o que me fez pensar durante a leitura foi como o medo, o ódio contra as ações de Simão Bacamarte unem a população. E, também, como é esse mesmo medo e ódio que cega a população para sua escolha de supostos líderes, de representantes (sendo esses usurpadores, que fazem de parte da população massa de manobra em prol de seus interesses). Em ambos os curtos governos golpistas, os líderes trataram tão logo assumiram de estabelecer um diálogo com Simão Bacamarte, reconhecendo seu poder, sua influência. Em seguida, quando ao se sentirem afrontados por esse poder, tentaram repreendê-lo, apesar de, no fundo, saberem ser essa uma tarefa impossível.

Vemos prevalecer, no fim da história, o poder vinculado não ao povo, mas aquele próprio de uma bem estabelecida hegemonia sócio-política. Lembro de como, ao ler o trecho sobre essa intriga, me veio à mente como os verdadeiros poderosos podem até mesmo não estar no governo, apesar de com certeza estar sempre influenciando quem estiver (e sei como isso parece um tanto quanto conspiratório).

No fim, o povo será manipulado por essas forças políticas, sem saberem direito o que uma escolha ou outra representa, é o que parece ser uma conclusão possível da minha leitura. Eu lamentei essa interpretação, pois O alienista é de 1882, no entanto me soa tão atual que chega a dor. Não parece que o poder hegemônico continua a manipular o povo na forma de supostas insurreições messiânicas? E não parece que essas acabarão nos pondo novamente no status quo ou, pior, rumo à retrocesso? Talvez não seja o diagnóstico intencionado por Machado, entretanto estou certo de que é sim um dos possivéis e, principalmente, graças ao que temos vivido neste ano.

Gostou da resenha? Temos mais sobre isso aqui no Leitor Cabuloso:

Nota

5 selos cabulosos

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Ficha Técnica

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Nome: O alienista
Autor: Machado de Assis
Edição: 1ª
Editora: L&PM
Ano: 2014
Páginas: 88
ISBN: 9788525408426
Sinopse: Quem é louco? Esta é a grande questão proposta neste livro. Conto extenso, quase uma novela, O alienista é uma obra-prima da nossa literatura. Nessa narrativa, publicada pela primeira vez em 1882, Machado de Assis (1839-1908), o autor de Dom Casmurro, Quincas Borba e Memórias póstumas de Brás Cubas, entre outros, conta a história do eminente doutor Simão Bacamarte. Dedicado estudioso da mente humana, o médico decide construir a “Casa verde” – um hospício para tratar os doentes mentais na pequena cidade de Itaguaí. Com um estilo realista e fantástico a um só tempo, Machado conduz uma história surpreendente e mostra ao leitor que tudo é relativo e que a normalidade nem sempre é aquilo que a ciência e os fatos atestam de forma absoluta. Em O alienista, está presente todo o gênio, toda a ironia e o magistral estilo do maior nome da prosa brasileira.