Amor nos tempos do “Like”
Kristen Roupenian era uma autora desconhecida quando o conto Cat Person foi publicado em dezembro de 2017 na The New Yorker. Ao abordar assuntos como consensualidade, relacionamentos na era digital e a relação de uma jovem mulher com o sexo, o conto ganhou as redes sociais, tornando-se um viral. Graças a esse sucesso, Roupenian lançou, em 2019, seu primeiro livro intitulado You know you want this: “Cat Person” and others stories, que foi lançado aqui no Brasil com o título de Cat Person e outras histórias pela editora Companhia das Letras, com tradução de Ana Guadalupe. Contendo 12 contos, o livro trata sobre amor (ou o que cada um entende sobre amor), desejo (em suas mais diferentes formas), consentimento (mesmo que obrigatório) e relacionamentos contemporâneos e suas dinâmicas de poder.
Resumo
Margot, 20 anos, conhece Robert, 34, enquanto ela trabalha como atendente em um cinema alternativo. Os dois trocam telefones, o “contatinho” evolui para uma troca intensa de mensagens onde cresce a expectativa até o tão aguardado encontro. Mas o que fazer quando o date não é tão bom quanto esperado?
Análise Crítica
(Contém spoilers sobre o conto “Cat Person”)
Apesar de iniciar como uma história banal (afinal quem nunca esteve em um date ruim?), Cat Person merece a leitura por abordar o papel da mulher dentro do relacionamento. Margot, com base nas expectativas criadas pela troca de mensagens com Robert, deixa claro seu interesse em uma relação sexual, mas ao chegar na casa dele ela muda de ideia, e a questão é: como se livrar dessa situação sem ser deselegante, principalmente por ter sido ela quem manifestou o interesse? Será que a mulher pode perder o tesão e manifestar essa falta de vontade sem parecer fútil ou mimada? E o trabalho de se livrar dessa situação vale mais a pena do que consentir que o sexo, mesmo que com a falta de excitação se torne tenso e insatisfatório, ocorra?
Embora algumas críticas falem da futilidade da Margot em perder o interesse por Robert devido ao corpo dele não se enquadrar nos padrões estéticos de beleza (o que encaro como uma troca de papeis intencional, já que normalmente alguns homens dizem com todas as letras não sentir interesse em mulheres que fogem dos mesmos padrões), podemos observar no texto o quanto o papel da mulher nos relacionamentos contemporâneos tem evoluído, mas se mantendo o mesmo. Se agora a mulher pode manifestar interesse, ela ainda não pode manifestar sua falta de interesse. Margot aceita manter a relação sexual com Robert, não por medo de que ele a obrigue a fazer algo, mas por medo de o que ele vai pensar dela se recusar. E mesmo depois, quando ela deixa claro que não está interessada em novos encontros, a mudança de comportamento de Robert é só mais uma prova que a mulher ainda não tem o direito de dizer não.
E, apesar do spoiler do conto principal (que pode ser lido na internet, em inglês) não é somente dele que é feito o livro. Nos outros 11 contos, alguns com uma boa dose de realismo fantástico, a autora continua abordando o desejo, o amor, os relacionamentos, as perversões e as angústias que nos tornam, e a seus personagens, tão humanos.
Chamo atenção para os contos Não se machuque (porque quando você encontra um livro de bruxaria perdido nas estantes de uma biblioteca você tem a obrigação de realizar os feitiços) e Aquela que morde (porque a agressão física nem sempre é o pior dos problemas).
Nota
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