Tendo sido inicialmente influenciado pelas ideias anarquistas do alemão Johann Most e pelas reuniões com os anarquistas judeus de Paris, o órfão aprendiz de encadernador Rudolf Rocker acabou vindo a se tornar um dos pensadores mais proeminentes do anarquismo. Mais tarde acabou conhecendo outro grande nome do movimento, o geógrafo anarquista Élisée Reclus, que dentre muitos feitos é conhecido por ter sido o primeiro a cunhar o termo e iniciado a área de estudos denominada Ecologia Social, ainda em meados do século XIX – que mais tarde, nos anos 60, seria reapropriada por outro importante teórico anarquista chamado Murray Bookchin.
Apesar de durante em vida ter se aproximado dos pontos de contato entre o movimento anarquista e o movimento sindicalista que foram formulados e apresentados primeiramente na Confederação Geral do Trabalho (CGT) em 1895, e ter ajudado a fundar o que mais tarde veio a ser conhecido como anarcossindicalismo, Rocker sempre se declarou um anarquista sem adjetivos, termo que expressa a ideia de que as diversas escolas que compõem a filosofia e o movimento anarquista podem e devem conviver simultânea e pacificamente, uma vez que independente dos métodos empregados por essas escolas no que se refere aos fatores econômicos (que deste ponto de vista torna-se um valor secundário), o objetivo principal de todas elas ainda é garantir a liberdade pessoal e social dos indivíduos, independente sobre que bases econômicas ela se dê.
“Sou anarquista não porque acredite que num futuro milênio as condições sociais serão absolutamente perfeitas e não necessitarão de mais nenhum melhoramento. Isto não é possível até porque o homem não é perfeito e não pode criar nada absolutamente perfeito. Mas acredito, em troca, num processo constante de aperfeiçoamento que nunca finda e que só pode prosperar da melhor maneira sob as condições sociais de vida mais livres possíveis. A luta contra toda a tutela e todo o dogma, mesmo que se trate duma tutela institucional ou de ideias, é para mim o conteúdo essencial do socialismo libertário” (p. 3).
Por começar seu livro com essa frase e, também por conta do próprio título do livro, alguns de nós podemos ser persuadidos a pensar que Rocker vai nesta obra discorrer sobre os determinantes históricos em sua vida que o levaram a aderir ao movimento anarquista. Entretanto, o autor vai um pouco mais além e discute assuntos de natureza histórica e de base conceitual mais geral e que com certeza fogem à sua própria experiência pessoal, mas que com certeza foram determinantes para que este tomasse partido do movimento anarquista e não de outro movimento socialista.
Como se sabe historicamente, apesar de ambos serem considerados movimentos e teorias políticas de “esquerda”, o marxismo de Marx e Engels nunca conviveu completamente pacificamente com o anarquismo, porque apesar destes compartilharem o mesmo objetivo final que é a realização do socialismo, isto é, a criação de uma sociedade livre e igualitária, livre de classes sociais ou Estado, eles discordam significativamente quanto aos métodos que devem ser empregados para garantir essa conquista. É partindo deste gancho, que Rocker inicia a discussão falando da relação entre Marx e as ideias anarquistas.
Segundo o autor, ainda que mais tarde, o Velho Marx tenha feito de tudo para rechaçar e ridicularizar as ideias e os teóricos anarquistas, o Jovem Marx, ainda tateando dentro dos princípios socialistas, teria flertado (e muito) com ideias anarquistas e defendido as principais pautas destes como um anarquista legítimo. Segundo Rocker, ainda que no futuro Marx tenha questionado a competência tanto filosófica quanto econômica de Pierre-Joseph Proudhon (que por curiosidade, foi o primeiro pensador a se auto-intitular anarquista), tendo ainda acusado este de ser um “socialista utópico” (conceito que faz oposição ao chamado “socialismo científico”, que Rocker também adverte ser apenas mais outra distinção falsa, febril e ilusória de Marx), no início de sua jornada como um socialista, Marx teria enaltecido a obra O que é propriedade? de Proudhon, tendo em muitas ocasiões atacado o Estado e se defendido de contra-argumentos, utilizando-se das mesmas ideias que Proudhon expõe nesta obra.
Ainda nesta seção, Rocker apresenta evidências que foram primeiramente sistematizadas por V. Tcherkesoff de que o Manifesto do Partido Comunista não seria nada além do que um plágio mal feito da obra do socialista francês Victor Consideránt chamada Manifesto da Democracia, e que o que Marx e Engels convencionaram chamar de “socialismo científico” não são mais do que traduções livres e reapropriação de ideias encontradas em obras de socialistas franceses e ingleses, além de obras anarquistas da época, velhos escritos que podem ser encontrados nas obras de Consideránt, Demasy, May, Proudhon, etc., ou seja, que o conteúdo do “socialismo científico” foi retirado das ideias de autores que posteriormente Marx e Engels tentariam menosprezar chamando-os de “socialistas utópicos”.
No que se segue Rocker vai além dessa querela, e entra na polêmica Marx vs Bakunin, tentando convencer o leitor que diferente do que se propagava na época (e infelizmente ainda hoje em algumas leituras socialistas), a crise que se instaurou na Associação Internacional dos Trabalhadores, ou a Primeira Internacional, não se deve exclusivamente à polarização das ideias destas duas personalidades, mas é ela mesma um produto de mudanças históricas e sociais que já vinham se consolidando há muito tempo.
“Tem se querido reduzir estas lutas interiores a querelas puramente pessoais e, principalmente à “rivalidade” entre Mikail Bakunin e Karl Marx e o Conselho Geral de Londres. Nada mais falso e infundado que esta ideia, que resulta duma ignorância completa dos fatos. Considerações de ordem pessoal desempenham, certamente, algum papel nestas lutas como quase sempre acontece em casos semelhantes.
Foram sobretudo Marx e Engels que, nos seus ataques a Bakunin, fizeram tudo quanto era humanamente possível; fato que o próprio biógrafo de Marx, Franz Mehring, não pôde ocultar. Mas seria um erro ver, nestas aborrecidas querelas, a verdadeira causa da oposição entre estes homens. Tratava-se, na realidade, de duas concepções diferentes do socialismo e, principalmente dos caminhos que a ele conduzem. Marx e Bakunin foram apenas os mais elementos mais destacados nesta luta pelos princípios fundamentais; mas o conflito ter-se-ia igualmente produzido sem eles. Porque não se tratava duma oposição entre personalidades, mas duma oposição entre correntes de pensamento que tinham e mantêm, até ao presente, toda a sua importância” (p. 23).
O próximo passo de Rocker é criticar e explicar o que significa na prática conceito marxista de ditadura do proletariado aos moldes do anarquismo e, explicar o porquê este conceito não se iguala ao de conselhos operários, ou apenas sovietes, argumentando que a “ideia de ditadura é de origem puramente burguesa e nada tem em comum com o socialismo” (p. 21).
“Não é um produto do movimento operário, mas uma lamentável herança da burguesia, oferecida em dote ao proletariado para fazê-lo feliz. Está intimamente ligada às aspirações do poder político que é igualmente de origem burguesa” (p. 26).
Por fim, o autor termina seu livro discutindo a função dos sindicatos na construção do socialismo e seu papel a ser desempenhado numa sociedade livre, articulando os principais pressupostos do anarquismo e do sindicalismo, ajudando naquele momento histórico, a construir o que se consolidou como anarcossindicalismo, argumentando ainda que sob uma ditadura ou governo qualquer, utilizando-se de ideias do teórico Piotr Kropotkin, os conselhos operários perdem naturalmente seu significado, sendo rebaixados ao mesmo papel inerte que tinham os representantes do Estado nos tempos da monarquista absolutista.
Nota
Nome: Porque sou anarquista
Autor: Rudolf Rocker
Tradução: Não informado
Edição: Não informada
Editora: CNT de Compostela
Ano: 2009
Páginas: 40
ISBN:Publicação Independente
Sinopse: Não informada.