As Mulheres de Armas em A Torre Negra

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O texto abaixo apresenta possíveis spoilers da saga de livros e provavelmente mudará a sua forma de ver as mulheres de armas em A Torre Negra.

Boa viagem e um brinde a elas!!!

“Não esqueça do rosto de seu pai.”

Stephen King começou a escrever a saga A Torre Negra aos 19 anos, inspirado nas obras de Tolkien

A advertência, que permeia todo o worldbuilding da série A Torre Negra  – obra de Stephen King – deixa claro que o Mundo Médio é um mundo de/para homens. Em sua mitologia há pouco espaço para a figura feminina. Às mulheres desse mundo, e principalmente da patriarcal Gilead, cabem a costura, a dança, a culinária e todas as atividades comuns à corte. O caminho das armas, no entanto, lhes é negado.

 

A inexistência de mulheres pistoleiras segue sendo uma realidade mesmo depois de “o mundo seguir adiante”. É Susannah Dean quem muda o estado das coisas em A Escolha dos Três – segundo livro da série. Nascida Susannah Odetta Holmes, ela é uma negra ativista em um EUA colapsado pela segregação racial. Unindo-se ao Ka-Tet de Roland Deschain, Susannah se torna a primeira pistoleira de que se tem notícia.

Em “Os Lobos de Calla”, Susannah tem contato com as Irmãs de Oriza, um grupo de mulheres guerreiras reunidas em torno da figura de Lady Oriza, a “Senhora do Arroz” e uma das deidades femininas do Mundo-Médio. Essas mulheres costumam ser líderes em suas pequenas comunidades, cuidando de trivialidades como a organização de bailes até assuntos burocráticos como a manutenção de prédios públicos.

São conhecidas, porém, por sua habilidade em manipular as Rizas de Tiro – pratos de titânio com bordas afiadas com uma chapa de metal anexada à parte inferior, que permite à arma emitir um assobio ao ser lançada. Há quem diga que as ofensivas as Irmãs de Oriza podem ser tão destruidoras quanto as de um pistoleiro e, não raro, eles são vencidos pela mira e precisão dessas mulheres em competições.

Ainda sobre o poder das mulheres no Mundo-Médio, em “Mago e Vidro”, enquanto conta sobre sua vida pregressa, Roland apresenta ao seu Ka-Tet Susan Delgado e Rhea de Coos, cujas decisões se antagonizam até desembocar em resultados trágicos. Susan, a mulher por quem Roland se apaixona, é filha de Patrick Delgado – o responsável pelos cavalos de Hambry.

Após a morte do pai, para evitar que ela e a tia sejam despejadas das terras que lhes eram de direito, Susan aceita ser a concubina do prefeito Thorin, uma vez que sua esposa não era capaz de ter filhos. Já Rhea de Coos é uma bruxa e principal responsável por proteger uma das treze peças do Arco-íris do Mago para o revolucionário John Farson. Pessoalmente, eu a considero uma das melhores vilãs da mitologia kinguiana. Ela é execrável e frágil, uma belíssima combinação. Juntas, Rhea e Susan são responsáveis por moldar muito do homem que Roland se tornou. Mais que isso, tomam para si o direito sobre o próprio Ka – sobre o próprio destino – o que nem de longe era algo esperado de uma mulher.

Embora tenha uma cosmologia patriarcal, a saga A Torre Negra nos apresenta uma série de mulheres formidáveis e complexas, embora não se aprofunde com a devida atenção em muitos pontos pertinentes a elas. Seria muito bom saber um pouco mais sobre as Irmãs de Oriza ou sobre o passado de Rhea, por exemplo. Resta torcer para que o aparente comportamento engajado de King (ao menos nas redes sociais) resulte em mais histórias sobre a mitologia feminina do Mundo-Médio. Até lá, vamos entoar:

“Cana’ah, can-tah, annah, Oriza!”*

*Toda respiração vem da mulher, no dialeto superior dos Eld.