O canal estadunidense USA Network lançou a série de TV Mr. Robot, estrelada por Rami Malek e Christian Slater, sendo o último um ator já conhecido do público hollywoodiano. A premissa da atração parece já conhecida: As teorias da conspiração e seu efeito em nosso modo de vida. É nítido o flerte com o cinema da década de 90, especialmente O Clube da Luta, de 1999.
Na trama, um hacker chamado Elliot parece intrigado com o modo como o capitalismo tem sobrevivido. Para ele, tudo que conhecemos funciona à base de “clubinhos” e “panelinhas”, só que num ritmo mais frenético, gigantesco e até mesmo escatológico do que estamos acostumados a ver. Segundo seu raciocínio, o sentimento de decepção com a sociedade é muitas vezes reflexo do fato de que “todos achamos que Steve Jobs era um grande homem, mesmo sabendo que ele ganhou bilhões explorando crianças”.
Do mesmo modo, Elliot se revolta (de início silenciosamente) contra a ideia que lhe atormenta dizendo que o mundo inteiro é um boato enquanto nós apenas repetimos ideias imbecis disfarçadas de opiniões nas redes sociais. Em poucas palavras, podemos dizer que o mundo para Elliot é fruto do empenho e das decisões de um grupo seleto ou um conglomerado de pessoas.
Enquanto os capítulos apresentam esse personagem perturbado, extremamente incomodado, descobrimos que ele sofre de alguns transtornos psiquiátricos, tais como ansiedade extrema e fobia social, dissociação de personalidade, depressão e possivelmente algum grau de esquizofrenia. Conforme o tempo passa, um anarquista chamado de Mr. Robot recruta Elliot para uma operação que visa desmascarar e fazer ruir a tal E Corporation, que ele chama de Evil (Má) Corporation, organização que contém praticamente todos os dados financeiros do mundo. Mas eis que descobrimos que o tal Mr. Robot é uma alucinação de Elliot, uma projeção e personificação da figura de seu falecido pai. Isso seria suficiente para reduzir a série à paranóia e ao quadro médico do protagonista. Ou seja: Em sã consciência, no mundo real, qualquer um não daria crédito a um homem como Elliot. Mas como a arte é a arte, e é através dela que podemos ver um pouco do ponto de vista do outro, deixamo-nos levar pelos cálculos do personagem.
Conforme ele nos mostra, o sistema econômico atual se baseia no capital virtual, o que significa, basicamente e sem adentrar em tratados sobre economia, que nosso dinheiro é fictício, ou seja, depende da especulação do mercado financeiro (bolsas de valores) e dados bancários armazenados em bancos de dados computacionais super-potentes. Elliot, que trabalha numa empresa especializada em segurança digital, passa seu tempo livre invadindo as redes sociais das pessoas que o cercam, assim como denunciando e ameaçando criminosos que usam a internet com fins ilícitos (pedofilia, eutanásia, etc). Além disso, aos seus olhos, o chamado de Mr. Robot é a chance que tem de realizar algo realmente novo e importante para o mundo (forçar a destruição do sistema econômico mundial controlado pela Evil Corporation).
Sabemos que se trata de uma ficção, mas será que estamos realmente longe disso tudo que o transtorno de Elliot nos mostra? Para entendê-lo, é preciso saber que desde a crítica social de Marx ao ganancioso desejo de acumulação dos capitalistas até a análise mais recente desse sistema especulativo e virtual, realizada pelo economista Thomas Piketty em seu O Capital no século XXI, nos colocamos diante de duas estradas bifurcadas: Ou o capital atual dita as regras e necessita constantemente de reinvenção, reestruturando dia a dia a maneira como os homens se relacionam socialmente, ou a revolução tecnológica já existe e atualmente eficazmente para fazer o bem a todos. Nesse segundo caso, aqueles que chegaram ao poder, por terem construído as bases desse império monetário que repousa na tecnologia virtual, merecem sim colher seus frutos, tal como qualquer um pode com seu intelecto. Nessa perspectiva, Elliot estaria completamente equivocado, de modo que um clubinho conspiratório não passaria de um mimimi de sua bipolaridade.
Mas e se os mais insanos estiverem com alguma razão, escritores ou personagens da ficção? O “Clube da Luta “de Elliot não é o mesmo do romance de Chuck Palahniuk, mas faz pensar o que aconteceria se uma pane ocorresse de fato com a nossa tecnologia. Imagine que tudo, absolutamente tudo se torne cada vez mais digital, até que o papel seja finalmente alojado como peça de museu. Agora faça a pergunta: Se fosse possível apagar de todos os computadores os dados bancários (lucros e prejuízos, tanto da população miserável quanto dos grandes magnatas), eliminando da face da Terra as apólices e registros civis e jurídicos que vão do Google até a escritura da sua casa, como viveríamos?
Será que a geração que a boa ficção critica deixaria o Whatsapp de lado para jantar em paz? Comeríamos com franqueza sem oferecer o delicioso prato do reality show pelo Facebook? Com os sinais de tráfego em parafuso, invadiríamos como zumbis reversos as concessionárias lotadas, repletas de carros sem valores imediatos de troca ou de uso? É preciso pensar quão aprisionados estamos para um levante contra o sistema opressor. Talvez, e só talvez, possamos dizer que há um Elliot ou um Mr. Robot gritando em cada um de nós, pedindo desesperadamente por alguma liberdade que nasce como criança.