Uma pequena curiosidade gastronômica: A feijoada, um prato considerado a definição
do que é a cozinha do Brasil lá fora e aqui dentro – saborosa, cheia de aroma, gordurosa e
meio bagunçada – e dito herança direta da cozinha africana, na verdade é uma herança direta de receitas francesas reproduzidas por portugueses. Trata-se de uma bela e bem trabalhada repaginação de um prato chamado Cassoulet, que num resumo, é uma feijoada branca feita com favas, cozida com gordura e toucinho de porco, ervas, vegetais e servida como cozido.
Nossa versão, no entanto, é bem mais divertida: O costume de comê-la acompanhada da tradicional farofa, “vinagrete” (por que das aspas? Bem, aí é uma looonga história), torresminho e coentro – mas há quem use salsa, fazer o que – é, isso sim, marca registrada do Brasil.
Uma das aventuras
Após essa pequena vírgula que deve ter destruído algumas lendas e fantasias sobre nossa cultura alimentar – dependendo de onde você mora tem menos África em nossas mesas do que imaginamos – vou contar uma historinha aqui muito curiosa sobre minhas viagens de trabalho nesse Brasilzão, onde vivi parte de meus momentos de iluminação duvidosos: Num de meus meses trabalhando em Fernando de Noronha, enquanto servia um ou outro cliente com uns quitutes saborosos, fui chamado para servir de guia/tradutor para um grupo de estrangeiros que estava descobrindo as maravilhas da Ilha. Aproveitei o ensejo (e a grana extra, pois eu não paro de trabalhar NUNCA) e comecei, após meu expediente, a leva-los a uns bons lugares na Ilha.
No caminho conhecemos um casal de brasilienses que passava as férias no local pela quinta vez e fez questão de participar do passeio. Trajeto não importante, o cerne desta conversa fica no fato em que terminamos o dia num dos restaurantes mais chiques (e caros) de Noronha: menu internacional, carta de vinhos das mais chiques – e poliglotas. Nunca havia visto uma carta de vinhos em japonês – garçons à rolê mesmo num calor insuportável e cheio de mosquitos, foi a primazia da viagem (pelo menos para mim, que não paguei nada, haha).
Entremé, vinho, drink, peçam seus pratos sivous’plait. Seguiu-se uma orgia gastronômica sem precedentes. O mundo passou por nossa mesa, um representante de cada continente.
Curiosamente, o casal brasileiro se serviu de cassoulet, o tal cozido branco de favas. Gostoso, mas nunca me fez fã. Eles, no entanto, se deliciaram. Cada bocada era o céu. Os estrangeiros – casal alemão, casal francês+espanhola, amigo português – não se animaram tanto com o prato e foram provar outras coisas. Enlouqueceram com o acarajé. Aproveitei a pedida para sugerir a feijoada. O casal brasileiro torceu o nariz: “se não quiseram o cassoulet, pra que vão querer feijoada?”. Insisti, só por birra, mesmo reconhecendo a lógica, afinal, não existia garantia que a feijoada não superasse o primo mais velho internacional.
Dito e feito. Não que os visitantes nunca tivessem ouvido falar no quitute. Apenas calhou de nunca terem comido. Pela cara deles, valeu a pena. Já havíamos comido bem, mas lamberam os beiços e ficaram em dúvida entre pedir mais, mesmo tão cheios. Nesse momento, enquanto me pediam os conselhos, por curiosidade olhei o cardápio – que nem havia tocado, pois quem não paga não faz exigências.
Cassoulet. O prato, que mal dava para uma pessoa mas foi plenamente dividido entre o casal, estava bem acima dos R$100. A feijoada, extremamente bem servida, capaz de alimentar 3 esfomeados ou 5 pessoas já alimentadas, custava cinquenta e poucos. Dividindo, por volta de 10 para cada.
Pois é. A discrepância me pegou em cheio. Tanto ela quanto o valor que os outros brasileiros na mesa davam ao prato – quase um desdém educado, desinteresse claro de quem inveja a grama do vizinho. A feijoada estava deliciosa, sabor profunda, bem servida e acompanhada, e muito mais bem apresentada do que diversas que eu já vi na vida – afinal, quem a fez a produziu com talento e esmero, mesmo que a preço de banana. O cassoulet, coitado, já era branco, empalideceu perto do primo da periferia. Mas ainda assim o primo chique era preferência dos brasileiros.
Isto não se limita à comida, claro.
Ah, literatura brasileira!
Existe um murmurinho incessante no campo dos leitores brasileiros se queixando da pouca variedade de bons livros nacionais para ler. Afirmo veementemente: os livros, os autores, as histórias boas existem. Mas parece inerente ao leitor brasileiro a preguiça de procurar estes bons exemplares – e mais escandaloso ainda, quase inexiste a vontade de compra-los.
Principalmente fora do alcance das grandes editoras – são grandes, mas são limitadas. Podem lançar, por temporada, 20 títulos talvez? E publicar é negócio: Entre apostar no desconhecido nacional, condenado ao ostracismo por ter nascido neste lado do trópico, e no autor internacional cujos direitos da obra já foram vendidas à alguma multinacional do cinema (por mais que a história seja um exemplo claro da preguiça de escrever) é bem nítido onde o dinheiro vai ser investido.
Temos isto internalizado. Não queremos ver autores nacionais divulgando, queremos ver o próximo João Verde usando sua fórmula de tragédias. Nossas histórias são criticadas, esquecidas, jogadas de lado. A fantasia no Brasil conta com centenas de autores interessantes e historias cativantes, sendo que só 10 chegando ao mainstream – destes, boa parte escrevendo algo que, independente de qualidade, tem seus pares facilmente encontrados nos livros lá de fora.
Longe de mim vir com um papo hipster-revoltado-alterado-nacionalista que devemos começar a ler apenas os livros que tragam a cuca, o saci, a mula sem cabeça e companhia. Mas sim, venho aqui dizer que: Porque não lê-los? Não há nenhum motivo para não fazê-lo.
Porque condenar a história que se passa na favela, no sertão, na cidade de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife ou mesmo São José da Coroa Grande – ou qualquer um dos inúmeros estados, regiões, cidades e vilas com histórias maravilhosas escondidas por nosso pais gigante e diverso?
Nossa fantasia pode ser, afinal, nossa. Aqui mesmo no Cabulosocast já se chegou à conclusão: o brasileiro tem seu jeito de pensar, de falar, de sonhar, o que resulta seu jeito próprio de escrever. Afirmar que as histórias não existem é pura preguiça sua.
Levantando e pesquisando rapidamente em qualquer plataforma digital, os exemplos não param de ser empilhados. Tudo que precisam é ser comprados. Pelas editoras? Sim, mas também por você.
Uma alternativa para tal poderia ser comprar os e-books de tais autores. De toda essa gente que vende livro sobre o negro, sobre a magia, sobre o nordeste, norte, sul, sudeste e centro-oeste. Sobre a seca e a fome, sobre a fartura e a diversão nas grandes cidades, sobre o jeito brasileiro, sobre contra o jeito brasileiro.
Está na hora de valorizar nossa feijoada de histórias que não para de crescer e ficar mais saborosa. Lógico que sempre tem um exemplo ruim no meio do caminho, mas os exemplos bons não são poucos.
Porque você não experimenta esse sabor?
P.S.: Apenas para sanar a curiosidade: Os gringos ficaram abismados de como a Feijoada estava barata. Compraram mais uma para viagem e encomendaram uma para levar quando saíram da Ilha. Não sei se vocês sabem, mas lá fora a galera se amarra em Machado de Assis! 😉

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