Na primeira vez que li a frase “A madrugada é o bordado das sombras” em Sementes do Sol, romance do pernambucano Raimundo Carrero, fiquei espantado. Não só pela imagem forte das sombras bordando-se para criar a noite, mas também pelo complemento: “E dentro das sombras, como as abelhas no interior do enxame, os pensamentos”. Este início passa o desespero caótico na mente do personagem. Mas somente depois de algum tempo percebi que esta frase era também uma reflexão sobre o ofício do escritor.
Qualquer um conta histórias. Na esquina, sempre tem alguém contando uma história, no bar, na rua, dentro de casa mesmo, seus avós contam muitas histórias. Mas poucos são escritores. Por isso fico chateado quando certos autores se diminuem à posição de “contadores de histórias”. Não, escrever é mais que isso. Se trata do como fazer, não simplesmente do tema, personagens ou história, mas de que forma o escritor, em meio ao caos dos pensamentos, vai organizar as idéias, por no papel. Raimundo Carrero, talvez pela origem sertaneja, tenha convivido com os bordados e adaptou essa imagem para a escrita.
“A imagem do bordado me parece conveniente porque os pontos lembram as palavras que se ajustam na página. E se errar um ponto estraga o bordado inteiro. Uma palavra fora do lugar compromete o romance”
Morre narrador onisciente. Vozes organizam o texto: Eis o narrador oculto, artigo publicado em 29/02/2016 no Diário de Pernambuco
Aluno da oficina de criação literária que Carrero ministra em Recife, posso dizer que cada vez compreendo um pouco mais esse ofício, que transcende contar histórias. É (como o próprio Carrero diz) um trabalho de artesão, cuidadoso, palavra por palavra, sutil.
Para aqueles que não podem comparecer à oficina, recomendo os livros “A Preparação do Escritor” e “Os Segredos da Ficção” (sendo este último minha maior fonte de pesquisa, quando preciso tirar alguma dúvida). Nestes livros, simples e didáticos, Carrero demonstra as etapas e obstáculos que o escritor iniciante irá enfrentar, para que ele possa organizar os pensamentos, bordar as sombras e construir a narrativa. Com muito esforço, é claro.