Harry Potter and The Cursed Child

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O garoto que sobreviveu está de volta, e ele não é mais uma criança. Harry Potter and the Cursed Child nem chegou a ser lançado oficialmente no Brasil, ou mesmo traduzido para o português, e já figura a na lista dos mais vendidos. Não, nós nem vamos ignorar esse fenômeno, nem esperar pela versão brasileira para lê-la (mas vamos comprá-la mesmo assim). Então, resenhemos.

Ao contrário da forma como está sendo vendido, Harry Potter and the Cursed Child não é o oitavo livro de Harry Potter. Vou explicar.

Primeiro, não se trata de um romance, mas uma peça de teatro, que nesse momento está em cartaz em Palace Theatre, em Londres. O que está sendo vendido nas livrarias não é uma adaptação romanceada da peça, mas o roteiro da mesma. Isso é um problema? Não. Não chega a ser um problema se você souber o que está comprando e conhecer o formato do texto teatral. Você já leu Ariano Suassuna, ou mesmo Shakespeare? Se sim, então tá tranquilo, é aquilo ali. Para quem não está acostumado, peças não foram feitas para serem lidas deitado no sofá de pijama tomando café, eles foram feitas para serem interpretadas por atores, em lugares chiques e fora de moda chamados teatros (se não conhece, experimente qualquer dia). Então aqui não teremos duas das principais características do texto em prosa: narração e descrição. Isso acontece porque não há necessidade de descrever o cenário, já que ele pode ser visto ali atras do palco, não há necessidade de descrever os personagens, porque eles tem a aparência de seus atores, e não há necessidade de narrar a ação, porque ela está sendo interpretada. Só o que existe é o diálogo e algumas poucas descrições de como os atores devem agir. Isso vai comprometer a experiencia de leitura? Não sei, talvez, vai depender de cada um. O que eu estou querendo dizer com isso é que o ideal seria deixar esse livro de lado, fazer as malas, comprar uma passagem para Londres, um ingresso de teatro e ter a experiencia completa. Mas vamos ser francos, a maioria de nós não tem recursos para isso. Então vamos preparar o café o cobertor e pegar aquele gostoso lugar no sofá, porque é o que tem pra hoje.

Segundo ponto: Harry Potter and the Cursed Child não foi escrito por Rowling, mas por Jack Thorne, premiado dramaturgo inglês, com a colaboração de Rowling e John Tiffany. Mas verdade seja dita, não importa quem escreveu o que. Enquanto eu lia eu só pensava em Rowling, então mesmo que ela não tenha escrito nada e só dado uma carimbada de aprovação no texto pronto (o que eu duvido, mas é possível) a alma dela está ali. São os personagens dela, falando com o drama e o humor dela, quanto a isso não se preocupe. Eles estão diferentes sim, mas porque estão mais velhos e maduros, e por vezes mais inseguros, mas ninguém foi descaracterizado.

Por último: Harry Potter não é o protagonista da história. Sim, você leu certo. Em todos os livros de Harry Potter as histórias eram narradas a partir de um único ponto de vista, o de Harry. Saindo apenas em alguns momentos, quando a autora utilizava de vários recursos, como a cicatriz, a penseira e o diário de Tom Riddle, para fazer com que Harry conseguisse ver através do ponto de vista de Voldemort. Aqui isso não acontece, e mesmo que tenhamos Harry, com uma participação importante, quem carrega a história é na verdade seu rebelde filho do meio, Alvo Severo Potter.

Com tudo isso em mente, vamos a história. Daqui para frente vamos ter spoilers deste e de todos os livros da série HP, se você ainda não leu, fique avisado. 

A história começa no ponto em que As Relíquias da Morte acaba. Com Harry levando seu filho do meio, Alvo, para seu primeiro ano em Hogwarts. Ele diz a última frase da série “está tudo bem”. Cinco minutos depois as coisas começam a desandar.

Alvo é o oposto de Harry, se isto não estava claro antes, fica assim que ele põe o pé em Hogwarts, tanto que entrou para Sonserina, e seu melhor, e único, amigo é o filho de Draco Malfoy, Scorpio. Alvo sofre bullying no colégio por ser o Potter que deu errado e põe toda a culpa de seu sofrimento no pai. Essa é uma das grandes viradas da história, pois estamos acostumados a ver a escola de magia e bruxaria como um lugar mágico, o único lugar em que Harry se sentia amado e feliz, mas para Alvo lá é um lugar opressivo, que lhe causa sofrimento, por ele ser diferente.

O enredo da peça explora um dos furos de roteiro que mais me incomodava em HP, o vira-tempo. Um objeto que foi rapidamente introduzido no Prisioneiro de Azkaban, onde mostrou potencial para mudar tudo na trama, mas que é esquecido em todos os livros posteriores. A própria Rowling admitiu que o vira-tempo era um recurso problemático, e por isso assumiu que todos os que existiam no mundo foram convenientemente destruídos durante a batalha no Departamento de Mistérios que aconteceu em A Ordem da Fênix, então é estranho terem optado por utilizar desse objeto como foco no enredo da peça.

Em Cursed Child é mostrado que o vira-tempo não podia ser usado para voltar no tempo por mais do que algumas horas. Mas então Harry, durante uma investigação para o Mistério da Magia, descobre uma versão mais avançada do item, capaz de fazer o usuário voltar anos no tempo. Quando a notícia da existência de tal objeto se espalha, Harry é abordado por Amos Digory que exige que Harry o use para voltar no tempo e salvar a vida de seu filho, Cedrico, que morreu durante o torneio Tri-bruxo, em O Cálice de fogo. Harry, obviamente, se recusa, mas Alvo, que ouve a conversa, decide que vai roubar o vira-tempo e consertar ele mesmo esse erro do passado do pai.

Quem já viu Efeito Borboleta, ou qualquer uma das trocentas histórias similares, já consegue imaginar a onde essa história vai dar. Varias realidades alternativas, onde cada viagem no tempo transforma o mundo em um lugar cada vez pior, até que os protagonistas percebam que tudo era melhor do jeito que estava antes. Previsível, infelizmente, mas ainda trás algumas surpresas no caminho.

A melhor parte da história, para mim, não diz respeito a trama, mas a relação entre os personagens. Os diálogos entre Harry e Alvo, quando os dois estão tentando se entender, mas sempre acabam brigando, ou mesmo a amizade entre Alvo e Scorpio, e os momentos em que ela é posta a prova. Por mim, a história poderia se concentrar só nessas partes, são o que vale a leitura.

Apesar disso, ainda é uma viajem de volta a Hogwarts, e ninguém que é fan da saga de Harry Potter seria capaz de deixar de embarcar naquele trem. Eu estive lá enquanto lia, revi velhos amigos, fiz amigos novos e vou ficar aguardando ansiosamente pela próxima chance de reencontrá-las. (Sim, Senhora Rowling, eu sei que a senhora disse que agora acabou, mas já ouvimos isso antes, não foi?).

NOTA:

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HARRY_POTTER_AND_THE_CURSED_CH_1463398148562474SK1463398148BNome: Harry Potter and the Cursed Child
Autores: J.K Rowling, Jack Thorne e John Tiffany
Edição:

Editora:
Scholastic Inc.
Ano: 2016
Páginas: 320
Sinopse: The Eighth Story. Nineteen Years Later.

Based on an original new story by J.K. Rowling, Jack Thorne and John Tiffany, a new play by Jack Thorne, Harry Potter and the Cursed Child is the eighth story in the Harry Potter series and the first official Harry Potter story to be presented on stage. The play will receive its world premiere in London’s West End on July 30, 2016.

It was always difficult being Harry Potter and it isn’t much easier now that he is an overworked employee of the Ministry of Magic, a husband and father of three school-age children.

While Harry grapples with a past that refuses to stay where it belongs, his youngest son Albus must struggle with the weight of a family legacy he never wanted. As past and present fuse ominously, both father and son learn the uncomfortable truth: sometimes, darkness comes from unexpected places.