Quem Matou João Ninguém de Zé Wellington e Wagner Nogueira

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Herói de favela

“ A gente precisa de um super-homem. Que faça mudanças imediatas. Pois nem mesmo a policia pode impedir, certas manobras organizadas.”

Escolhi o trecho da música Criminalidade do regueiro das antigas, Edson Gomes, por que ela descreve bem uma necessidade tão conhecida; um desejo de uma população desamparada de que um Deus Ex Machina em forma de super-herói venha do céu dar fim a todas as mazelas da sociedade desigual. E é exatamente nesse espirito que a HQ Quem matou João Ninguém, da Editora Draco é moldada. Esse trabalho elaborado e escrito por Wellington e Wagner Nogueira com artes do time: Wagner de Souza, Ed Silva, Alex lei e Rob Lean chegou com a proposta simples e direta de acertar onde tantos erraram: contar uma estória de super-herói na favela.

Quando li a premissa, realmente me senti meio desmotivado a me aprofundar na leitura. Como eu disse, essa proposta já havia sido sugada ao máximo por outros autores, e em infelizes tentativas de leituras passadas, só o que achei foram montanhas de músculos atochadas em collants mega coloridos, com frases feitas tentando não parecerem ridículos em nossa realidade. Que bom que resolvi dar um voto de confiança.

Quem Matou João ninguém é uma historia que fala de amizade, traição e heroísmo de uma forma crua e direta. Tudo começa quando João, um jovem fã e desenhista de quadrinhos fica sabendo da morte de seu amigo de infância, Roberto. Na cena do crime ele acaba reencontrando Nina e Sandrinho (atualmente conhecido como o traficante Sandroca). Depois de receber uma bala perdida no peito, João também acaba morrendo. Mas, ainda não era sua hora, e a própria morte vem até ele para dizer que ele ainda havia uma missão a cumprir e que ele teria que voltar para acertar contas pendentes no morro onde viveu e morreu. E é assim que ele volta vestindo o manto de um herói nada convencional, o tal Sujeito Homem, buscando descobrir quem o matou. O que vemos depois é um herói aprendendo aos tropeços as regras do heroísmo aqui no Brasil, onde um ato heroico nunca vem sem um preço alto a ser pago; onde os escoteiros não tem vez.

Sobre o roteiro:
O roteiro foca na nos acontecimentos reais por trás da morte de João e sua volta dos mortos a procura de vingança. Como pano de fundo vemos a historia da amizade de infância dos quatro amigos: João, Roberto, Nina e Sandrinho e como suas quatro visões particulares fazem a trama andar. Temos um enredo linear que de inicio parece simples, com João retornando dos mortos para tentar descobrir quem o matou, mas o que vemos em seguida é uma trama com várias camadas, intercortada pelas lembranças dos quatro amigos que a cada flash back vão dando ao leitor peças a serem encaixadas. Apesar de algumas tiradas que achei bem forçadas (como o desfecho, onde conhecemos o real vilão por trás de tudo), transições de cena desnecessárias, o plot em si é digno de mérito por criar uma atmosfera bem imersiva e inúmeras vezes nos fazendo sentir em nossa própria pele os problemas da favela e de seus moradores. E finalmente, se em um ponto o autor brinca com referências do mundo dos quadrinhos e é bem sucedido, em outro a falta de naturalidade em alguns diálogos incomoda bastante.

Sobre a arte
A arte se reveza entre três artistas e dão ao leitor uma visão caleidoscópica sobre a trama, e esse detalhe pode tanto ajudar como atrapalhar no absorver da mensagem em certos pontos.
Wagner de Souza usa seu traço forte para ilustrar todas as narrativas em flash back e algumas partes além, na estória. Boa parte do miolo é desenhado pelo Cloves Rodriguéz, e você pode até me chamar de implicante por isso, mas sua arte me pareceu um tanto robótica em alguns poucos pontos. Apesar de sua anatomia de proporções equilibradas, seu traço funcionaria melhor em uma historia com aquela pegada da Era de Ouro/Prata. Já o traço cartunesco de Ed Silva serve como escape de leveza no tom pesado da estória. Não esquecendo da arte final e dos tons de cinza, também dignos de nota pela qualidade

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Considerações finais:
Essa HQ funcionou bem pra mim por dois motivos. Primeiro: pela primeira vez conseguir sentir satisfação em ver um super-herói lutando em um meio tão familiar e palpável pra mim como a favela, como tantos tentaram antes, sem sucesso. Segundo: por ser um trabalho feito pra dialogar com quem de fato é fã e leitor de quadrinhos das antigas, com toda sua estética e linguagem que vez ou outra brinca com clássicos da nona arte. Quem Matou João Ninguém, apesar de alguns furos no roteiro e alguns elementos desnecessários é uma tentativa válida de emular o desejo que muitos moradores de comunidades tem “ de que um dia um Super-Homem apareça para dar fim a desordem”. Vale a leitura.

NOTA:

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QUEM_MATOU_JOAO_NINGUEM_1400178892BNão esqueça de adicionar o quadrinho no Skoob

Autores: Zé Wellington e Wagner Nogueira
Ilustradores: Wagner de Souza, Cloves Rodrigues, Ed Silva, Alex Lei e Rob Lean
ISBN: 978-85-8243-062-0
Gênero: Quadrinhos, Fantasia, aventura, drama
Formato: 17 cm x 24 cm
Páginas: 120
Preço de capa: R$ 29,90 (em pré-venda por R$ 23,90) (físico)
R$ 14,90 (e-book) e pode ser adquirido no site da editora Draco.
Sinopse: “Quem matou João Ninguém? é uma história em quadrinhos de fôlego, com muitas camadas de leitura. A complexidade da favela, com sua violência, se transforma na complexidade dos personagens, que vão se apresentando ao leitor e dialogando com ele.” – Gian Danton

Esta não é uma história em quadrinhos de super-heróis convencional. Para começar, ela se passa no Brasil, no Morro de Santa Edvirges, comunidade pobre que poderia estar em qualquer grande metrópole do país. Como em qualquer favela, em meio a todos os problemas sociais, existem pessoas que tentam tocar suas vidas da melhor maneira possível. Entre elas, os garotos João, Roberto, Sandro e Nina.

Cercados pelos conflitos do tráfico de drogas, os amigos crescem, seguindo caminhos diferentes. Até que um violento assassinato desencadeia uma sequência de eventos que pode alterar a vida de toda a comunidade. E tudo pode mudar ainda mais, para o bem ou para o mal, quando entra em cena o Sujeito-Homem, um vigilante aprendendo que as regras do heroísmo no Brasil podem ser bem diferentes do que ele estava acostumado a ler nas histórias em quadrinhos.

Prestando homenagem ao legado dos super-heróis das HQs, Quem Matou João Ninguém? é uma graphic novel sobre amizade e traição criada por Zé Wellington e Wagner Nogueira, e ilustrada por Wagner de Souza, Cloves Rodrigues, Ed Silva, Alex Lei e Rob Lean. Este é um projeto apoiado pelo Governo do Estado do Ceará através da Secretaria da Cultura.