[Notícia] William Gibson conta como escreveu Neuromancer

0

Neuromancer é um clássico da ficção científica. O romance escrito por William Gibson ganhou os três principais prêmios da ficção científica: Nebulo, Hugo e Philip K. Dick. Considerado por muitos o romance inaugural do movimento Cyberpunk, conta a história de Case, um ex-hacker que é infectado por uma micotoxina que afeta o seu sistema neural impedindo que ele se conecte à Matrix. Esse punição foi aplicada a Case depois dele tentar roubar seus ex-patrões. Drogado e desempregado, Case vaga pelas ruas e becos até encontrar com Moly que lhe propõe entre outras coisa lhe reconectar à Matrix.

Ouça o CabulosoCast sobre Cyberpunk

Em um breve relado ao site The Guardian, Gibson revela como nasceu esse romance que mudou a história da ficção científica.

Neuromancer foi um trabalho encomendado. Eu não tenho ideia de quantos anos ele poderia ter tomado caso não tivesse sido assim, antes eu teria escrito um romance especulativo. Se você tivesse me perguntado no momento da comissão, eu teria dito 10, mas, novamente, ele poderia nunca ter acontecido. Carreiras são estranhas assim (carreira não são nada além de estranhas).

neuromancer
Capa da edição brasileira de Neuromancer da editora Aleph

Eu tinha 34 anos, um pai de primeira viagem, casado, um graduado recente da universidade, com um bacharelado em literatura inglesa. Eu havia publicado alguns (poucos) contos na Omni, uma revista da editora da Penthouse. Omni pagava cerca de US$ 2.000 por um conto, uma soma principesca (sobretudo quando comparado com outras revistas de ficção científica – Digest-Sized, e as pulps tradicionais – que pagam talvez um décimo, se isso). Omni não me deixou nenhuma escolha, além de escrever mais.

Com o primeiro cheque descontado, eu comprei o bilhete mais barato possível para Nova York, com a intenção de encontra o ser humano misterioso, cuja decisão editorial tinha resultado em minha sorte inesperada. O falecido Robert Sheckley, um homem divertido e afável, e um escritor cuja ficção admiro, me levou para almoçar perto da Omni e me deu dois sábios conselhos: ‘Eu nunca deveria, em nenhuma circunstância, assinar um contrato multi-livro’ , e nem devia ‘comprar essa casa grande e velha’. Eu consegui seguir o primeiro ao pé da letra.

Com base em mais algumas vendas na Omni, fui abordado pelo falecido Terry Carr, um consagrado editor de antologias de ficção científica. Terry tinha, uma vez anteriormente, encomendado uma série limitada de primeiros romances da Ace Books – suas Ace SF Specials. Agora ele estava fazendo novamente, e perguntou se eu gostaria dos escrever um. ‘Claro!’, eu disse, naquele momento, total e indescritivelmente aterrorizado, algo que continuou durante os próximos 18 meses ou mais, quando, o meu contrato de um ano se transformou em um manuscrito.

Eu estava atrasado, porque eu tinha pouquíssima ideia de como escrever um romance, mas assumi que essa poderia, muito bem, ser a minha primeira e última chance de fazê-lo. Se não, eu duvidava que alguém iria, algum dia, me oferecer dinheiro adiantado por um romance não escrito novamente. Este era para ser um original de capa mole, por um adiantamento muito modesto. Minha fantasia de sucesso, na época, era que o meu livro, uma vez que fosse recebido sob olhares hostis ou indiferentes, eu esperava, sairia para impressão. Então, amarelaria nas prateleiras de ficção científica das livrarias de segunda mão. Depois, ele podeira viajar a frente, no fluxo do tempo, para alguma era vagamente distante, em que um pequeno círculo de esoterismo, talvez em Londres ou em Paris iriam apreciá-lo, embora languidamente, talvez como um eco um pouco tardio de Bester, Delany ou de algum outro dos escritores que eu tinha colado, por assim dizer, no interior do meu pára-brisa autoral. E assim eu me assegurei, suando balas metafóricas diárias na frente da minha máquina de escrever portátil Hermes 2000, quase certo de que seria assim.

Mas baixas expectativas estabelecem uma espécie de liberdade e medo (medo, acima de tudo, de simplesmente não conseguir terminar a coisa) um brutal, mas pratico, auto-flagelo. Eu iria escrever, então, para o público que eu imaginava que me descobriria no futuro, por forças amigáveis e inimagináveis e somente para eles. Uma mensagem em uma garrafa. O livro só importaria se eu o fizesse tão bom quanto fosse possível para eles (o público), ao usar tudo o que eu tinha acumulado ao longo dos meus 34 anos. E então eu deixaria como corredor de bicicleta na reta final da pista.

Uma vez terminado, eu devo ter ficado sentado olhando para aquela pilha improvável de papel sulfite, imaginando o que se faz quando se termina um romance? O que exatamente eu tinha acabado de fazer? Na verdade, eu nem me lembrava mais do momento, nem as circunstâncias exatas de em que Terry havia me oferecido a comissão, tendo ambos sido, talvez, um pouco ansiosos demais para fechar. Eu lembro de ter visto Terry, algum tempo depois de eu ter apresentado o manuscrito. Eu não tinha mais ouvido falar nada dele. Ele estava descendo uma escada em curva do lobby superior para o inferior em algum hotel de convenções. Se ele chegou a ler meu manuscrito? Sim, ele disse. “Será que vai ficar tudo ok?” Eu me perguntei, minha ansiedade fraseado a questão. Ele parou na escada, me deu um olhar breve e memoravelmente ímpar, então sorriu. “Sim“, ele disse, “Eu definitivamente acho que vai“, e depois continuou a descer até o bar. Acho que eu nunca voltei a vê-lo.

Tempo e a vida podem ser assim. Como forças amigáveis e inimagináveis que podem, por vezes, nos encontrar, por mais improvável que isso às vezes possa parecer.

 

Via The Guardian