Desde que George R. R. Martin anunciou que a tão aguardada continuação das Cronicas de Gelo e Fogo, Os Ventos do Inverno, não seria mais lançado esse ano, a internet explodiu em xingamentos de “fãs” desesperados para saber o destino de Jon Snow e companhia. Principalmente agora que uma nova temporada de Game of Thrones (série que adapta para a TV a obra de Martin) está prestes a estrear e agora, definitivamente, ultrapassar a história que já foi contada nos livros. De volta ao ano de 2009, Neil Gaiman escreveu um texto polêmico em defesa de seu colega escritor. Apesar de antigo, o texto voltou a relevância por conta da notícia sobre o atraso do sexto livro das crônicas e a frase: “George R. R. Martin is not your bitch”, viralizou nas redes sociais.
Gaiman escreveu esse texto em seu blog em resposta a um fã chamado Gareth, que o perguntou a respeito das responsabilidades de um escritor em cumprir prazos. Eis a resposta de Gaiman:
Veja, isso pode não ser muito palatável, Gareth, e eu continuo tentando achar a melhor maneira de explicar, mas simplificando as coisas, pelo menos da minha perspectiva, é assim:
George Martin não é sua vadia!
Isso é uma coisa útil de saber. Talvez uma coisa útil para se apontar, quando você possivelmente fica imaginando que, George é, de fato, sua vadia, e deveria estar lá fora digitando o que você queria ler agora.
Pessoas não são máquinas. Escritores e artistas não são máquinas.
Você está reclamando que George está fazendo outras coisas ao invés de que escrever os livros que você queria ler, como se comprar o primeiro livro da série fosse um contrato com ele: que você iria pagar dez dólares, e George, por sua vez, iria gastar cada hora em que estivesse acordando escrevendo o resto dos livros, até que a série fosse terminada, para você.
Esse contrato não existe. Você estava pagando seus dez dólares pelo livro que você já leu, e eu suponho que você tenha gostado, já que quer saber o que acontece depois.
Me parece que o maior problema com os séries de livros é que, os leitores, ou se queixam de que os livros costumavam ser bons, mas que em algum momento, no esforço para sair um livro a cada ano, a qualidade caiu, ou eles se queixam de que os livros, embora mantenham a qualidade, não estão saindo no tempo certo.
Ambas estas coisas me deixam feliz de eu não estar escrevendo uma série atualmente, e me deixam ainda mais contente de que, na década em que eu escrevia uma série, em Sandman, eu era jovem, impulsivo, no limite de me tornar um viciado em trabalho, e muito sortudo (e mesmo assim, no final, eu estava demorando cinco semanas para escrever uma história em quadrinhos mensal, com todo topo de problemas com prazos que você possa esperar de algo assim).
Por mim, eu prefiro ler um bom livro, de um autor satisfeito. Eu realmente não me importo com o tempo que for preciso para produzir um.
Alguns escritores precisam de um tempo para carregar suas baterias, e então escrevem seus livros muito rapidamente. Alguns escritores escrevem mais ou menos uma página todos os dias, faça chuva ou faça sol. Alguns escritores funcionam a todo vapor, e fazem o que for preciso até que estejam prontos para escrever novamente. Às vezes, os escritores não têm exatamente o próximo livro de uma série pronta em suas cabeças, mas eles têm algo totalmente diferente em vez disso, então eles escrevem as coisas que já estão prontas para sair, o que leva a gritos de indignação de pessoas que querem saber por que o autor escreveria o livro X, enquanto os fãs estavam esperando pelo livro Y.
Eu me lembro de ouvir um editor de quadrinhos chateado falando para uma sala cheia de outros editores sobre um artista de quadrinhos que tinha tomado algumas semanas de folga para pintar a sua casa. O editor apontou, repetidamente, que, pelo dinheiro que o artista teria sido pago para o trabalho dessas semanas, ele poderia facilmente ter tido recursos para contratar alguém para pintar sua casa, e sobraria dinheiro. E eu pensei, mas não disse: “Mas e se ele queria pintar, ele mesmo, a própria casa?”
Eu estourei um prazo recentemente. Terminantemente estraguei tudo. Pela primeira vez em 25 anos eu suspirei e disse: “Eu não posso fazer isso, você não terá a sua história.” Já era tarde, eu estava sob muita de pressão de prazos, meu pai morreu, e de repente a história também estava morta na página. Eu gostei da voz que havia encontrado, mas não estava mais funcionando, e, eventualmente, em vez de conduzir os editores e publishers que estavam loucos esperando por uma história que não ia sair, eu desisti e pedi desculpas, preocupado que eu não seria mais capaz de escrever ficção.
Voltei minha atenção para o próximo trabalho com prazo esperando – um script. Fluiu fácil e deliciosamente, foi o trabalho mais divertido que tive de escrever em anos, todos os personagens fizeram exatamente o que eu esperava que eles fizessem, e a história ficou melhor do que eu havia ousado esperar.
Às vezes as coisa acontecem assim. Você não escolhe o que vai dar certo. Você simplesmente faz o melhor que puder a cada vez. E você tenta fazer o que puder para aumentar a probabilidade de que boa arte será criada.
E, às vezes, isso é tão verdadeiro para os autores, quanto é para os leitores, você tem uma vida. As pessoas em seu mundo vão ficar doentes ou morrer. Você se apaixona ou se desapaixona. Você muda de casa. Sua tia vem para morar com você. Você concordou em dar uma palestra a meio mundo de distância há cinco anos, e de repente você percebe que essa palestra é agora. Seu último livro sai e os críticos odeiam ferozmente e agora você simplesmente não sente vontade de escrever outro. Seu gato aprende a levitar e o fenômeno precisa ser devidamente documentado e investigado. Há cervos no pomar de maçã. A trovoada fritou seu disco rígido, bem como os backups…
E a vida é uma coisa boa para um escritor. É de onde nós tiramos a nossa matéria-prima, para começar. Nós gostamos bastante de parar para vê-la.
A escala econômica dos escritores mostra que muitos poucos de nós podem se dar ao luxo de escrever um livro de 5.000 páginas e, em seguida, dividi-lo e publicá-las anualmente, uma vez que eles estão terminados. Então, escritores com histórias grandes, ou aqueles que, como Sandman fazem, crescem enquanto são narradas, as estão escrevendo e as publicando enquanto isso.
E se você estiver à espera de um novo livro de uma série longa e ainda em curso, seja de George ou de Pat Rothfuss ou de outra pessoa…
Espere. Leia o livro original novamente. Leia outra coisa. Vá em frente com sua vida. Espere, que o autor está escrevendo o livro que você quer ler, e não morrendo, ou algo igualmente dramático. E se ele pintar a casa, tudo bem.
E Gareth, no futuro, quando você vir outras pessoas reclamando que George R. R. Martin foi flagrado fazendo algo diferente de escrever o livro que eles estão esperando, explique a eles, mais educado do que eu fiz da primeira vez, a verdade simples e irrespondível: George RR Martin não está trabalhando para você.
Espero que ajude.
Via Bleedingcool