[Notícia] Neil Gaiman escreve para os autores do NaNoWriMo

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Estamos na metade do mês de novembro, para muitos isso quer dizer que estamos cada vez mais próximos das férias de fim de ano, ou que estamos chegando cada vez mais perto do natal. Mas, para um pequeno grupo de pessoas muito especiais, isso significa que chegamos a metade do caminho do NaNoWriMo.

Para quem ainda não conhece, o NaNoWriMo é um evento/desafio anual em que escritores do mundo inteiro se dedicam a escrever um romance de pelo menos 50.000 palavras, entre os dias 1° e a meia noite de 30 de novembro. Saiba mais sobre ele aqui.

Então é nesse momento que muitos autores se encontram em seu pior momento, o famoso “bloqueio criativo”.. Muitas obras magníficas podem estar sendo deixadas de lado nesse exato momento, para nunca mais verem a luz do dia. Para ajudar seus colegas a superar esse problema que afeta todos os escritores, Neil Gaimam escreveu um texto para o site oficial do NaNoWriMo, encorajando os autores nesse momento de desânimo.

Caso você seja uma desses perseverantes construtores de muros, traduzimos o texto que pode ser lido abaixo, na esperança de que ele sirva de inspiração para a próxima metade da jornada.

Boa sorte.

Caro autor do NaNoWriMo,

Nesse momento você provavelmente está pronto para desistir. Você já passou por aquele furioso entusiasmo inicial, onde cada personagem e ideia é nova e divertida. Mas você ainda não está naquele estágio crucial de decida morro à baixo até o final, quando palavras e ideias se despejam da sua mente, as vezes mais rápido do que você consegue pô-las no papel. Você está no meio, um pouco além da metade do caminho. O glamour esvaneceu-se, a magia se foi, suas costas doem de tanto digitar, suas famílias, amigos e conhecidos aleatórios de listas de e-mails pararam de te encorajar ou de, pelo menos aceitar, e agora ficam reclamando de que não te veem mais – e mesmo quando você os vê, você está tão obcecado, que não se diverte mais. Você não sabe porque começou um romance, nem sequer se lembra porque achou que alguém iria querer ler isso, e você tem plena certeza de que quando terminar não terá valido o tempo e a energia, e cada vez que você parar o tempo suficiente para compará-lo com a coisa que você tinha em sua cabeça quando começou – um romance brilhante, genial, maravilhoso, em que cada palavra cuspia fogo e ardia, um livro tão bom ou melhor do que o melhor livro que você já leu na vida – cai tão dolorosamente pequeno que você tem certeza de que seria mais misericordioso simplesmente apagar a coisa toda.

Bem vindo ao clube.

É assim que os romances são escritos.

Essa é a parte mais difícil que ninguém vê. Você escreve nos dias bons e escreve nos dias ruins. Como um tubarão, você continua indo em frente ou então você morre. Escrever pode ser, ou não, a sua salvação. Pode ser, ou não, seu destino, mas nada disso importa. O que importa agora são as palavras, uma após a outra. Encontre a próxima palavra, escreva. Repita, repita, repita.

Uma parede de pedras sobrepostas é uma coisa bonita de se ver na borda de um campo no meio do nada, mas ela é ainda mais impressionante quando você percebe que ela foi construída sem argamassa, que o construtor precisou escolher o local correto para encaixar cada pedra. Escrever é como construir um muro. É uma busca contínua por qual palavra vai encaixar no texto, da sua mente, para a pagina. Enredo e personagem e metáfora e estilo, tudo isso é secundário para as palavras. A construtora ergue seu muro, uma pedra de cada vez, até que ele atinge o extremo do campo. Se ela não construí-lo, ele não vai estar lá. Então ela olha para sua pilha de pedras, pega a que parece que vai servir melhor ao seu propósito, e a coloca no lugar.

A busca pelas palavras não vai ficar mais fácil, mas ninguém vai escrever o seu romance por você.

No último romance que escrevi (foi Filhos de Anansi, caso você esteja se perguntando), quando eu terminei três-quartos dele, eu liguei para minha agente. Eu contei para ela o quão estupido eu me sentia por estar escrevendo uma coisa que ninguém iria querer ler, o quão rasos os personagens eram e o quão sem sentido era o enredo. Eu sugeri fortemente que eu estava pronto para abandonar o livro e escrever outra coisa no lugar. Ou então,  poderia abandonar o livro e começar uma nova vida como um paisagista, ladrão de banco, um cozinheiro de lanchonete, ou um biólogo marinho. E, em vez de simpatizar ou concordar comigo, ou explodir em  uma onda de entusiasmo, ou mesmo discutir comigo, ela simplesmente disse desconfiada e alegremente: “Oh, então você está nessa parte do livro, não está?”

Eu fiquei chocado. “Você quer dizer que eu já fiz isso antes?”

“Não se lembra?”

“Na verdade, não”.

“Oh, sim” ela disse “Você faz isso toda vez que escreve um romance, que nem meus outros clientes”.

Eu nem sequer era o único em meu desespero.

Então eu desliguei o telefone e dirigi até a cafeteria em que eu estava escrevendo meu romance. Peguei minha caneta e continuei escrevendo.

Uma palavra depois da outra.

Essa é a única maneira em que romances são escritos, e pequenos elfos vêm a noite e transformam suas anotações confusas no Capítulo Nove. É a única maneira de se fazer.

Muito em breve você vai estar descendo morro à baixo, e não é impossível que logo você tenha terminado. Boa sorte…

Neil Gaiman

Via NaNoWriMo