Um autor é consagrado de dois modos: pela força de suas palavras e pela fraqueza dos homens que os alçaram ao topo. Os primeiros são universalmente encantadores, bons o suficiente para não deixar morrer a história que contaram. Os segundos são, algumas vezes, filhos dos prêmios contestáveis, apoiados na muleta risível das leituras hollywoodianas de seus livros. Todavia, se a grande mídia coroa a todo o momento obras facilmente digeríveis, um artista “difícil” pode muito bem subvertê-la a seu favor.
Esse é o caso de Cormac McCarthy, que aposto eu, era bem desconhecido da atual juventude antes da adaptação cinematográfica de sua “A Estrada” e de seu “Onde os velhos não tem vez”. Legal, você coloca o Javier Bardem, o Tommy Lee Jones e o Viggo Mortensen, atores bem conhecidos pela cultura pop, e voilá: Tem aí um potencial caça-níquel. Só que não, ou melhor, nem tanto. Não, eu não estou confuso. O que quero dizer, é que essa temática Western é muito mais séria do que o seu pai ou avô talvez possam imaginar a partir dos filmes de Clint Eastwood, Charles Bronson ou John Wayne. Quem se incomodou com o território árido e com os tons pós-apocalípticos das abordagens de McCarthy nos cinemas, procurou muitas vezes os livros que ele escreveu antes, e aí, pode ser que tenha encontrado o Meridiano de Sangue, um romance, diga-se de passagem, bastante atual.
Escrito em 1985, a história, que tem como subtítulo “O rubor crepuscular no Oeste”, pode parecer mais um na lista de adaptáveis (e ele será). Apesar disso, o que salta aos olhos é a declaração do próprio autor sobre a obra, quase 30 anos depois de escrita. Não me lembro se foi há 2 ou 3 anos, mas assisti no Youtube uma entrevista com McCarthy, num desses talk shows ao estilo de David Letterman ou Jô Soares. McCarthy, um autor recluso como outros senhores mais ou menos de sua geração (Thomas Pynchon, Dalton Trevisan), foi perguntado pelo entrevistador sobre a origem da trama do romance. Bem, eu não vou dar spoilers do livro, não mais que uma sinopse ou opinião rasa, mas para que você entenda a resposta que McCarthy deu ao comandante do show, é suficiente saber que Meridiano de Sangue conta a história de um garoto com laços fracos com a família, um menino que foge muito novo e se embrenha, à própria sorte, em regiões desérticas entre o México e o Texas. Envolvendo-se num mar de violência brutal (inclusive com índios), o Kid, o garoto sem nome, mata sem remorsos e precisa ser mais violento que os mercenários com os quais lida. Não é um livro mastigado, daqueles que o autor adentra explicitamente o psicológico do personagem.
Em suma, é isso que gostaria de dizer até aqui sobre o roteiro do romance. Agora, voltando à pergunta do entrevistador, vale reproduzir a resposta de McCarthy, que foi mais ou menos esta: “Escrevi esse livro depois que meu filho me perguntou como eu achava que seriam o México e o Texas daqui a cem anos”. Ok, ok, Mcarthy, digo eu. Por coincidência, seu livro foi escrito na mesma época em que foi lançado o terceiro Mad Max, aquele filme bacana que trintões como eu adoram se lembrar. E se o mesmo filme está de novo em alta, com a escaldante Estrada da Fúria (a quarta parte), porque não apontarmos a importância do pós-apocalíptico na arte?
Não há mais razão em dizer que The Walking Dead é apenas um pastiche desgastado do cinema de Romero num mundo em que crianças morrem de fome na África e na Ásia. Mas se você pensar que o vírus da raiva, se liberado como arma biológica em massa, pode gerar uma legião de “mortos-vivos”, quão longe estamos disso? Quanto à Aqua-Cola de Mad Max, distribuída a conta-gotas pelo tirano Immortan Joe do filme à população, o que ela tem a ver com a declaração do presidente da Nestlé, que disse que “a água não deve ser um bem gratuito”? Refugiados na Síria, superpopulação que aponta no horizonte das décadas por vir (e guerras para destruí-la), quão longe estamos do terreno da ficção? Olhe o homem perdido, o inchaço das cidades, o desemprego resolvido pelo capitalismo que rouba o tempo livre cada vez mais com a mão de obra barata, o terrorista árabe que olha para o deserto e vê a saída num rio de leite no Paraíso. O crepúsculo no Oeste não tem nada a ver com vampiros que brilham no sol do meio dia. E é por isso que não posso deixar de encerrar este texto com o questionamento do afetado filósofo contemporâneo Zizek: “É mais fácil e viável pensar a destruição do mundo do que melhorá-lo aos poucos”?
O Filósofo sem gabinete: Uma breve apresentação
Olá, sejam bem-vindos! A proposta desta Coluna é apresentar, de maneira prática, rápida e divertida, temas filosóficos relevantes, discutidos atualmente pelo cinema, televisão e cultura pop em geral (séries de TV da Marvel, DC e outras, quadrinhos, literatura geek). Com isso, abordaremos, ao “ar livre”, temas que tornam acessíveis as ideias dos grandes pensadores, trazendo à tona as mais alegres potências da filosofia.

![[Coluna] A bomba debaixo da mesa: Carrie! Montagem com uma pelicula de filme na horizontal, mostrando dois frames, o da esquerda mostra um recorte de um cena do filme "Carrie, A Estranha" de 1976, onde está a personagem Carrie, vista do busto pra cima, ela está coberta de sangue, e com olhar assustador, em um fundo azul escuro. No frame da direita está um recorte da capa do livro Carrie, edição da Suma das Letras, em tom rosa, a capa mostra o rosto de Carrie, no topo o nome do autor "Stephen King" em branco, e sangue vermelho escorre pela capa.](https://leitorcabuloso.com.br/wp-content/uploads/2022/06/Carrie-Vitrine-Coluna-Filme-Livro-Site-696-390-ok-218x150.jpg)
![[COLUNA] Gekkan Shoujo Nozaki-kun (Anime) Fundo branco. Da esquerda para a direita: Rapaz de cabelo roxo, sueter e gravata verde calça azul encarando garota loira de agazalho cinza e saia preta. Garota Ruiva com laços vermelhos de bolinhas brancas, agazalho cinza, saia e meia fina pretas segurando um esfregão que parece um pincel sujo de tinta vermelha. Rapaz alto olhando para a esquerda com agazalho cinza, gravata vermelha e calça preta segurando um pincel. Rapaz de cabelo vermelho segurando uma rosa com uma camisa branca e calça preta. Rapaz de cabelo marrom, camisa azul, gravata e calça azul escuras segurando uma regura em cada mão. Garota de cabelo azul, casaco preto, saia azul segurando uma espada cenografica.](https://leitorcabuloso.com.br/wp-content/uploads/2022/06/Coluna-Gekkan-Shoujo-Nozaki-kun-Site-696-390-218x150.jpg)

![[Coluna] Agente Carter – Primeira Temporada Vitrine da coluna. Em primeiro plano, no centro, o postêr da série Agente Carter, que mostra a personagem de vestido azul, chapéu vermelho escondendo o rosto e segurando uma arma, boa parte de sua imagem é coberta pelas sombras, e o fundo é escuro, à fentre dela está o título da série "Marvel - Agent Carter". No fundo da vitrine, um recorte da capa de uma história em quadrinhos que mostra Carter apontando uma arma segurando com as duas mãos, o desenho é em tons cinzas e com as cores vermelha e branca da bandeira americana no fundo.](https://leitorcabuloso.com.br/wp-content/uploads/2022/03/AgenteCarter-Site-696-390-218x150.jpg)
![[Coluna] Diga o seu nome Montagem com uma pelicula de filme na horizontal, mostrando dois frames, o da esquerda mostra um recorte do postêr do filme "Candyman" que mostra o personagem do título, um homem negro de costas com um casaco escuro e um ganho no lugar da mão e uma abelha pousada no gancho, e o título do filme em amarelo. No frame da direita está a capa do livro "Candyman" da Dark Side Books, onde mostra uma colméia de abelhas no fundo e em primeiro plano o nome do autor Clive Barker e o título do livro.](https://leitorcabuloso.com.br/wp-content/uploads/2022/01/Candyman_Vitrine-Coluna-Filme-Livro-Site-696-390-ok-218x150.jpg)


