[Coluna] A Importância do Diálogo

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Estou apaixonada por diálogos e você também deveria estar. Como leitor, é um momento ímpar para conhecer seus personagens favoritos. Como ferramenta narrativa, nada deixa minha escritora interior mais fascinada e nada me ajuda mais a construir as personalidades das minhas criaturas.

Tenho pego um lápis a cada livro que leio e ficado atenta a todos os pormenores nas cenas em que os personagens trocam qualquer dúzia de palavras, porque ali há algo que o autor e os personagens estão querendo contar e não está sendo dito entre um travessão e outro. Não, está nas entrelinhas, porque mais do que o que os personagens estão dizendo, há o que eles estão escondendo. Há o motivo de porquê, naquele momento, o autor escolheu aquele gesto. Há a frase que o personagem considerou dizer, mas não disse. Há, na intimidade da interação de A e B, um jogo de reações. Acho que um personagem nunca revela tanto de si mesmo quando quanto confrontado com outro, não em combate e discussão, mas no simples ato de pergunta e resposta. Na ansiedade que a presença do outro cria, ou no conforto. Eles vão se olhar nos olhos ao falar? Vão dançar ao redor de si mesmos, vão se sentar lado a lado? Enquanto falam vão apelar para o emocional, para o pouco ou muito que conhecem um do outro, para se persuadir do que estão dizendo, ou vão expor os fatos friamente? É a poesia (um misto de motivação emocional com cuidadosa prosa raciocinada) dentro de si que guia suas palavras ou elas saem na irracionalidade de um momento de paixão?

Houve escolhas ali, tomadas pelo autor empurrando as personalidades quiméricas que habitam seu enredo. Eu sei bem disso. Numa decisão um tanto mal calculada da minha parte, resolvi escrever meu primeiro livro com sete personagens “principais”, ou ao menos seis coadjuvantes muito importantes, determinada a trabalhar a jornada de crescimento de cada um deles. Foi um malabarismo, um exercício de eficiência. Cada cena tem de contar muito, tem de valer a pena, mas sem ficar exagerada de informações. E no final dessa jornada, me percebi diante um grande duelo que acho que é a grande força motora do meu livro: a decisão de todos os personagens de serem ou não sinceros uns com os outros.

É essa escolha que me fascina mais do que todo o resto: o que deve ser ou não dito. O que o personagem decide deixar escapar. E, trazendo isso para a nossa realidade, o que nós decidimos ou não deixar escapar. Afinal, expor o que somos requer coragem. Decidir o que revelar e o que esconder é o que constrói nossa personalidade, mas apenas na exposição encontramos a empatia daqueles que pararam para nos ouvir. Da empatia vem a amizade. E da falta dela, nascem os antagonistas.

Organizar em palavras é organizar o caos da mente. Não é à toa que o “diálogo socrático” é um gênero de escrita. É a maneira de expor uma ideia desconstruindo-a e colocando-a a aprova através da pergunta e resposta. Expor exige organização e decisões e escolhas e estrutura. Quando confrontado com a análise do outro, o pensamento muda, aprende a se perceber de outra maneira. A terapia, afinal, é o diálogo aberto sobre a tempestade interior.

Então quando sento para escrever uma cena, quando coloco A e B no mesmo espaço, é para a tempestade interior deles que eu olho. Observo a ansiedade mordiscando seus gestos, empurrando os passos enquanto dançam ao redor um do outro, ordenando que digam ou não o que desejam. Nesse ponto, as escolhas são feitas por seus egos preocupados. Nesse ponto acontece aquela coisa mágica que todo autor deseja: os personagens tomam vida própria.