Talvez não tenha sido a intenção, mas Stieg Larsson, ao escrever a Trilogia Millenium, criou um ícone: uma figura tão humana, forte e real que é quase impossível não ter sobre ela uma opinião formada. Acima disso: uma mulher.

O primeiro título da obra, Os Homens que não Amavam as Mulheres, resume a ambientação de toda a trilogia: como pano de fundo e tecido vital de Millenium está o abuso às mulheres – físico e psicológico – legitimado pelo aparelho Estatal. E essa verdade é ainda mais intensa no caso de Lisbeth Salander, a heroína – ou melhor, a anti-heroína – do thriller. Confesso que em vários pontos a leitura de Larsson foi um pouco cansativa para mim. Ele peca pelo excesso de detalhes – por exemplo, a cada compra realizada pelos personagens, todo bendito objeto comprado é narrado e descrito. Mas os seus personagens complexos e humanos salvam a narrativa. Para mim, em especial, Lisbeth Salander – a mulher pequena, magérrima, andrógina, desajustada e um Ás da web – é a mais carismática dessas figuras.
Mas meu carinho e convencimento sobre ela não vieram de imediato. Quando, nos primeiros encontros com seu novo tutor, Nils Bjurman, Lisbeth se mostra calada e submissa aos seus desmandos, minha leitura foi de que ela seria mais uma personagem frágil que precisaria ser resgatada e amparada por alguma poderosa figura masculina (um clássico da literatura!). Ledo engano. Lisbeth não precisa ser amparada e resgatada, porque ela é capaz de ser forte e autossuficiente. Sua retaliação às ações de Bjurman me deixou de cabelo em pé, e a versão cinematográfica (a sueca, ainda não assisti a americana), nesse quesito, fez jus ao “estilo Salander de ser”.
Há um pouco de “fruto do meio” na maneira como Lisbeth encara o mundo: vinda de uma vida doméstica violenta desde a infância – com um pai agressivo e uma mãe subserviente – ela reage com igual violência. O resultado? Ser declarada insana e trancafiada em um hospital psiquiátrico. A soma desses fatores tornou Lisbeth uma pessoa verdadeiramente antissocial, agressiva e com aversão à interferências em sua vida. Um prato cheio para considerá-la um personagem desagradável, correto? Acontece que, em contrapartida, Lisbeth usou a seu favor os poucos recursos de que dispunha. Dona de uma incrível capacidade investigativa e dotada de memória fotográfica, Salander é uma “cracker” habilidosa, conhecida na rede como Wasp.
Salander é intensa em tudo o que faz: ela não acredita em meios termos ou em conceitos predefinidos. Quando
 Mimi a questiona sobre ela nunca ter se assumido lésbica, Lisbeth responde que jamais se preocupou em definir sua sexualidade. Lisbeth simplesmente é. Há clamores que a exaltam como ícone feminista e vozes opostas que proclamam o contrário. Não creio que estejam certas – nenhuma delas. Se há um grupo que Lisbeth representa é o dos seres humanos – com todos os seus vícios e virtudes.
E é por isso que a retrato como anti-heroína – aliás, uma das poucas em nossa literatura atual. Sem se importar com os meios utilizados, ela pune tudo aquilo com o que não concorda. Como armas, sua inteligência, teimosia e habilidades com o computador. Ela não está disposta a perdoar e, ao mesmo tempo, é capaz de sentir empatia e amor. Para cada marca feita nela, Lisbeth pagará na mesma moeda. E cada breve gesto de bondade jamais será esquecido, passada a desconfiança que lhe serve de alicerce. Talvez a melhor definição para Lisbeth seja a dada por Eliane Brum: “Em sua moto pelas estradas – ou escondida sob o seu capuz – ela talvez seja a nova mulher, aquela que se recusa a ser vítima, mas que jamais queimará sutiãs em praça pública. Lisbeth Salander é a nova mulher na medida em que também é o novo homem”.


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