[Notícia] Perdido em Marte de Paul Magrs

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Um conto de amadurecimento ambientado no espaço

O escritor de Doctor Who faz uma viagem ao planeta vermelho, a partir do qual a terceira geração de uma família de colonos embarca em uma épica busca pela sobrevivência.

A exploração do espaço tem desfrutado de certo renascimento. Missões à Marte e aterrisagens em cometas renovaram o interesse do público, sobretudo entre os jovens, e Perdido em Marte (não confundir com o livro de Andy Weir, Perdido em Marte, Ed. Arqueiro, 2014, que em inglês se intitula The Martian, em vias de chegar à telona) é uma adição bem-vinda para o crescente número de livros para jovens leitores que foca nesse entusiasmo.

Paul Magrs escreveu vários livros da série Doctor Who, assim como The Diary of a Dr Who Addict (em tradução livre: O Diário de um Viciado em Dr. Who), e tem sido elogiado pelo próprio Russell T. Davies*. Agora, ele produziu um romance que compartilha de muitas das qualidades de Doctor Who – um ambiente extraterrestre, personagens alienígenas, mistérios alucinantes – e enraizado na literatura clássica infantil. Little House on the Prairie (Os Pioneiros, exibido atualmente pelo canal pago TCM) de Laura Ingalls Wilder, está tão entranhado em seu DNA como o célebre doutor, embora talvez filtrada através de Crônicas Marcianas de Ray Bradbury. “Os Pioneiros de Marte” poderia ser um bom título alternativo.

A narradora, Lora Robinson, é uma colona humana de terceira geração em Marte, uma adolescente crescendo com sua família enquanto leva uma existência miserável no planeta vermelho. Tempestades de poeira, pessoas desaparecendo misteriosamente… Quando as coisas ficam desesperadoras, Lora leva sua família para fora da sua base em uma busca épica pela sobrevivência, só para descobrir que os mistérios se multiplicam.

Lora é uma protagonista muito bem desenvolvida: complexa e convincente. Ferozmente teimosa e engenhosa, mas sensível e atenciosa, embora tente negar. Sua visão ligada ao serviço com a terra agrega à história humor e ternura. Ainda que com todos os elementos do gênero, o foco do livro é o amadurecimento de Lora.

Outro personagem de destaque é um robô sensciente chamado Torradeira, falante, profundamente leal, comovente, esplendidamente engraçado e sem noção. Ele é de uma linhagem que inclui o C-3PO de Star Wars; é absurdo, mas de alguma forma ainda mais heroico que qualquer outro.

Estes personagens são levados por uma história que fica mais misteriosa à medida que progride. Quase qualquer coisa poderia estar acontecendo e Magrs desafia-nos a adivinhar o quê, com habilidade de especialista. Nós duvidamos de nossas próprias percepções sentindo a mesma instabilidade feroz que os personagens. Mesmo no final, nada está bem resolvido. Em vez disso, as possibilidades aumentam ainda mais, antecipando os próximos dois livros da trilogia, embora não sem um sentimento recompensador.

Muitas das reviravoltas são surpreendentes e estranhas. O chão cai repetidamente, afastando-se de nossos pés de uma maneira que lembra a realidade inquietante, a estranheza e o hibridismo da humanidade de Philip K. Dick. Há uma estranheza poética nas descrições, embora elas tenham clareza contundente graças à fixação de Lora em detalhes físicos. Isto é especialmente verdadeiro para os marcianos: “Ela estava roxa à luz da Terra. Sua pele estava ondulada e moldada de modo que parecia um pouco como quando você corta um repolho vermelho. Intrincada e difícil“.

No coração deste romance existe um profundo amor pelas histórias. Os livros da biblioteca são o maior prazer de Lora; naves espaciais são nomeadas segundo os autores vitorianos, como se fossem animais de estimação. O livro está repleto de referências intertextuais brincalhonas: uma Cidade das Esmeraldas relembra O Mágico de Oz, enquanto o nome “Robinson” evoca certa família suíça.

Enquanto a obra apela certamente aos fãs de Doctor Who, tem ainda muito a oferecer a todos os leitores de literatura infanto-YA e ficção científica adulta.


* Russell T Davies, é um roteirista e produtor de televisão galês que renovou, a partir de 2005, a clássica série britânica de ficção científica Doctor Who.

Via The Guardian