[Coluna] Foca na Escrita!

1

Muito se fala sobre bloqueio de escritor e sobre falta de inspiração. Mas o que sabemos sobre a inspiração e o processo mental que faz a escrita fluir?

Existe um estado mental quando uma atividade complexa e desafiadora fica aparentemente fácil e o desafio de completá-la parece trazer um sentimento de satisfação e felicidade.

Sabe quando você está tão absorto com alguma atividade que o tempo parece voar e você se esquece dos problemas e de tudo ao seu redor?

O fato é que algo acontece quando conseguimos nos concentrar naquilo que gostamos de fazer. A mente parece entrar em uma sintonia fina onde a atividade passa a nos estimular e quanto mais realizamos mais queremos realizar. É o ciclo do desafio, superação, satisfação e novamente desafio.

/->DESAFIO->SUPERAÇÃO->SATISFAÇÃO->\
|__________________________________|

Este ciclo acontece nas mais diferentes atividades que nos causam um sentimento de realização pessoal, seja escrevendo um livro, conseguindo terminar de ler um calhamaço, programando computadores ou mesmo jogando um videogame. O prazer que se sente ao progredir em uma atividade difícil, porém compensadora, faz com que as pessoas pratiquem seus instrumentos musicais por horas a fio sem se cansar ou perceber o tempo passar. Faz com que estudemos a fundo uma matéria que amamos e também, pasmem, faz com que fãs se tornem verdadeiros especialistas nos seus ídolos. Sejam estes ídolos uma “boy band” ou autores de séries de livros de fantasia.

Este ciclo mental causa um bem estar indescritível: é neste momento que estamos mais conectados com o objeto da nossa paixão.
Você com certeza já deve ter visto algum vídeo de pessoas jogando videogames de forma quase impossível de conceber para uma pessoa normal, como esse:

 

Ou talvez tenha visto aqueles gênios resolvendo os cubos mágicos (Rubik Cubes) de 11x11x11 lados:

 

Pois saiba que estes estão apenas utilizando o potencial deste ciclo mental que todos nós possuímos!

Quem é o viciado?

Muitos chamam de “viciado” quem consegue jogar com maestria algum videogame na dificuldade alta. Claro que quando alguém chama um jogador muito habilidoso de viciado, está na verdade tentando de alguma forma “desmerecer” a habilidade da pessoa. Afinal, ele é assim porque está “viciado” no jogo. Ou é um programador acima da média porque é louco. Ou é muito bom nos estudos porque é um “maldito CDF”.

Bom, quem é “nerd” a mais de 30 anos sabe muito bem do que eu estou falando!

E este acaba sendo o primeiro inimigo a ser vencido, a desmotivação desenxavida que algumas pessoas tentam jogar sobre nós.

Mas apesar disso, existe uma meia verdade sobre estar “viciado”.
Semelhante a algumas drogas, existe mesmo um certo fator viciante neste estado mental que acontece quando estamos desempenhando nossas atividades preferidas.

O cérebro recompensa a si mesmo quando existe sucesso na realização de uma atividade desafiadora. A mente despeja dopamina e um coquetel de hormônios da felicidade quando conseguimos terminar de ler aquela série quase interminável de fantasia ou quando conseguimos escrever aquelas 2500 palavras que traçamos como “meta do dia”. O fato é que nos sentimos muito bem quando temos um desafio vencido e isto deixa marcas e causa certa “dependência”. Mas é claro que não se trata de uma dependência viciosa e sim virtuosa.

Mas e o bloqueio de criatividade?

Este é exatamente o oposto de um estado de bloqueio de escritor. Enquanto o bloqueio desliga inclusive a “recompensa” e tudo parece ruim, neste estado de inspiração tudo sobre o nosso foco de atenção parece ser maravilhoso, até mesmo o desafio em si.

Mas qual é o nome deste estado mental e como eu consigo um pra mim?

Engraçado é que este estado mental recebeu vários nomes em várias áreas. E antes que a turma do ceticismo me acuse de propagar alguma pseudociência maluca eu digo que trata-se de uma teoria proposta pelo psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi.

nome_complicado
Mihaly Csikszentmihalyi: tente pronunciar este nome com a boca cheia de farofa! É esse tio aqui!

Ele nomeou este estado mental de total concentração e auto realização pessoal como: Fluxo (Flux)
Existe, inclusive, um vídeo do projeto TED Talk que ele defende a teoria do fluxo mental. Interessou? Você pode conferir o vídeo legendado!

O projeto TED Talk apresenta palestras que têm por objetivo o crescimento profissional e humano e muitas delas são voltadas para pessoas ligadas à alta tecnologia.

Inclusive, no mundo da tecnologia da informação, o estado de fluxo já era bem conhecido pela comunidade hacker. E quando eu falo de comunidade hacker, me refiro aos verdadeiros hackers: aqueles que programam coisas maravilhosas como os games mais incríveis ou programas fantásticos que usamos em nossos computadores. (Não confunda a comunidade hacker com aqueles garotos que usam programinhas prontos para trapacear em jogos ou que tentam passar vírus no seu e-mail!)
Os verdadeiros hackers chamam este estado de Fluxo mental pelo node de Deep Hack Mode. Ou modo de “hackeamento” profundo se fossemos tentar aportuguesar.

Existe este termo no Jargon File, que basicamente é uma grande dicionário de termos hackers:

Hach Mode (Modo de Hackeamento):

1. O que se faz quando se está hackeando, é claro;

2. Mais especificamente, um estado Zen de foco total sobre o problema que pode ser conseguido quando se está hackeando (é por isso que todo bom hacker é em parte um tanto místico). Capacidade de entrar em tal concentração por vontade própria e que tem fortte relação com feitiçaria; é uma das habilidades mais importantes aprendidas durante a fase larval . Às vezes ela é amplificada como Deep Hack Mode (modo de hackeamento mais profundo).
(….)

E segundo o Urban Dictionary:

“Quando se está programando, pode-se entrar no Deep Hack Mode. Neste ponto, você esquece tudo ao seu redor e tornar-se um com o código. Nada existe mais, exceto o problema que você está trabalhando. Neste estado parecido com o zen, você pode não só resolver o seu problema, mas conseguir isso melhor do que você jamais teria imaginado. Se você não é capaz de alcançar o deep hack mode, você nunca vai se tornar mais do que um programador medíocre.”
Fonte

Um interessante ponto do deep hack mode é sobre o fortíssimo foco de concentração que este estado faz uma pessoa atingir. Segundo uma piada hacker, só existem duas maneiras de se tirar o foco de alguém que esteja em deep hack mode:

Se cair um raio no computador do hacker ou se cair um raio no hacker!

Gnósticos e Budistas que estudam a concentração e meditação acreditam que é possível entrar neste estado de Fluxo através de meditação. Eles chamam este estado de “pensamento único“, devido ao grande foco e concentração ao qual a pessoa fica submetida.

Segundo o que dizem, o pensamento único exige o esquecimento e abandono total de tudo menos do lakhsya.

Lakahsya seria a atividade ou pensamento que se deseja concentrar. No nosso caso seria a produção literária.

Este abandono (vairagya) deve ser algo exercitado e desenvolvido a cada dia e sempre melhorado.

Para eles, o estado de fluxo tem forte ligação com o Vairagya que é o desapego, o esquecer do mundo, abandonar o que é terreno.

Existem registros bíblicos sobre o que poderia ser comparado à grandes meditações que vários líderes espirituais e políticos fizeram antes de iniciar atividades realmente difíceis.

No livro provavelmente mais antigo da Bíblia, o livro de Jó, existe um relato de uma forma de luto e meditação que Jó faz para tentar entender qual era o propósito divino sobre o desastres que estavam acontecendo. Jó executa o que poderia se comparar com um vairagya. Ele fica três dias sem falar e sentado sobre cinzas e no final declara seu desapego total:

“(…)Nu deixei o ventre de minha mãe, e nu partirei da terra. Yahweh deu, Yahweh o tomou; louvado seja o Nome do SENHOR!” – Jó Capitulo 1 verso 12

Sei que pareceu algo bastante religioso e místico, mas é importante saber que a meditação, retirando a religião em si, é uma técnica de concentração que pode ser testada e apresenta resultados empíricos positivos.

A revista Veja (Ed. 2407 07/01/2015) publicou um grande artigo sobre a ciência da meditação. Não que a Veja seja a revista mais incontestável do mundo, mas podemos ler e fazer nossa própria opinião a respeito.

Segundo a pesquisadora Elisa Harumi Kozasa, em um estudo realizado pelo Instituto do Cérebro na Sociedade Brasileira Beneficiante Albert Einstein existem alterações e mudanças físicas na anatomia cerebral das pessoas que meditam. Foram comparadas imagens de ressonância de cérebros de pessoas que meditam e pessoas que não meditam. A eficiência dos cérebros foi medida considerando-se a atividade cerebral que é indicada pelas áreas ativas que aparecem nas imagens. Segundo as conclusões desta pesquisadora “o cérebro de pessoas que praticam meditação regularmente parecem ser mais eficientes do que de pessoas que não praticam.”. Este estudo foi publicado na Revista científica NeuroImage.

Como posso então entrar em estado de Fluxo Mental?

Existem alguns pontos que podemos fazer e que irão ajudar:

1 Tenha metas claras e desafiadoras, mas possíveis. Como por exemplo escrever determinada quantidade de palavras por dia. Você pode aumentar as metas conforme progredir. Sempre tenha uma nova meta quando conseguir sucesso.

2 Aprofunde-se num problema específico. Procure escrever uma cena que mais te agradar e tente pensar somente nela de forma focal, esvazie a mente de tudo e concentre-se somente em como os personagens vão agir neste acontecimento.

3 Fique o mais confortável possível. O objetivo é esquecer de tudo ao redor e alcançar um estado em que a própria consciência se desliga da nossa realidade e se liga na ficção que você está produzindo. No estado de Fluxo a autoconsciência se desliga naturalmente. Então tente não levar nada para seu local de trabalho. Desligue seu celular e tente ficar sem música ou com música apenas instrumental. Jazz, por ser uma música com padrões poucos repetitivos também é melhor do que aquelas que sua mante vai querer acompanhar e “tocar junto” com a banda. A ideia é não ocupar a mente com distrações. Depois que se aprende a entrar em Fluxo as distrações não irão mais atrapalhar, mas no início isto é mais difícil.

4 Retire relógios e outros indicadores de tempo. Fique em uma área na qual a luminosidade não se altere no transcorrer do tempo. No estado de Fluxo, a consciência de tempo é perdida. A princípio não é desejável ficar consultando o relógio. Se o objetivo for escrever por determinadas horas deixe um alarme tocar, mas longe dos seus olhos para que você não se preocupe com o fator tempo. Assim como as distrações o passar do tempo pode trazer ansiedade e atrapalhar o Fluxo mental.

5 Mantenha um equilíbrio entre os seus desafios de escrita. Nada pode ser demasiado difícil para que você não consiga mas também não pode ser muito fácil para que sua mente não fique com tédio. O fluxo só acontece quando isto é equilibrado. E não se dê metas ridiculamente fáceis e nem absurdamente difíceis. Nunca tente escrever um livro em um dia, a menos que você já tenha conseguido escrever um livro em dois dias. Você precisa suar a camisa man, depois vencer no final para que se sinta recompensado!

7 Tenha controle sobre as ferramentas de trabalho. Nada de tentar Fluxo com um novo programa complicado feito para escritores que você nunca tinha usado. É melhor usar um martelo conhecido do que um bisturi laser desconhecido.

8 Recompense-se ao vencer as metas. Ajude seu cérebro a entender que ao vencer uma meta você merece uma recompensa. Nem que seja um chocolate ou uma sobremesa dos campeões.

9 Crie seu próprio “cafofo do fluxo” onde você vai poder experimentar concentrar-se unicamente na atividade sem ser interrompido por todos. As vezes é um horário quando todos não estão em casa ou estão dormindo. Como, por exemplo, uma sexta-feira durante a noite. Tente dormir cedo no dia anterior e fique até mais tarde na sua “sexta-feira do fluxo mental”.

10 E finalmente a mais importante das regras: Tenha sempre um vidro cheio de bom senso e tome sem moderação.

foca_na_escrita]
FOCA NA ESCRITA!