[Resenha] O mundo assombrado pelos demônios de Carl Sagan

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Carl Sagan foi um astrônomo, filósofo, escritor e talvez o mais carismático e mais empenhado divulgador científico que o mundo já teve notícia. Sagan é autor de mais de 600 publicações científicas e autor de mais de 20 livros (entre eles ciência e ficção científica).

Em O Mundo Assombrado pelos Demônios, Sagan oferece ao público leigo uma visão clara e sucinta de como funciona o método científico, e de como aplicá-lo na vida diária. Sagan define o que é ciência e pseudociência, e busca indícios desde os primórdios da humanidade, com os primeiros mitos, para mostrar que mesmo hoje, nos dias modernos, acreditamos numa penca de mitos tão fantásticos como os de antigamente, apenas maquiados.

o mundo

A pseudociência é tudo aquilo que se vende como ciência, mistura sua falácia com o jargão científico, mas rejeita o método científico como teste para suas teorias. Uma pseudociência é um mito que reivindica status científico, mas não quer ser julgada como tal. Ironicamente, sua expansão só tende ao aumentar, uma vez que as pseudociências nos oferecem aquela visão romântica da vida que queremos ver, e é muito fácil acreditar em algo quando estamos com sede de nos apegar a qualquer coisa. Ainda mais, quando somos bombardeados com elas todos os dias, nas revistas, nos jornais, na televisão, no rádio e mesmo nas escolas.

Entretanto, Carl Sagan nos dá um “antídoto” contra a pseudociência: o ceticismo, o pensamento lógico, racional, e o conhecimento do método científico. É o que falta em nossas escolas, hoje ainda tão defasadas no ensino de ciências. Sagan também atenta para o “homicídio que cometemos à curiosidade das crianças”, sempre as desencorajando a serem curiosas. Para Jostein Gaarder — autor de O Mundo de Sofia —, as crianças e os filósofos compartilham características em comum, uma vez que tudo que há no mundo, é novo para ambos, sempre havendo algo que desperta a admiração e a curiosidade de descobrir o que há por trás de seus mistérios. Jean Piaget, o criador da epistemologia genética, dizia que as crianças eram como “pequenos cientistas; pois fazem experiências com o mundo ativamente”. Na mesma linha, é isso o que Carl Sagan também acredita, defendendo que temos sempre que fomentar a sede de conhecimento que as crianças têm, e não privá-las desse talento tão sublime.

 “Há muitas respostas melhores do que fazer a criança sentir que está cometendo um erro social crasso ao propor perguntas profundas. Se temos uma ideia da resposta, podemos tentar explicar. Uma tentativa mesmo incompleta proporciona nova confiança e encorajamento. Se não temos ideia da resposta, podemos procurar na enciclopédia. Se não temos enciclopédia, podemos levar a criança para a biblioteca. Ou podemos dizer: ‘Não sei a resposta. Talvez ninguém saiba. Quando você crescer, será talvez a primeira pessoa a descobrir tal coisa’.” (Pág. 364)

 Temos então, o importante papel de educar melhor nossas crianças, principalmente no que tange a divulgação científica, para que as estatísticas que refletem uma sociedade cientificamente analfabeta possam mudar.

Mas não é fácil ser um cético, como diz o próprio Carl Sagan, num mundo onde estamos “solitários e famintos de algo em que acreditar”, é muito fácil brincar com nossas crenças; é muito fácil ser crédulo do que ser cético. Por isso, Sagan diz que ninguém deve ser inteiramente cético, mas também não é por isso que se deve estar aberto a todas as ideias, e aceitá-las sem nenhum tipo de critério. Ele admite a dificuldade de delimitar as fronteiras entre a credulidade e o ceticismo, e da dificuldade de achar esse lugar ótimo entre ambas as perspectivas de mundo. Deve haver um equilíbrio entre ambas. Equilíbrio que só uma mente racional, bem treinada e com bom senso consegue alcançar.

Boa parte do livro é dedicada a possíveis explicações sobre fenômenos tidos como “sobrenaturais”. Será que todas as pessoas que dizem ter experiências com o divino, com seres extraterrestres e etc. estão realmente dizendo a verdade? Mas será também possível que todas estejam mentindo? Eu não acredito nem em uma nem em outra possibilidade. Carl Sagan também não.

Carl Sagan faz um passeio sobre nossas capacidades evolutivas, principalmente sobre aquela capacidade cerebral que temos de reconhecer rostos. Os filhotes humanos ancestrais que não respondiam prontamente a um sorriso de seus pais — por não reconhecerem rostos de outros da sua espécie de imediato —, eram aqueles que recebiam menos investimento de seus pais. É de se esperar então, que foram selecionados apenas aqueles mais capazes de retribuir prontamente um sorriso. Poderia ser essa a explicação para a nossa mania de ver rosto em tudo: Na Carolina do Sul, EUA, Erica Scheldt viu o rosto de Jesus numa arraia; Jim Lawry, de Ohio, viu o rosto de Jesus nas fezes de um pássaro que estava no vidro do seu carro. Outras pessoas viram o rosto de Jesus no ferro de passar, muitas viram um rosto humano nas crateras de Marte e etc. Rostos são vistos ao redor do mundo a todo instante. Temos evidências científicas de que nosso cérebro é “programado” para identificar rostos com uma eficiência incrível. Por que atribuir isso a fenômenos paranormais? Qual a praticidade de um ser sobrenatural ficar decalcando seu rosto em objetos tão banais?

E o que dizer dos diversos deuses de diversas culturas? Todos reais? Fraudes? Não é possível que nenhum povo acertou em cheio a identidade dos deuses?

 “Como os entusiastas de visitas extraterrestres são rápidos em lembrar, há certamente outra interpretação desses paralelos históricos: os alienígenas, dizem eles, sempre nos visitaram, intrometendo-se na nossa vida, roubando nossos espermas e ovos, fecundando-nos. Nos tempos antigos, nós os reconhecíamos como deuses, demônios, duendes ou espíritos; só agora compreendemos que são os alienígenas que têm nos enganado durante todos esses milênios. Jacques Vallee tem empregado esse tipo de argumentação. Mas, nesse caso, por que não há virtualmente nenhum relato de discos voadores antes de 1947? Por que nenhuma das principais religiões usa discos como ícones do divino? Por que não nos avisaram sobre os perigos da alta tecnologia? Por que esse experimento genético, seja qual for o seu objetivo, ainda não está completo — milhares de anos ou mais depois de ser iniciado por seres supostamente capazes de realizações tecnológicas muito superiores? Por que enfrentamos tantos problemas, se o programa de reprodução é destinado a aperfeiçoar a nossa espécie?”

Algo curioso, é que a esmagadora maioria das pessoas que dizem ter sido abduzida, afirma que os alienígenas são capazes de flutuar, atravessar paredes e suas naves se movimentam no cosmos em uma velocidade muito superior a qualquer coisa já vista na Terra. Se são tão superiores e inteligentes, por que são tão incapazes de entender nossa biologia?

Evocando o monomito — proposto por Joseph Campbell — temos a teoria de que muitos padrões se repetem nos mitos ao redor do mundo. Por que seria diferente no caso dos UFOS? Na Grécia Antiga tínhamos deuses descendo à Terra e copulando com seres humanos, assim como na mitologia romana, assim como no nosso próprio folclore — quando os botos saem das águas para seduzir as mulheres. Agora é a vez dos alienígenas de virem à Terra fecundar nossas mulheres e roubar os espermas de nossos homens. Por que nenhum ultrassom até agora foi capaz de detectar algum tipo de anomalia desse nível? Ah, porque os alienígenas retiram o feto antes (palavra de ufólogo).

 Carl Sagan levanta uma série de possíveis explicações para os fenômenos de abdução. Em parte podem ser puramente fraudes, como aconteceu com um paciente de Kirk Allen, que dizia ter a capacidade de transportar sua mente consciente para o futuro, e que mais tarde admitiu ter sido tudo invenção. Tem ainda a possibilidade de desordens psicológicas leves, médias e graves. Grande parte da população considerada “normal” já experimentou ou vai experimentar algum tipo de alucinação. Isso é mais normal do que se imagina. Tem ainda a hipótese de sugestionabilidade, da paralisia do sono que pode causar alucinações, e por aí uma infinidade de explicações. Explicações racionais, dentro do que conhecemos como real. Não precisamos invocar causas sobrenaturais para fenômenos que podem ser explicados pela ótica da ciência.

 Mas a ciência não é só flores.

 “Que área do empreendimento humano não é moralmente ambígua?” (Pág. 331)

A ciência cria antibióticos, aparelhos eletrônicos formidáveis, energia elétrica, remédios, e tratamentos para doenças que antigamente eram tidas como incuráveis, mas também criou a bomba nuclear e armas superdestrutivas. No capítulo 16º, chamado QUANDO OS CIENTISTAS CONHECEM O PECADO, Carl Sagan se dedica a falar dos males que a ciência pode trazer para a humanidade e critica a postura de muitos cientistas, em especial a do físico nuclear Edward Teller, que também é conhecido como O Pai da Bomba H — a temível bomba de hidrogênio; capaz de ser até 50 vezes mais destrutiva do que qualquer outra bomba nuclear a fissão.

“Quando a pesquisa científica dá poderes formidáveis, de fato terríveis, a nações e a líderes políticos falíveis, surgem muitos perigos: um deles é que alguns dos cientistas envolvidos podem conservar apenas uma aparência superficial de objetividade. Como sempre, o poder tende a corromper.” (Pág. 330)

Sagan fala um pouco da religião e como ela pode levar as pessoas a cometer barbáries. Como a terrível caça às bruxas e os terríveis rituais de exorcismo que muitas vezes levam suas vítimas a morte. Mostra a figura de James Randi e seu grande trabalho em desmascarar charlatães, inclusive citando o famoso caso do pastor Peter Popoff, que Randi mostrou ser um charlatão da pior espécie: Popoff era um pastor que supostamente operava “curas pela fé” e que através da sua “comunicação com Deus” obtinha informações sobre seus fiéis. Na verdade obtinha suas informações por um microcomunicador colocado discretamente em seu ouvido, de onde ouvia as palavras de sua esposa.

E o que falar das curas pela fé? Muitas doenças psicogênicas são curadas através do efeito placebo. Não é resultado nenhum do pastor ou de sua fé, mas do placebo. Mas e quanto às doenças não-psicogênicas? Não há casos disso, até agora.

 “Que dizer da longevidade pela oração? O estatístico Francis Galton afirmava que — sendo iguais outras condições — os monarcas britânicos deviam ter vida muito longa, porque milhões de pessoas em todo o mundo entoavam diariamente o mantra sincero ‘Deus salve a rainha’ (ou o rei). Entretanto, ele mostrava que, se havia alguma diferença, era que eles não viviam tanto quanto os outros membros da classe aristocrática rica e mimada. Dezenas de milhões de pessoas em conjunto desejavam publicamente (embora não fosse exatamente uma prece) que Mao Tse-tung vivesse ‘por 10 mil anos’. Quase todo mundo no antigo Egito pedia aos deuses que o faraó vivesse ‘para sempre’. Essas preces coletivas falharam. O seu fraco constitui dados.” (Pág. 318)

Carl Sagan foi um homem que cresceu em condições de pobreza, mas que com esforço conquistou tudo o que foi almejou. Foi um grande contribuidor da astrofísica e astrobiologia, e ainda apresentador da série Cosmos, elaborada em parceria com sua mulher Ann Druyan, que ajudou milhões de pessoas a entender o que é a ciência e como ela age em nossas vidas. Um homem que até seus últimos dias defendeu a ciência como uma vela no escuro, num mundo onde tudo é mistério.

Sobre James Randi

James Randi, também conhecido como O Caçador de Paranormais, é um mágico canadense e outro defensor do ceticismo. É fundador da Fundação James Randi, que oferece um prêmio de um milhão de dólares para os candidatos que provarem — mediante teste — seus supostos poderes sobrenaturais. Basta que você consiga enganar James Randi, seus olhos argutos e métodos de teste, para que ganhe um milhão de dólares fácil. Com o tanto de paranormais que conhecemos ouvimos falar por aí, é de se esperar que muitos tenham ganhado esse dinheiro, não é mesmo? Entretanto, até agora ninguém conseguiu passar da fase preliminar, sem ser vergonhosamente desmascarado. Procure por Uri Geller, James Hydrick, João de Deus, Thomaz Green Morton e etc.

 Ninguém passou no teste James Randi, até agora. O concurso está ativo desde 1996.

PS¹:. A série Cosmos foi refilmada em 2014 pelo astrofísico e divulgador científico Neil deGrasse Tyson. Para quem tiver interesse em assistir a alguma das duas séries (que constituem 13 episódios cada), é só entrar em contato comigo que envio os links para download.

PS²:. Quem tiver interesse no vídeo em que James Randi desmascara Peter Popoff (ou outros vídeos dele diante de outros charlatães), é só entrar em contato comigo também.

NOTA:

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Título: O Mundo Assombrado pelos Demônios
Subtítulo: A ciência vista como uma vela no escuro
Título Original: The demon-haunted world
Autor: Carl Sagan
Tradutor: Rosaura Eichemberg
Edição:

Editora:
Companhia de Bolso
ISBN: 853590934X
Ano: 2007
Páginas: 512
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