[Coluna] Olá! Já tomou sua dose diária de ódio?

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Eu gostaria de começar com uma pergunta: você odeia livros de colorir ou se sente obrigado a odiá-los?

No último mês (ou talvez meses), tivemos a chegada dos livros de colorir para adultos como Jardim Secreto e Floresta Encantada da ilustradora escocesa Johanna Basford. No site do Publishnews, na categoria de não-ficção 8 dos 10 livros mais vendidos no país são de colorir. As mais diversas pessoas postam em redes sociais não apenas a aquisição de tais livros como também suas obras finalizadas. Marcas famosas como Habib’s, Caixa Econômica Federal e Ambev fizeram propagandas usando os livros de colorir como mote para vender seus produtos.

Já vimos isso acontecer, certo? Harry Potter, Crepúsculo, Cinquenta Tons de Cinza… sempre que um fenômeno editoral surge as livrarias físicas e virtuais são inundadas com derivados. Se o fato não é novidade uma de suas consequências também não o é: o ódio quase que obrigatório a tais modas literárias.

jardimsecreto

Lendo alguns textos sobre os livros de colorir encontrei uma interessante entrevista que o editor da Record, Carlos Andreazza, concedeu a O Globo. Lá, Andreazza clama por uma “maioridade intelectual”, pois “… vivemos o momento de triunfo da ‘não-leitura’ com os produtos de colorir”. Recentemente um post no facebook chamou a atenção e chegou a ter comentários acalorados. Deixo abaixo um print, recomendo que leia antes de prosseguir:

livros de colorir-polêmica

O que você faz para desestressar? Assiste a um filme? Acompanha mais um episódio da sua série favorita? Lê um livro? Ou Quadrinho? Já ouviu alguém dizer que estourou o cartão comprando livros? Ou de uma pessoa que assistiu a todas as temporadas de uma determinada série de uma única vez? De um cinéfilo que fez maratona Senhor dos Anéis versão estendida porque ama aquele universo? Essas pessoas são loucas? E se o são, o problema está nas mídias ou nas atitudes de cada indivíduo nas situações apresentadas?

Livros de colorir não são para mim. Consigo relaxar muito mais escrevendo este post ou editando – mesmo consumindo dois dias consecutivos – o CabulosoCast. Porém não preciso odiar as pessoas que realizam atividades diferentes das minhas. Não preciso odiar que amam livros de colorir. Se existem pessoas que venderiam bens pessoais como seu carro ou sua casa para comprar esses livros o problema não está neles, mas nas pessoas. Fica bem claro que o exagero poderia facilmente ser transferido para outros objetos, outros “lazeres”.

Outro texto bem interessante que li, enquanto pesquisava, foi um post escrito pela Solange Lima, uma cromoterapeuta, especializada em arte terapia. Minha esposa, que é psicóloga, chegou a fazer um curso de arte terapia e o foco é este mesmo, usar a arte como processo terapêutico. Solange fez uma avaliação profissional dos livros em questão e constatou que seu objetivo é relaxar, desestressar. Ela fala até sobre o uso das cores, porém alerta:

Será que escolher uma determinada cor tem a ver com o estado de espírito naquele dia? A minha dica é a seguinte: faça a pintura sem se importar muito com isso. A ideia é se divertir! Depois, se tiver curiosidade para entender o porquê de ter escolhido uma determinada cor,

Gostei muito do que ela diz: O importante é se divertir. Quando estou trabalhando para o Leitor Cabuloso estou me divertindo. Sem sombra de dúvida, acho muito mais gratificante gravar um CabulosoCast do que enfrentar uma sala de aula. Quantas vezes já iniciei uma gravação cansado, fatigado e terminei cheio de ânimo e revitalizado? Estou falando de me conectar com pessoas que nunca vi pessoalmente, passar de 1h 30min a 2h (às vezes chegando até 3h!) falando sobre literatura, muitas vezes terminando de 00h ou 1 hora da manhã e fazer isto duas vezes por semana. O que há de errado comigo? Sou louco?

Diferente do que o editor da Record pensa, acredito que não há nada que precise ser combatido. O que incomodou foi o fenômeno ou o fato de o único livro da editora que figura na lista de não-ficção aparecer em 14ª lugar?

O grande pensador, Edgad Morin, traz um conceito interessante que pode nos servir: pluridimensionalidade ou pensamento complexo. Para Morin,

[…] trata-se de saber pensar o imprevisível, o circular, o recursivo, ou seja, o que escapa às concepções tradicionais de determinação causal e de tempo linear; trata-se de quebrar definitivamente as barreiras disciplinares e de construir uma ciência pluridimensional e transdisciplinar.

E a cultura do ódio não é pluridimensional, mas bidimensional. Ou se ama ou se odeia. E para que as variáveis sejam apagadas, não existem meios termos. Você só pode se manifestar se for a favor ou contra. E o objetivo deste texto é exatamente o contrário: mostrar que existem “pensares o imprevisíveis” – que não é invisível apenas parece oculto diante da tormenta de ódio deflagrado nas redes sociais. E este pensamento pode ser empregado para qualquer “modinha”, seja literária ou não.

EdgarMorin
Edgar Morin

Sabe aquele filme que todos estão falando? Aquela série que virou cult? Aquela música que ecoa aos quatro cantos? Procure ver por outros prismas além do mero “ame, odeie”. Faça-se a pergunta que iniciou este post:

Você odeia ou se sente obrigado a odiar?

Se a resposta for a primeira, não há problema. Todos temos o direito de não gostar de algo e de dizer isso. É a nossa opinião. Não desejo criar o clube de ódio ao livro tal. Fazendo reuniões semanais para queimarmos exemplares e marcamos o grande dia em que iremos a casa do autor para matá-lo e expor suas partes em praça pública para que seus fãs desistam de manifestar-se a favor do livro. Achou dramático? Então releia os depoimentos acima do Andreazza e da Camila M Paganini e veja se não soa desta forma.

Entretanto, se você perceber que estão te levando a odiar algo. Pare, respire fundo e faça como sugere Morin. Abandone o pensamento bidimensional e procure pensar de forma pluridimensional. Se não conseguir fazê-lo sozinho (a), faça como eu sempre faço. Pesquise, digite no google as palavras-chaves daquela discussão em busca de artigos e opiniões que fogem do lugar-comum. E quem sabe assim possamos fazer com que as pessoas deixem de tomar sua dose diária de ódio e passem a tomar sua dose de bom-senso.