Vamos falar sobre mulheres.
Isso, é exatamente o que você leu. Aqui nessa coluna o papo é sobre mulheres – mulherzinhas, mulherões, negras, brancas, amarelas, azuis. Corajosas ao extremo ou extremamente covardes. Com passado, história e humanidade. Mulheres nascidas da imaginação de escritores, mas que poderiam ser sua mãe, sua irmã, sua vizinha ou até mesmo você.
Eu cresci em meio a livros e – digo com um orgulho quase nerd (quase?) – eles eram meus principais e melhores amigos. Aprendi muito e de lá tirei grande parte da minha essência. Se os heróis de Cazuza morreram de overdose os meus nasceram do papel. As mulheres que me inspiram são, em sua maioria, mulheres de papel. Essa é minha forma de homenageá-las. Espero que você goste da coluna e, assim como eu, possa se apaixonar por essas mulheres.
Para iniciar a conversa escolhi Neil Gaiman. Acho as mulheres de Gaiman muito profundas e bem construídas. Ele as desenha de uma maneira quase reverente, em geral refereciando antigos arquétipos femininos. A menina corajosa. A mãe forte. A velha sábia. Em O Oceano no Fim do Caminho, lançando em 2013 e publicado no Brasil pela Intrínseca em uma linda edição, Gaiman reúne esses três arquétipos nas figuras das mulheres Hempstock. Em uma fazenda no finalzinho de uma estrada que desemboca em um lago moram as Hempstock. Lettie é a mais nova, tem onze anos. Por ela conhecemos sua mãe e sua avó, a jovem e a velha senhora Hempstock.

O protagonista da história – um garotinho de sete anos cujo nome desconhecemos e que é aficcionado por livros (uma referência ao próprio Gaiman durante a infância talvez?) – conhece as Hempstock após um incidente envolvendo um inquilino de seu pai e o carro da família. Sem grandes explicações, as Hempstock envolvem-no em seu próprio universo, onde uma lua pode estar eternamente cheia em um dos lados da casa, gatos nascem em plantações, criaturas antigas permeiam os bosques e um lago pode, na verdade, ser um oceano. As Hempstock não são fadas, não são bruxas, não são fantasmas nem alienígenas. O autor não deixa claro que tipo de criatura são essas mulheres, mas sabemos que elas são antigas, sábias e que conseguiram alcançar a verdade sobre o universo em um nível que poucas criaturas foram capazes.
Lettie Hempstock é uma das grandes responsáveis pelo amadurecimento do protagonista. Por ser mais velha, ela assume o papel de protetora, esforçando-se para explicar a ele o funcionamento do mundo de uma forma que ele seja capaz de entender, ao mesmo tempo em que tenta afastá-lo dos perigos. É Lettie quem ensina a ele que não há motivos para temer o que seja, nem mesmo os adultos. Em certo ponto, ela lhe diz:
Os adultos também não se parecem com adultos por dentro. Por fora, são grandes e desatenciosos e sempre sabem o que estão fazendo. Por dentro, eles se parecem com o que sempre foram. Com o que eram quando tinham a sua idade. A verdade é que não existem adultos. Nenhum, no mundo inteirinho. Tirando a vovó, claro.
É nessa outra ponta que está a velha senhora Hempstock, a mais forte entre as Hempstock. Tão forte que mesmo com seus olhos cansados, é capaz de “cortar e costurar” o destino das pessoas, retirando partes desnecessárias, sem deixar costuras visíveis que causem algum incômodo depois de feita a mudança. Essa referência, aliás, me remeteu prontamente ao trabalho das Moiras. A velha senhora Hempstock é uma moldadora perspicaz, por conhecer mais que qualquer um os mistérios da vida.
Eu sabia quem estava falando. A voz se parecia com a da avó da Lettie, a velha sra. Hempstock. Era como a dela, eu sabia, e mesmo assim tão diferente. Se a velha sra. Hempstock tivesse sido uma imperatriz, poderia ter falado daquele jeito, uma voz mais empolada, formal e no entanto mais musical que a voz de velha senhora que eu conhecia.
A jovem senhora Hempstock – Ginnie – cumpre a função de acolher. Ela está sempre com ótimos pratos no forno, é
muito atuante nas atividades da fazenda e, quando Lettie e o protagonista precisam, é ela quem lhes oferece conforto. Está sempre atenta ao que acontece e ao que pode acontecer. Ela consegue ser a liga ideal entre a sabedoria evanescente da velha senhora Hempstock e a sabedoria inocente de Lettie.
Eu me agarrava a Ginnie Hempstock. Ela cheirava a fazenda e a cozinha, a animais e a comida. O cheiro dela era bem real, e realidade era tudo de que eu precisava naquele momento.
Nessa história, as mulheres jamais interferem nas decisões umas das outras, mesmo conhecendo os possíveis desfechos. Elas reconhecem que cada ser é individual e livre para seguir seu próprio caminho e que nada é definitivo. Tudo muda e se transforma. A Velha Pátria, de onde vieram, mudou e se transformou, e nem mesmo elas próprias são o que foram no passado. E é esse universo misterioso que protege a infância do protagonista, servindo de salvaguarda para ele mesmo depois de adulto. As Hempstock são guardiãs de tudo que é verdadeiro. E o que poderia ser mais verdadeiro que a infância?
— Nada nunca é igual — respondeu ela. — Seja um segundo mais tarde ou cem anos depois. Tudo está sempre se agitando e se revolvendo. E as pessoas mudam tanto quanto os oceanos.


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