[Coluna] Sem elfos ou dragões; mais uma para a dor de cotovelo

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Fala galera,

Hoje venho falar de rock progressivo.  Aquele que todo mundo já ouviu falar, muita nota, muito solo, rebuscadas letras sobre fantasia e afins; quando falamos sobre música progressiva alguns nomes saltam a mente.

Claro que eu posso sempre mencionar Rush ou Pink Floyd (duas bandas que devem até aparecer aqui no futuro, mas não hoje).  Outros um pouco mais familiarizados com o gênero podem trazer a mesa Yes e ELP, mas também não é o caso.

Minha banda favorita de rock progressivo é, de certa forma, considerada como do segundo escalão do gênero.  Discordo veementemente.  Boas melodias e letras.  Grandes instrumentas e inovações.  Uso de instrumentos incomuns como no recente acústico gravado em Cadogan Hall e que, infelizmente, não traz na sua setlist as músicas que trago hoje.

Sim são três músicas que se completam.

Três movimentos que nos trazem o melhor de algo pelo que todo mundo já passou alguma(s) vez(es) na vida: a dor de cotovelo.

Em 1985 (e já são 30 anos) o Marillion, que é um dos precursores do crowdfunding (que pretendo abordar em uma de minhas colunas futuras), gravou aquele que deve ser seu álbum mais popular: “Misplaced Childhood“.  Esse álbum se inicia com uma sequência de 3 músicas que se completam, onde a segunda é considerada um dos maiores sucessos da banda, mas me adianto…

Viaje no som! ♪♫

A primeira delas se chama Pseudo Silk Kimono e apresenta o protagonista sofrendo profundamente, em estado de total abandono. Isso pode ser percebido em versos como

seguro em minhas próprias palavras / aprendendo com minhas próprias palavras / piada cruel, piada cruel

ou

o espírito de uma infância deslocada está se levantando para falar o que pensa / Para esse órfão de coração partido, desiludido e marcado/ Um refugiado, um refugiado“.

Dono de vocalistas performáticos e teatrais a banda apresenta nessa música um grito angustiado de abandono e dor nos levando ao segundo movimento da peça.

Kayleigh é uma das músicas mais conhecidas da banda e nos apresenta o personagem feminino por quem sofre nosso protagonista.  Nessa música o narrador canta a sua visão sobre o relacionamento.  Sua decepção com o fim e a tristeza que resta quando essa sensação de abandono se vai.  Aqui são retratados algumas das tentativas de se religar ao mundo exterior após o abando e isolamento retratado no movimento anterior.  Versos como

Kayleigh, seria muito tarde para pedir desculpas? / E Kayleigh, será que poderíamos ficar juntos novamente? / Simplesmente não posso seguir  fingindo que tudo chegou ao seu fim naturalmente.  Kayleigh, nunca pensei que fosse sentir sua falta / E, Kayleigh, pensei que sempre seríamos amigos / Dissemos que nosso amor duraria para sempre / Então como foi que chegamos a esse fim melancólico” ou  “Kayleigh, eu só quero dizer que sinto muito / Mas Kayleigh estou assustado demais para telefonar / Para ouvir que você encontrou um novo amor, para reconstruir nosso lar destruído. / Kayleigh, ainda estou tentando escrever aquela canção de amor / Kayleigh, ela me parece mais importante agora que você se foi / Talvez ela prove que nós estávamos certos / or mesmo prove que eu estava errado.

Essa fase de sofrimento e incerteza, de sonho com um retorno a tempos mais felizes enquanto ainda procura por um elo de ligação com o mundo é bastante comum, muito mais comum do que o lugar onde o terceiro movimento nos leva que é a idealização do amor que já não existe, beirando a obsessão.

Em Lavender, que é o terceiro e último movimento, temos um nível alto de anulação da personalidade em busca do romântico amor perfeito, idealizado.  Versos como

“Então ouvi crianças cantando / Eles corriam através de arco-íris / E cantavam uma canção sobre você / Bem, parecia uma canção sobre você / Aquela que eu queria escrever para você, para você.”

e o verso

“IOU for your love”

repetido várias vezes.  Esse verso pronunciado soa “I Owe You for your love” ou “Eu lhe devo pelo seu amor” mostrando total entrega do protagonista, mas já sem nenhum contato com a garota real.  Infelizmente muitos de nós chegamos a esse nível de descvonexão de nós mesmos, sendo esse um dos graus mais altos da dor de cotovelo.

Importante notar que toda essa análise é baseado unicamente no que eu penso sempre que ouço a música e nunca procurei nenhuma entrevista ou esclarecimento a respeito.  Na verdade tenho medo que a verdade seja menos relevante para mim do que a visão que tenho dessa que tem sido uma das minhas músicas favoritas por quase trinta anos.  E toda uma adolescência de dores de cotovelo em diferentes níveis.

Por enquanto é isso, abraços  e não saiam do tom,

Rodrigo Fernandes.