Inconscientemente, muitos de nós [leitores] acabamos por nos fascinar pelos estudos que envolvem a ciência História e uma de seus incríveis e mais surpreendentes criações: a Literatura.
Acontece com quase todo mundo: você lê um livro e se fascina pela contextualização do enredo, aquele assunto que fica em você, parece que gruda. E o que fazer? Procurar novas indicações de obras sobre o mesmo assunto, sobre o mesmo tema.
Timidamente você começa a perguntar a seus amigos quais livros eles conhecem sobre tal assunto. Parte para redes sociais, grita no Twitter e joga no Facebook. “Oi gente, me indiquem livros sobre a Segunda Guerra!“, “Pessoal, estou de ressaca por causa de um livro e quero novas indicações sobre livros que falem sobre ficção e que tenha robôs!“, “Alguém me indica um livro bom que tenha escravidão?“. Quando você menos esperar terá 182235765327512753 indicações de livros para aumentar sua lista. (Isso sem contar, é claro, com as dicas da bibliotecária. Aliás, já perguntou para elas? Você pode se surpreender – quando terminar esse post procure a biblioteca de sua cidade e seja feliz!!!)
E um livro leva a outro. É aí que você começa a perceber aos poucos que parece que alguns autores te encantam mais. Eles não escrevem jogando tudo em cima de você ou forçando a experiência guela abaixo, eles parecem fazer parte do seu dia a dia.
Aos poucos começam a fazer parte da sua estante.
O flerte do prefácio se tornou uma declaração de amor – agora você lê todos os prefácios e começa a analisar o que está escrito e comparar com os acontecimentos da obra. Ao final do livro você encontra a foto e uma pequena biografia de um cara ou moça comuns e bam! – agora você já sabe quem é seu novo melhor amigo!
Pode levar dias, meses ou anos, mas você sempre vai recorrer a eles. E quando notar vai perceber que sentiu aquela curiosidade e vai procurar saber quem é esse “tal autor que escreve para mim”. Então, mãos a obra: nome completo, cidade onde nasceu, onde estudou, é casado, tem filhos, onde mora? Onde trabalhou, o que mais escreveu?
E a bola de neve vai aumentando: preferência partidária, religião, como começou a escrever?
“Aaaaaaaaaaaaaaaaah, achei outro livrooooooooooooo dele/dela!”
Lendo um livro após o outro, você percebe alguns aspectos singulares daquele escritor.
Sim, ele tem um jeito de escrever. Sim, ele parece focar bastante em um assunto. Nossa! Ele parece insistir em defender um ponto de vista!!! Woooooooooooow, eu já li esse nome de personagem dele em outra obra!
Opa! Mas, espera aí! As obras acontecem em situações assim e não daquele jeito e parece que ele passou por algo similar… eeeeeeeeeeeepa! Calma Padawan!!! Você não está tão louco assim!
Como começou minha paixão que virou projeto
Você se identificou com alguma situação que descrevi ali em cima?
Acredite, passei por todos esses estágios e o resultado foi a melhor coisa que já fiz em minha vida acadêmica.
Quando eu estava na oitava série costumava descer do colégio à biblioteca todos os dias e entupir minha bolsa de livros emprestados. Lá dentro sempre tinha muito Agatha Christie e livros com indexação 833 – Literatura Alemã.
Tudo começou quando achei um livro antigo, cuja capa avermelhada e dura me chamou a atenção. O título então… me abraçou. Na lombada, escrito em dourado apenas constava: “Não matem as flores” de autoria de J. M. Simmel. Não havia capa, não havia sinopse, não havia nada.
Como de hábito, abri a primeira página e o prefácio… até hoje, passados quase quinze anos me recorro a ele em momentos de solidão ou quando preciso de um abraço de um velho amigo.
Resumindo a história toda: li o livro, me apaixonei. Fui devolver, passei pela estante 833 e aprendi a achar os livros que eu queria por ordem de autor. Li todos os livros que pude desse autor, os que havia na biblioteca. Aí a vida de adulto chegou.
Cursar História foi fascinante e desafiante. Mas quem está cursando superior ou já passou por isso sabe que o tal TCC – Trabalho de Conclusão de Curso é o tiro de misericórdia no ritual da vida onde você deixa de “pensar em” e começa a “fazer o que”.
Um belíssimo dia, logo ali no primeiro período, uma colega de turma me perguntou calmamente: “Você tá sempre lendo livros desse cara, porque não faz sua monografia sobre ele?”
A interrogação apareceu na minha cara: WTF is monografia? (Sim, pensei e não, não falei! – mantive a classe!)
Não demorou muito e finalmente abracei a ideia: sim, História e Literatura sim!!!
Parece fácil, mas dá um trabalho daqueles…
Quando comento com alguém que passei três anos estudando a vida de um cara e um livro dele, as pessoas chegam em duas respostas clássicas: “Você realmente gosta de ler” e “E isso funciona?”
Sim, funciona. Parece fácil, mas dá um trabalho daqueles… mas funciona! E é incrível!
Lembra aquelas experiências que citei lá em cima? Elas são a ponta do iceberg de uma pesquisa científica acerca de uma obra ou um escritor.
O primeiro ponto a se considerar é: 1) História é ciência, logo existem ferramentas e formas de pesquisa que provam nossas argumentações (ou questionam ainda mais); 2) Literatura é arte, ferramenta e objeto de estudo – feito por homens e mulher inseridos dentro de um período histórico, que passaram por situações X ou Y ou Z; 3) A obra é resultante de todas essas experiências e é escrita para um público definido, com objetivo por parte do autor definido.
Se você consegue entender claramente esses pontos, já é um excelente passo para investir em uma pesquisa. Naturalmente que para falar sobre algo, mesmo que seja “apenas um livrinho de romance” existem todo o trabalho de embasamento histórico e pesquisa – do contrário é uma resenha, uma análise crítica ou qualquer outra coisa, menos resultado de um projeto bem sucedido de pesquisa histórica.
Indo além, é necessário quebrar preconceitos (e olha, isso é realmente difícil!), ver a obra com olhos de pesquisador – delimitar tempo e espaço, focar em questionamentos e testar resultados.
Todo humanista sabe e assume: nenhum conteúdo é cem por cento original e precisamos nos embasar em outros projetos e resultados de pesquisas e estudos para reforçar nossa argumentação. Afinal, somos nós mesmos (os tais pesquisadores) objetos de nosso próprio tempo, com nossa própria história, nossos objetivos e reflexo de nós mesmos e da sociedade no qual estamos inseridos. E como você já deve ter imaginado aqui: sim, precisamos nos enquadrar e os futuros historiadores nos verão também como autores e pesquisadores objetos de estudo e que optaram por isso por motivos diversos, cujo resultado foi a síntese e consequência disso tudo. (Mas isso é outro capítulo!)
E a perfeição é que isso nunca acaba!
Mas sim, quando você começa a se interessar por um autor ou obra você pode estar começando a entender os prazeres de estudar História e Literatura. Pode ser que seja fascinado também pela História da Literatura… mas aí é outro projeto, outra realidade, outra pesquisa.
O pesquisador que começa nunca é o mesmo pesquisador que termina. Não é também o pesquisador que lê o mesmo material após anos. Somos voláteis e isso interfere diretamente em nosso trabalho.
Fascinante, não?!