[Coluna] Fantasia Nacional, mas será que existe?

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Fala galera,

para essa semana eu queria começar contando para vocês que se essa coluna sair na data, vocês podem encaminhar as mensagens de agradecimento para a Domenica, que vai ter se superado na revisão.  Eu só posso me desculpar, porém explico:  Para um gênero que nem existe, não paravam de aparecer novos contos para ler no tema, mas me adianto… bem rapidinho.

A ideia dessa coluna surgiu inicialmente do Cabulosocast 115 “Existe uma Literatura Fantástica Nacional?” onde ao ouvir eu tive algumas reações.  A primeira era falar para o rádio “Calma Cara” repetidamente.  A segunda era discordar o tempo todo.  No que eu concordava com a afirmação, eu discordava do foco ou do tom.

Esse tema ainda cresceu mais em importância com duas publicações recentes (ocorridas no último domingo) trazendo alguns dos principais representantes do gênero no país publicando em jornais de grande circulação, pertencentes a dois dos maiores grupos de comunicação do país conforme links:

A tal da Santíssima Trindade da Fantasia Nacional (nos poupe)

Esses dois autores juntos ao André Vianco foram mencionados como tendo sido assunto de uma matéria que os classificava como a Santíssima Trindade da Fantasia Nacional.  A eles ainda juntaram a esposa do Draccon, e também escritora, Carolina Munhóz.  Nenhum deles nunca fez nenhuma afirmação semelhante, até onde eu sei, ou se colocaram de maneira superior a quem quer que seja ou se propuseram a isso.  Só o que fizeram foi o que qualquer autor deveria fazer, trabalhar (encarando a atividade como um todo, de escrever a divulgar, como um profissional).

De diferente eu vejo uma coisa sim: o carinho e cuidado com os fãs, fazendo com que eles se sintam parte disso tudo e não meros seguidores.  Spohr contou desde o começo com o que deve ser a melhor dupla de relações públicas já criada no reino nerd do país. Capturar-01 Carolina criou quase uma religião própria baseada em fadas com batismos, fãs levando presentes e conhecendo suas preferências atendendo sempre esses leitores com simpatia e tempo.  A quantidade de atenção oferecida a todos na internet é algo a ser reconhecido e me recordo dela mencionar que na reta final do livro novo sua rotina compreendia umas 7 horas de escrita e mais umas 7 horas de trabalho.  Sim, nesse tempo que ela usa se comunicando com os fãs ela podia estar fazendo qualquer outra coisa, mas não: está trabalhando. Significa que seja um sofrimento? Também não, mas ainda assim é trabalho e ela parece adorar cada segundo em seu emprego. Draccon tem em seu favor, além da atenção também dispensada aos fãs, seus trabalhos como editor e herda ainda parte de toda atenção sobre a Carolina, aparentemente mais pop (e isso não é algo ruim).  Vianco corre por fora com uma carreira mais longa e independente, sem contar sua fantástica história sobre a publicação do primeiro livro que, desde que ouvi pela primeira vez, me parece capaz de angariar grande quantidade de boa vontade arrebatando corações e mentes.

Nenhum deles me parece acreditar, ou estar disposto a montar, a santíssima trindade da fantasia (ou o Quarteto Fantástico se assim lhes parecer).  São sim relevantes na divulgação do estilo, trabalhadores e alegres. Visivelmente representantes de uma nova geração.  Talvez não sejam os melhores; certamente me parecem os mais visíveis e bons para serem embaixadores dessa nova geração, de certa forma.  E tem muita gente boa escrevendo fantasia por aí.

Já falei sobre a Carolina Munhóz e seu conto “Fui uma boa menina?” no passado (coluna de Natal, que você pode relembrar aqui) e mencionei os dois textos recentes do Draccon e Spohr publicados na imprensa.  Além disso, o Spohr ainda tem um conto publicado no seu universo angelical, intitulado “A Torre das Almas“. Até onde eu saiba, André Vianco não se aventurou nos contos ainda.

Se eles não são os únicos que estão por aí, quem mais está?

Se você não curte tanto as fadas da Carolina Munhóz (eu tenho uma menina de 4 anos falando que vai pintar o cabelo de roxo como o da Violet andando pela casa nesse momento) você ainda tem o excelente conto “O Cão” de Leonel Caldela apresentando fadas, de ambos os gêneros, mais belicosas, insensíveis, agressivas e incomodamente reais.  Em diversos momentos me lembraram o distanciamento dos elfos de Tolkien.

No ramo da Fantasia mais clássica (com cara de capa e espada) temos a nossa colunista Ana Lúcia Merege que, além de seus dois romances no universo do “O Castelo das Águias“, que foi seguido por “A Ilha dos Ossos“, ainda tem vários contos e noveletas expandindo esse universo.  Ainda não li todos, mas o destaque até aqui foi “A Encruzilhada” a meu ver.

Se aceitarmos um delicioso flerte com o terror e o medo, sugiro fortemente “A Maldição do Ang-Mbai Aiba” do Carlos Orsi, acredito que mais conhecido pelo seu trabalho na ficção científica, que escreveu uma obra curta, mas impactante.  Tenho certeza que agradará fãs de ambos os estilos.  Trema diante da fantasia nacional com terríveis elementos locais.

Elementos locais na fantasia também já foram apresentados aqui na coluna ao falar do polivalente e premiado Fábio Barreto.  No seu conto “A Invasora“, o autor confronta elementos da mitologia local com a bretã de maneira competente e assustadora em alguns momentos.  Esse conto está sendo relançado essa semana pelo autor com, entre outras coisas,  um preço bem atrativo.

A opinião desse colunista

Com a apresentação desses elementos da mitologia local incluída na Fantasia, queria oferecer meus vinte centavos a respeito da discussão do que seria Fantasia Nacional (afinal de contas essa é a função de uma coluna, senão era notícia).

A Fantasia Nacional pode apresentar elementos da mitologia local na sua composição.  Sob certos aspectos até me agrada que por vezes o faça, mas se o Neil Gaiman resolver escrever sobre lendas brasileiras isso não fará com que ela seja considerada Fantasia Nacional.  Por consequência, Fantasia Nacional me parece ser aquela criada por autores brasileiros ou radicados no Brasil.

Gosto do exemplo do quadrinho europeu e sua identidade bem pronunciada, facilmente reconhecível e distinta dos quadrinhos americanos.  No entanto, apesar de profundamente didático, ele é único.  Tente por um momento diferenciar a Fantasia americana da européia e você perceberá que a mesma distinção não parece tão simples.  Mesmo assim seria exagerado dizer que uma das cenas, ou a outra, é uma cópia, clichê, pastiche e/ou totalmente desnecessária da qual esperamos mais no futuro.

Estamos escrevendo e obras, melhores e piores, vão ser escritas mas acredito que tem espaço para todo mundo.  Se eu gosto mais das fadas do Caldela, minha filha gosta mais das Feéricas da Munhóz e não tem nada de errado com isso.  Tem espaço para todo mundo e esse espaço tem se fortalecido com o aumento da exposição da cena ao grande público.  Tem mais é que juntar todo mundo!

Quanto mais gente vendo livros, querendo ler, interagindo, comentando ou gritando, melhor!!!

O que eu posso dizer é o que eu sempre digo mesmo:
“Leia sempre, leia muito, leia tudo”

Abraços e até semana que vem com algo mais melodioso, ou não,

Rodrigo Fernandes

PS: Eu até ia falar sobre um fantástico conto urbano da Giulia Moon, mas essa é uma história muito especial para mim e merece uma coluna dedicada. Corram atrás do conto da autora mesmo assim.