Não é tão incomum ligar o ato sagrado da leitura, nosso momento de conexão – seja com mundos diferentes, histórias inconcebíveis, sentimentos escondidos nos mais profundos recônditos humanos ou simplesmente com uma ou outra aventura charmosa e impossível – com o ato sagrado (para alguns) de tomar uma boa xícara – ou caneca, para os mais calibrados ou profissionais – de café.
Também, pudera: Para quem não menospreza o poder desta nova classe de hidromel, conhece o poder de energizar advindo dos grãos escuros, perfeito para nos tornar despertos durante nosso horário noturno, um sem numero de vezes citado como o nosso horário de leitura, distante da loucura do horário matutino, que trás a luz, tão supervalorizada, mas que destrói a pele, o sono de beleza e a paz dos justos. É normal que o leitor sobreviva do descanso da noite para por em dia suas leituras, aventuras, pensamentos ou postagens fortuitas em blogs de literatura. E enquanto a pena – ou teclado, caneta, lápis, etc e etc – se torna nossa espada e a escrivaninha nosso escudo, o café toma a vez de nosso tônico, nossa poção de cura, nossas lágrimas de fênix.
Não é um recurso novo: F. Scott Fitzgerald e Ernest Hemingway eram devotos da santa bebida – entre uma ou outra garrafa de conhaque ou copo de marguerita – que acompanhavam em suas escritas poderosas. Inclusive o La Rotonde, um famoso café francês, estampando algumas páginas da escrita de Hemingway, demonstrava seu apreço pelos ambientes aconchegantes que sobreviviam da iguaria e de atrair turistas graças a boas bonificações a taxistas parisienses. Diversos outros autores famosos guardam citações a ambientes que lhes forneciam o clima certo e a bebida certa para que seus cérebros funcionassem. Honoré de Balzac, um dos fundadores do realismo na literatura moderna, foi dito como um glutão da bebida, tendo em seu currículo a ingestão de mais de 50 xicaras por dia, o que poderia ter o levado a óbito. Será? Exageros a parte, não se pode negar uma lista enorme de escritores que apreciam da bebida.
É, portanto, notável e claro apresentar o café como uma bebida de escritores, uma bebida e leitores, uma bebida de notívagos, mas principalmente, uma bebida daqueles que buscam eternamente uma maneira de ter seus sonhos acordados, apreciando a catarse de caçar seus dragões sem ter de incendiar colheres de prata. É na experiência do dia-a-dia – ou seria noite-a-noite? – que se derrubam as nossas paredes do que é conveniente ou possível; que nosso remendo de realidade se constrói na textura do papel, ou, hoje em dia, até mesmo silício; É durante nossa luta contra um sono imbatível que mais apreciamos os momentos do que fazemos na calada da noite, escrutinando as letras, juntando as formas, interpretando os sonhos que alguém ou nós mesmos projetamos.
Tudo isso, até que o sono chegue e nos vença, nos levando junto a Morpheus, o Homem da Areia, ele que nos pergunta “que sonho teve quando acordado”. E contaremos tudo enquanto nos aprouver.