[Coluna] Tirar Doce de Criança

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– Mas como eu vou dizer uma coisa dessas?

– Com a boca, pô.

– Mas com que cara?

– Com essa tua cara feia mesmo, ué. Máscara que não vai usar, né?

– Estou falando sério, será que pode me ajudar?

– É só treinar que você consegue, treine com tudo, com qualquer coisa que te perguntarem. Fale, não tenha vergonha. Quando chegar a hora, vai sair naturalmente.

– Certo… vou tentar isso, então.

– Tentar é o caramba! Ou faz ou não faz, não tem que tentar nada!

– Ok, vou fazer.

E fez. No começo envergonhado, depois mais desenvolto. Com o passar dos dias e das vezes que teve que fazer, foi ficando mais a vontade. Passou a vir como uma coisa natural. Não perdia a chance de fazê-lo em toda pergunta que recebesse.

– Está calor, não é?

– Temos uma elevação térmica em curso.

– Que dia bonito, não acha?

– O dia está esteticamente aprazível.

– Aquele cão de rua tem sarna, está vendo?

– Dá pra perceber uma irritação cutânea aguda.

Até que chegou o grande dia. Sentado à mesa, com centenas de repórteres de todos os veículos de comunicação mais importantes do país a sua frente. Ajustou o terno, limpou um pouco de suor que lhe escorria com o lenço. Tomou um gole de água de um copo alto e transparente. Não precisou esperar muito.

– Governador, estamos em um racionamento de água?

– Veja bem, passamos por uma restrição hídrica.

Seu coração nem palpitou mais rápido. Foi como tirar doce de criança.