[Coluna] Bernard Cornwell e os Vikings

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Olá leitores, quem vos fala é o Danton Brasil e hoje, atemporalmente, começaremos a produção da Coluna Pergaminhos, que iniciará chutando o pau da barraca. Vikings e Literatura seria um ótimo tema, cheio de abordagens, mas eu preferi algo ainda melhor. Algo que eu vivi (por assim dizer) e que mudou meu jeito de observar a história, como tema de abordagem e estudo e a história contada como ficção. Que é onde entra Bernard Cornwell e seu trabalho de uma vida. Podemos vir a falar das Crônicas de Artur, A procura do Graal ou então da Série gigantesca As aventuras de um soldado nas guerras napoleônicas, que teve o seu 11º volume publicado pela editora Record, porém, falaremos de sua série As crônicas Saxônicas, sua veracidade e contribuições, e é claro, uma boa dose de especulação sobre A SÉRIE QUE ESTÁ SENDO FILMADA SOBRE O LIVRO, emoções a parte, é claro.

Aqui você tem a musiquinha para ser ouvida durante a leitura deste post. [Esta melodia é a “Drømte mig en drøm i nat” considerada a mais antiga música escandinava já achada, proveniente do Runicus Codex, um manuscrito em pergaminho que data de amis ou menos 1300 d.C contendo primeiros textos da lei dinamarquesa a Skånske lov , ou lei Scanian. A tradução seria: Drømde mig en drøm i nat, hum silki ok ærlik Pael. “Eu sonhei um sonho ontem à noite, de seda e pele fina”]

Um bom início sempre é o começo, assim dizem milhões de pessoas, mas acredito eu que a desmistificação é o nosso pontapé pra frente aqui. Vamos debater a algumas coisas que a imagem popular dos vikings diz e que não condiz com a suposta “realidade” da galera.

Tópicos rápidos e fáceis e cheirosos

  • Os Vikings usavam capacetes com chifres: Vikings e outros guerreiros medievais nunca usavam capacetes com chifres – que não seria muito útil na batalha. No século 19 artistas escandinavos começaram a adicionar esses tipos de elmos à imagem de suas representações dos Vikings. Johnni Langer, pesquisador brasileiro (professor de História Medieval no departamento de História da UFMA, Universidade Federal do Maranhão, em São Luís), em seu “The origins of the imaginary viking”, esclarece o mito a partir da popular crença de que o maior medo dos vikings é de que o céu lhes caísse na cabeça, frase celebrada pelo personagem Asterix, o gaulês. Durante o Romantismo, artistas europeus, particularmente britânicos, passaram a pintar os nórdicos com o elmo cornudo, tornando a imagem consagrada (como muitas outras criadas pelos românticos, responsáveis por boa parte do imaginário popular moderno acerca do mundo antigo).
  • Os Vikings eram selvagens: Aliás, a um grande debate sobre quem realmente se chamava viking: o brutamontes selvagem e cheio de crimes ou o homem em busca de riquezas. Debate-se que quem ia, (na maioria das vezes) junto com os navios para invadir eram os melhores em batalha, deixando quem fosse menos apto ou precisasse “tomar conta da casa” para trás para arar a terra, cuidar das crianças e etc. Inclusive, segundo descrições Anglo-Saxãs, o vikings eram tidos como excessivamente limpos, pois seguiam a crença do banho semanal e do cuidado com o cabelo.
  • Os Vikings vieram da Dinamarca: Seria muito difícil afirmar isso. O fato, isto é, a informação mais aproximada possível do fato é que Os Vikings vieram de toda a Escandinávia, significando as regiões onde hoje existem a Dinamarca, Suíça, Finlândia e Noruega.
  • Os Vikings bebiam em crânios/usaram somente machados em combates: não. Nenhuma das crenças populares a respeito disto é verdade. Mesmo que filmes como Asterix e Obelix afirmem coisas assim, o mais provável é que eles bebiam de cornos vazios, um copo natural e usassem espadas, alguns tipos de martelo e adagas rápidas: depende de como o lutador seja. Até o Arco e flecha, amplamente usado na caça e até na pesca, foi usado pelos Vikings em batalha.

E só uma curiosidade para os famintos: Os Vikings foram os primeiros europeus a chegarem na América do Norte. E existem rumores de chegarem até no Brasil (embora nada tenha sido comprovado).

Mapa da Inglaterra da época Viking

Eliminada a névoa da dúvida e dos fatos errôneos, podemos seguir com nossa aventura. As crônicas Saxônicas (The Saxan Stories, em inglês) é composta por 8 livros, sendo apenas 7 publicados no Brasil até agora. Eles são O Último Reino, O Cavaleiro da Morte, Os Senhores do Norte, A canção da Espada, Terra em Chamas, Morte dos Reis, O Guerreiro Pagão e The Empty Throne, este último sem título ou previsão de lançamento na terra tupiniquim. A história gira em torno de Uhtred, um garoto anglo-saxão filho de um nobre, que, ao ter suas terras atacadas pelos invasores nórdicos perde o pai e é raptado. Por mostrar bravura e destemor, é aceito na comunidade viking e criado como um, acarretando uma grande afeição futura pelo povo, mesmo vindo a enfrenta-los em batalha depois. Em todos os momentos da leitura fantasticamente escrita por Cornwell, você percebe o quão profundamente ele estudou a respeito do assunto. bernard-cornwell-e1405099308987Sendo em primeira pessoa, isto é, é o próprio Uhtred em uma espécie de biografia apócrifa, conta sua vida e seus feitos, sendo bastante crítico e ácido, conversando deveras vezes com o leitor e criando reflexões. Diversas vezes achei que o fato dele aparentar estar velho e contar sua juventude era um fato que provaria que ele sobreviveu a tudo, mas, não cortou a apreensão de muitas cenas do livro. Ainda sentia-se o medo da morte (risos). Em todos os livros, após a conclusão, há a “Nota Histórica”, onde o autor fala abertamente sobre aonde ele fantasiou, aonde inventou e o que era real presente no livro. Para mim, um fã historiador, isto enriquece ao dobro a experiência do livro. Quase todos os nomes dos grandes comandantes Vikings são verídicos, juntamente com os fatos e as grandes batalhas marcantes e os divisores de águas da história. No início de cada livro, pode-se ver um mapa da Grã-Bretanha, com os principais lugares marcados e, wait for it, as terminologias. Eita nóis, está é a chave de ouro de toda a saga. Cornwell usa, e ainda usará por muito tempo, as terminologias provindas do anglo-saxão antigo, no que se refere a nomes próprios, de lugares, rios, cidades ou até povos. Ou seja, Londres é citada no livro inteiro como Lundene, e só no glossário inicial existe essa referência. Então, se você for o sabichão que não gosta de ler coisas como essa, irá perder bastante do suco histórico que esses livros possuem. Ainda temos também, em um dado momento do livro quando a presença nórdica já completa décadas de existência, a mistura das palavras, integração de palavras nórdicas ao inglês e vice-versa, com os devidos exemplos, como Sword, Horse, e por ai segue. Outo fator para esta série ser o máximo é: No Brasil, as versões (que não são a econômica) possuem a capa laminada e em Mosaico! Cada capa do Livro completa o desenho anterior, criando um mural fantástico. O sonho dos colecionadores.

Curiosidade: Na capa do Terra em Chamas, o volume 5, quem aparece é o nosso amigo meme Techno Viking! para quem não se lembra, aqui vai a comparação das imagens:

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Sem poder dar muitos spoilers, pois este seria um crime punível com a Águia de Sangue, o veredicto é: Recomendo a todos que os degustadores de história nórdica e inglesa, a leram a série inteira, do começo ao fim que ainda não chegou. Impressionantemente bem trabalhada nos mínimos detalhes históricos e ficcionais, inclusive no meu ponto principal, que é o Embate Religioso dentro da história. Uhtred, quando luta pelos Anglo-Saxões (não é spoiler gente, relaxa) ainda cultua a fé nórdica. Isto é, Thor, Odin, Freya, dentre outros enquanto que Wessex, junto com uma grande maioria sempre a crescer da população dos outros reinos é cristão. Ele é chamado de pagão, tido como o demônio e por aí vai. Toda a ideologia contida neste embate é de dar orgulho no leitor. As críticas do Uhtred da história presente e do Uhtred mais velho, enquanto narrador, são magníficas aos olhos das situações pro onde ele passa. Ele, por ser um pensador voltado para a guerra, sempre tinha combates quando tinha de armar planos junto com padres, que acreditavam na paz, essa paz que praticamente ninguém seguia. E você vai vendo, ao longo das narrativas, um Uhtred mais temeroso e afetado pelas crenças até uma cena incrível aonde ele decide usar dos dois tipos de fé para desmistificar uma tumba (hilária, ri horrores). Sem mais delongas, como professor, eu contaria e instigaria a um aluno meu a ler As crônicas visando aprender mais sobre o povo Viking. E seria um aprendizado com prazer, com romance.

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vikings-history-channelNão posso, mesmo fugindo delicadamente do tópico, deixar de falar da série do History Channel, chamada Vikings. Por alguns fatos interessantes, como a maioria dos nomes dos personagens e do uso das mitologias dos heróis vikings. Ragnar Lodbrok (ou Lothbrok) é um rei viking que foi responsável pelo início da era das navegações de seu povo, retratado no seriado desta maneira, e no livro como o pai adotivo de Uhtred, Ragnar o Intrépido. Os filhos (na mitologia) de Ragnar são: Bjorn Ironside, Ubba, Ivarr e Halfdan, os três primeiros sendo retratados desde crianças pelo seriado, enquanto que Ubba, Ivarr e Halfdan são generais vikings irmãos nos livros. Algumas características dos mesmos permanecem, como o fato de um problema de saúde de Ivarr se tornar seu subtítulo: “The Boneless” ou o “Sem-Ossos”. Vários personagens, ou seus nomes, são recorrentes nos livros das Crônicas e também aparecem no seriado, como Athelsthan, Rollo, Lagertha, dentre vários outros. Sem dúvida o seriado baseou-se em algumas coisas ditas nos livros, ambos bebendo diretamente da fonte das mitologias.

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E a cartada final é que os direitos televisivos da série estavam na mão da aclamada HBO, que, ocupada contando dinheiro arrecadado com Game of Thrones e não querendo produzir nada parecido, vendeu-os para a BBC e a linda emissora britânica os está produzindo. Com o nome de “The Last Kingdom”, e no formato de 60 minutos por episódio, o estúdio BBC Two, juntamente com a equipe responsável por Downton Abbey, estão, neste momento (talvez) a filmar em formato de minissérie. Até a lista dos atores já foi divulgada, sem personagens sendo citados. Enfim, terei de sacrificar touros a Odin e aves a Thor para manter as esperanças ativas. E, para finalizar com martelo de ouro este post, lhes conto que, o último rei pagão nórdico se chamava Harald Bluetooth, e pelo seu incrível sistema de comunicação por Runas, aonde conseguia se comunicar com diversos frontes de um exército, mesmo este sendo separado por longas distancias, teve batizado uma tecnologia em seu nome. Alguém ai conhece o Bluetooth? Este mesmo. Foi batizado em nome do rei dinamarquês que trouxe a cristandade aos vikings. Enfim, espero que tenham gostado da estreia da Pergaminhos, desejo a todos uma boa batalha e um breve nos encontraremos em Valhalla a desfrutar dos prazeres da além vida.

Bibliografia e Referências

http://www.vikinganswerlady.com/audio/DromteMigEnDrom.wav – música viking

http://nibelungsalliance.blogspot.com.br/2013/02/musica-era-viking.html – música texto

http://www.seriemaniacos.tv/o-ultimo-reino-de-bernard-cornwell-vai-virar-minisserie-pela-bbc/ – notícia

http://tavernadobardo.com.br/2014/11/25/revelado-o-elenco-da-serie-de-cronicas-saxonicas-o-ultimo-reino-de-bernard-cornwell/ – casting

http://www.visitdenmark.com.br/pt-br/dinamarca/cultura/vikings-fatos-e-mitos

http://www.bernardcornwell.net/ – site do cornwell