Quem explica a razão da nossa tendência de individualizar a dor? Ou nossa disposição em tentar soar diferente de quem nos é semelhante? De quem carrega os mesmos problemas.
A Flavinha era uma pessoa com diferentes personalidades, diziam os mais próximos. Ela ocasionalmente era mais extrovertida na presença de seus colegas de trabalho, nas saídas para as festas e era a alegria dos aniversários, mas demasiadamente solitária. Começou a se relacionar com Otavinho, de semblante parecido. A afinidade virtual era gigante, mas com um agravante: ambos eram parecidos demais. Encontraram-se num aniversário de um amigo em comum. Ficaram desviando os olhares por alguns minutos, antes de finalmente se cumprimentarem.
– Oi, tudo bom?
– Tudo, e você?
– Tudo bem.
– Ah, legal.
– Sim. Bem, eu vou ali falar com a Jê. Nos falamos depois.
– Beleza.
Voltaram a se falar na internet. De alguma forma, a facilidade era muito maior. A entrega, igualmente. Podiam ser eles mesmos. A presença física pode ser perturbadora, em determinadas situações.
Atualmente, Flavinha e Otavinho namoram, mas não se vêem pessoalmente desde aquela festa. São outros tempos, contam os amigos.
Da série “Rapidinha”:
(Inspiração)
Procuro pensar onde foi que a perdi. Talvez nos olhos da Sônia. Ou na boca da Flávia. Nos poemas sobre Beth, quem sabe. Saí pelas ruas à sua procura. Não estava nos botecos que freqüento, nem nos restaurantes, muito menos nos cinemas. Busquei na felicidade, nunca apareceu por lá. A tristeza disse que não a vê há algum tempo. Meu catálogo de filmes e livros seria um lugar óbvio demais. Preciso encontrá-la, mas ela é metamorfa. Quem dirá como se parece. Como é seu cheiro ou seu gosto. Minha última saída é escrever até achá-la novamente, possuí-la e não deixá-la mais. Espero que seja o bastante.