[Resenha] Um Cântico para Leibowitz – Walter M. Miller Jr.

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Após ter sido quase aniquilada por um holocausto nuclear, a humanidade mergulha em desolação e obscurantismo, assombrada pela herança atômica e pelo vazio de uma civilização perdida. Os anos de loucura e violência que se seguiram ao Dilúvio de Fogo arrasaram o conhecimento acumulado por milênios. A ciência, causadora de todos os males, só encontrará abrigo na Ordem Albertina de São Leibowitz, cujos monges se dedicam a recolher e preservar os vestígios de uma cultura agora esquecida. Seiscentos anos depois da catástrofe, na aridez do deserto de Utah, o inusitado encontro de um jovem noviço com um velho peregrino guarda uma surpreendente descoberta, um elo frágil com o século 20. Um foco de luz sobre um mundo de trevas. Cobrindo mil e oitocentos anos de história futura, “Um cântico para Leibowitz” narra a perturbadora epopeia de uma ordem religiosa para salvar o saber humano. Marco da literatura distópica e pós-apocalíptica, vencedor do prêmio Hugo de 1961, este clássico atemporal é considerado uma das obras de ficção científica mais importantes de seu tempo.

Um Cântico para Leibowitz não é a história de Leibowitz. Tampouco é a história de Francis, Thon Taddeo ou Zerchi. Cântico é a história da humanidade e da agressividade inerente à nossa espécie, que uma vez fora de controle pode levar à destruição de toda civilização. Mais de uma vez. Essa narrativa de sobrevivência, preservação e renascimento nos é apresentada pelos olhos dos membros do Mosteiro de São Leibowitz, uma ordem monástica que se dedicou a recolher, copiar e guardar todo conhecimento humano que pudesse após a grande destruição do Dilúvio de Fogo e a intencional eliminação da ciência no evento conhecido com a Simplificação.

capa_canticoTal narrativa é apresentada em três momentos, o primeiro, Fiat Homo, se passa seiscentos anos após o Dilúvio de Fogo, e nos mostra o irmão Francis fazendo uma descoberta incrível após encontrar um velho peregrino no deserto: documentos preservados num abrigo anti-nuclear que contém indícios do conhecimento científico perdido. Nessa era a humanidade vive uma nova Idade das Trevas.

Se a primeira parte representa uma era de esquecimento e violência, a segunda, Fiat Lux, é como o Iluminismo, com estudiosos e cientistas se debruçando com afinco sobre o que restou da documentação dos antigos para reconstruir as coisas como eram. Interessante observar que, ao ler as duas primeiras partes do livro, não parece que estamos lendo uma ficção científica. Isso porque as cenas se passam todas em volta do mosteiro, e a sociedade fora de seus muros é medieval, pobre e cruel. Até esse ponto lemos um livro de ficção passado numa realidade alternativa onde uma guerra nuclear causou grande devastação. Ficção sim, mas não científica, visto que isso é possível hoje, assim como era possível em 1960, quando o livro foi escrito.

Apenas quando chegamos à parte 3, Fiat Voluntas Tua, vemos um cenário sci-fi. Nesse momento há computadores, tecnologia e até mesmo exploração de outros planetas num nível que estamos longe de chegar nos dias atuais. Ainda assim esse não é o foco do autor. Na verdade, não passa do cenário. O grande tema do Cântico é sobre a sede de poder e a brutalidade de nossa espécie, que chega ao extremo de repetir atos de estupidez absurdos, mesmo sabendo no que esses mesmos atos resultaram milênios atrás.

A escrita de Miller Jr. é agradável, detalha as situações e eventos na medida certa, sem se tornar maçante ou cansativa. Ele faz uso intenso do latim, o que pode incomodar alguns, mas que é totalmente coerente com o conteúdo, pois estamos sempre entre as paredes de um mosteiro, e a edição da Aleph contorna o que poderia ser um obstáculo, apresentando ao final um ótimo glossário e lista de frases no antigo idioma.

20141202_223104O que me agradou bastante foi a habilidade do autor em passar verossimilhança em seu relato. Como cada parte do livro acontece com um intervalo de mais ou menos 600 anos, eventos aparentemente de pouca consequência ganham um significado muito maior depois. Por exemplo, um personagem chamado de tolo na primeira parte, na segunda é referido como venerável, e objetos banais na segunda parte são tidos como relíquias na terceira. Em uma sociedade em que os registros são feitos todos por monges, que tem uma tendência a embelezar e enfeitar, isso é muito apropriado.

Mas além desses elementos de ligação, existe outro muito mais forte e  misterioso. O peregrino, o velho judeu. Esse personagem aparece nas três partes do livro, e é, ao que tudo indica, apenas um humano, sempre descrito como muito velho. Mas sua importância para a história diminui: ao mesmo momento que é vital na parte um, é apenas interessante na parte dois e quase inútil na parte três.
Confesso um desapontamento com a obra nesse quesito. Eu esperava um fim digno para o velho, não que seu mistério fosse verbalmente explicado, mas que ao menos houvesse uma atenção maior ao personagem no final da obra. Essa sensação foi um tanto quanto mitigada quando li sobre o Judeu Errante, que é uma explicação interessante para o personagem, mas ainda me incomoda o fato de eu só ter ficado satisfeito com ele após ter pesquisado a respeito. Ainda assim, esse é um quesito que enriquece muito o todo, e adiciona uma sútil camada de fantasia oculta num enigma.

Ao final da leitura, Cântico se provou um livro muito rico, detalhado, bem escrito e que me proporcionou horas de uma leitura bastante imersiva, uma combinação que resultou numa obra muito boa, enriquecida pelo trabalho gráfico impecável da Aleph, capa com sensação emborrachada e ilustração que remete ao conteúdo da obra, além do material extra. Recomendo!

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4,5 Selos Cabulosos

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Ficou interessado(a)? Então compre o livro:

Editora: Aleph
Autor: Walter M. Miller Jr.
Origem: Estrangeira
Título original: A Canticle for Leibowitz
Ano: 2014
Número de páginas: 400
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