[Devaneios] Jantar Falho em Oito Atos

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Cena 1 (Dia difícil)

Sábado, 08:00 da noite, ônibus de São Paulo para Sorocaba. O marido retorna de um inesperado (e cansativo) dia de trabalho, e conversa com a esposa pelo WhatsApp.

Marido: Seu dia foi chato né?

Esposa: Sim, fiquei aqui sozinha.

Marido: Vamos comer fora para tentar salvar o que resta do dia?

 

Cena 2 (Balbúrdia no Japonês)

O casal chega num restaurante japonês. Ambos ansiosos por uma comida boa e leve e algum tempo de diversão. São mandados para o andar de cima, onde há uma mesa de dois lugares na varanda. Gritos de criança se ouvem ao fundo.

Esposa: Vamos pedir rodízio?

Marido: Vamos sim. Dois rodízios por favor.

Duas meninas e um menino passam correndo e gritando. Quase trombam no garçom. A comida chega. A cada mordida as crianças repetem a correria e a bagunça. Pequenos pés batendo no chão com força e gritos agudos de alegria.

Esposa: Que saco essas crianças, não tem pais não?

Marido: Tem, e parece que não querem nem saber. Deixa eu ver isso.

 

Cena 3 (Primeiro Erro)

O marido vai até a mesa dos pais, movido pela sua velha mania de não enxergar mal em ninguém, e dirige-se ao homem.

Marido: Senhor, desculpe incomodar, mas suas crianças estão correndo e fazendo muito barulho, está ficando um jantar desagradável.

Homem: Tudo bem.

Ao retornar à mesa, nota que ambos não fazem nada. Em poucos minutos a balbúrdia recomeça. O marido reclama ao garçom e pede para ser trocado para uma mesa embaixo, se houver.

 

Cena 4 (Provocações de Criança)

As crianças, agora cientes de que reclamaram delas, começam a perturbar de propósito. Para elas é um jogo, uma brincadeira que não entendem, uma diversão que não concebem ser errada ou incômoda, visto que o pai não as educa.

Sobem na mesa atrás e começam a fazer caras e bocas. Passam andando muito devagar e quando os olhos se encontram com o casal saem correndo. Em certo momento derrubam as coisas de uma mesa vaga, fazendo grande barulho.

Marido: Tá difícil. Tô perdendo a fome.

Esposa: Eu já perdi. A gente vem relaxar, descansar, e tem que passar por isso.

 

Cena 5 (Segundo Erro)

Na mesa de trás, o marido escuta as moças também requisitando uma mesa na parte de baixo. Não há vagas. O desconforto de todos é visível. O marido, cansado pra caramba pelo sábado que passou trabalhando, já se encontra estressado com a situação além do normal. Quando as garotas passam novamente e ficam o encarando, as interpela.

Marido: Que vocês querem aqui?

Menina: Nada, a gente tá só….

Marido: Estão fazendo muito barulho, tá incomodando.

Elas saem correndo de imediato. Ouve-se risos. Para elas é apenas o jogo que continua.

 

Cena 6 (O Boçal)

O homem se levanta e vem, dedo em riste, inconformado e irado pela situação injusta a que ele e sua família são submetidos. Aos seus olhos. E só aos seus.

Homem: Quem você pensa que é pra ficar falando com minhas filhas? Não quer barulho vá procurar um restaurante que não aceita crianças!

Marido: Você que eduque as suas pra não ficar fazendo bagunça.

Homem: Cala a boca, vou quebrar sua cara!

Esposa: Seu sem educação, cala a boca você!

Homem: Não estou falando com…

O marido se levanta e se coloca em frente ao homem, que investe contra sua esposa.

Homem: Não encosta em mim!

Marido: Tô defendendo minha esposa, você que está agressivo!

Os garçons intervem e a confusão se desfaz. O homem volta para sua mesa sob gritos que pontuam sua clara falta de educação e respeito.

 

Cena 7 (Fim de Noite)

Já no andar de baixo, o gerente conversa com o casal:

Gerente: Fomos falar com ele, mas ele não fazia nada. Não estava nem ai pra bagunça dos filhos, um cara muito metido.

Marido: Pois é, um imbecil. Que vá criando as crianças sem limites que vai ver o que é bom pra tosse no futuro. E o cara ainda é japonês. Me espanta não dar a mínima pro conceito de Karma.

Gerente: Mas gente, tem mesa aqui embaixo agora, não querem se sentar e terminar de comer?

Marido: Não, perdemos o apetite mesmo. Tem certeza que vai cobrar só as bebidas? Não é culpa do restaurante, e nós consumimos.

Gerente: Não, só as bebidas mesmo, fique tranquilo.

 

Cena 8 (Conclusão)

O casal vai até o carro. O marido olha para cima e vê as duas meninas, que param de correr e passam a os observar, meio escondidas. Hoje meras crianças, se divertindo de modo que talvez nem entendam ser errado, sob a proteção do pai.

O marido balança a cabeça e suspira, abraçando a mulher, enquanto se aproximam do veículo.

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