A primeira coisa que quem está fora de Florianópolis pergunta no atual cenário é: o que está acontecendo por aí? A resposta (honesta) é na mesma linha: não temos a mínima idéia. Eu tentei pensar em diversas maneiras de começar uma crônica sobre o que de fato está ocorrendo por aqui, mas estou tão perdido quanto o governador em exercício. Em 2012, a nossa perspectiva era bem mais clara: os incendiários dos ônibus queriam passar o recado de que presidiários estavam sendo mal tratados em São Pedro de Alcântara e outras penitenciárias. Vídeos com cenários cruéis e desumanos protagonizados por agentes do DEAP foram espalhados pelos quatro cantos do país.
Em toda a situação com reféns, os criminosos possuem exigências e um pano de fundo que culmina naquele cenário, mas essa negociação com os catarinenses permanece nebulosa. Não é algo simples de ser resolvido, mas extremamente estrutural. Na nova onda de ataques em SC, tudo aponta que o estopim foi um confronto truculento entre os militares com criminosos, que vitimou duas pessoas. A partir daí, o discurso varia no diagnóstico da causa: do lado da segurança, as ações policiais seriam tão efetivas contra o tráfico de drogas que estariam matando a principal economia do crime; por outro lado, os membros do tal PGC (a facção que estaria ordenando os ataques) justificam os atentados pela brutalidade que continua assolando presos dos presídios de São Pedro e Criciúma, além de que os policiais estariam indo para confrontos com bandidos com o único propósito de matar. A indicação é a de que o salve geral foi resultado do acúmulo de ódio dos delituosos.
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O incendiário acaba produzindo o seu recado através da única coisa que conhece: a tragédia. É a sua única forma de ser ouvido. São como homens-bombas catarinenses, mas sem o martírio ou a promessa de cem virgens. Simpatizo com o que Jabor ousou escrever na fictícia entrevista com Marcola:
– Vocês é que têm medo de morrer, eu não. Aliás, aqui na cadeia vocês não podem entrar e me matar… mas eu posso mandar matar vocês lá fora… Somos homens-bomba. Na favela tem 100 mil homens-bomba… Estamos no centro do “Insolúvel”, mesmo… Vocês no bem e eu no mal e, no meio, a fronteira da morte, a única fronteira. Já somos uma outra espécie, já somos outros bichos, diferentes de vocês. A morte para vocês é um drama cristão numa cama, no ataque do coração… A morte para nós é o “presunto” diário, desovado numa vala…
No mundo do crime, afinal, o drama é intrínseco à realidade. Sabem que só podem ser ouvidos no noticiário em ações violentas. Foi a solução encontrada. Os xiitas muçulmanos chegaram ao mesmo raciocínio dezenas de anos atrás: a comoção internacional com homens-bombas desencadearia primeiro numa interpretação sobre as razões que levaram aquelas pessoas a fazerem aquilo; assim, a humanidade conheceria seus ensinamentos e seu corão.
Resta-nos raciocinar sobre ações a longo-prazo e urgência, principalmente em épocas tão importantes para o cenário nacional como a que estamos vivendo. O que acontecerá a partir daqui. Aonde iremos? Como o Plínio Arruda Sampaio discorreu em seu último debate como candidato à presidência, o jovem não deve ter medo de compreender o presente e antecipar o futuro. Se o futuro não é mais uma promessa, mas uma ameaça, citando Palahniuk, o nosso dever seria justamente tratar as raízes dos problemas, não mais as conseqüências.
Poderíamos ficar horas escrevendo e debatendo sobre quais ações para prender os responsáveis aos atentados às casas dos policiais militares e ônibus de Santa Catarina deveriam ser utilizadas, mas seria em vão. Retornaremos à situações similares, enquanto houver uma política que prioriza a repressão em troca do aparato social. Uma política que privilegia o tratamento de viciados como criminosos e onde a reabilitação é vista com má fé. As urgências, superficialmente, talvez corresponderiam ao acréscimo de presídios, mas com treinamento aos agentes penitenciários e orientação. Se a reabilitação é inexistente, o Estado é o culpado. A União, idem. De acordo com a Presidenta Dilma, a solução seria uma integração única de segurança entre os Estados, o Governo chamar a responsabilidade. É uma ideia, mas que ainda precisa ser lapidada.
No atual gerenciamento de crise em Santa Catarina, bem, não há um gerenciamento de crise. Existem forças unidas para oprimir os autores dos atentados, mas sem uma solução mais definitiva. A solução temporária há alguns anos foi separar os presos com maiores contatos para outros presídios de segurança máxima do país. Não deu certo. Os ataques voltaram outras duas vezes. A solução a longo prazo talvez seja a descriminalização, o combate ao tráfico de drogas onde mais dói: no bolso, além de uma política social muito mais reabilitadora; mas se continuarmos considerando candidatos como Eduardo Jorge e Luciana Genro como utopia, nós não chegaremos a lugar algum. O debate para Governador de SC mostrou, recentemente, que todos acham que deveríamos investir mais em segurança pública e aumentar o contingente. Porém, nenhum pensa em como reabilitar socialmente presidiários ou em novas políticas sociais. A opressão é a única alternativa.
Em nossa realidade, o nosso conceito de liberdade ainda é distorcido. Se vai até onde a lei permite ir. Já vimos casos bem sintomáticos na televisão que só acrescentam à sentença. Acredito ser por isso que nosso gerenciamento de crise ainda parece tão precário em situações como essa. Utilizamos todas as saídas mais fáceis. As maiores curvas são muito mais distantes. No caótico transporte público de Florianópolis, por exemplo, o Sintraturb apenas realiza decisões que refletem no controle do tráfego das saídas dos ônibus do terminal. 150 pessoas esperando por um ônibus de 36 lugares, uma confusão esperada, mas que ainda se intensifica pela maneira como os motoristas agem, pela falta de treinamento em casos como o da semana passada. Não existe um raciocínio mais amplo.
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No discurso que Mujica fez na ONU, no ano passado, ele destacou que o hoje real nasceu das cinzas férteis do ontem. Erramos muitas vezes ao tentar compreender ações criminosas que acontecem não só em Santa Catarina, mas no Brasil. A hora agora é a de fomentar discussões para as próximas décadas, não apenas remendar as seqüelas. E assim, quem sabe, o governo não se torne refém do que ele mesmo produziu.