[Devaneios] A Multiplicação dos Peixes

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Eu sempre achei que no dia em que encontrasse uma quantia considerável de dinheiro ficaria muito feliz. E quem não ficaria? Todo mundo gostaria de olhar pra baixo sem compromisso e ver um rolinho de notas perdido, esperando o primeiro sortudo que passasse fazê-lo seu. Foi o que me aconteceu, só não era um rolinho. Ainda não tive tanta sorte assim.

O carrinho de compras deu uma enroscada ao sair da esteira rolante. Foi quando minha esposa olhou para baixo e viu os peixes nos encarando de volta. Abaixei-me e os peguei, guardando-os no bolso sem olhar quantos eram. Ela foi até a farmácia que ficava em frente à esteira e eu aguardei, discretamente tirando as notas do bolso e contando. De início achara que eram dois, mas na verdade eram três. Três peixinhos verdes. Trezentos mangos.

Não soube muito bem o que sentir. Era óbvio que fiquei animado, não é todo dia que uma coisa assim acontece. O máximo que eu havia encontrado antes foram quarenta reais, o que já foi muito bom. Trezentos beirava o surreal. Mas aos poucos a culpa se entrelaçou à animação deixando na boca um sabor agridoce. Alguém no mercado acima derrubou essa grana, sem dúvida o dinheiro da compra.

Enquanto aguardava prestei muita atenção em quem passava por ali. Se alguém parecesse agitado, desesperado ou procurando algo eu perguntaria o que houve, e caso fosse esse o perdedor do dinheiro, devolveria. Sinceramente, teria sido um alívio. E não havia outra forma de devolver o dinheiro a não ser avistando o azarado procurando. Mesmo porque se perguntasse às pessoas se perderam algo surgiriam múltiplos donos. Decido então partilhar meu dilema ético no Twitter e as repostas que chegam são: “pega e vai embora”, “deposita na minha conta” e “azar de quem perdeu”. A segunda está fora de cogitação, óbvio. As demais são, na verdade, a única opção disponível.

Nesse momento surge um homem correndo esbaforido, acompanhado de duas mulheres. Elas descem as esteiras voando e eu o interpelo para saber o que houve. Quem sabe foram eles os perdedores. Ele me responde que ao que tudo indica o carro deles havia sido roubado e desce também. Minutos depois ele sobe rindo, e me diz que a motorista havia estacionado no outro piso. Tudo um grande mal entendido.

Passados alguns minutos minha esposa sai da farmácia e nos dirigimos ao estacionamento onde o carro ficou no lava rápido. Eu já me encontrava mais conformado com a situação e começava a questionar minha sanidade. Se sentir conformado em encontrar uma pequena bolada é no mínimo um tanto controverso.

No caixa do lava rápido tento pagar pelo serviço no débito mas ao digitar minha senha a máquina coloca um monte de asteriscos a mais. O caixa tenta passar de novo mas agora ela trava logo ao digitar o valor. Tentamos de novo sem sucesso. Na falta de opção passo uma das notas que encontrei na esteira. É, talvez fosse mesmo pra eu as ter encontrado.

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