Vi a versão americana do filme Os homens que não amavam as mulheres por indicação de amigos e professores da faculdade que disseram que eu precisava ver esse filme, porque lembraram de mim com a personagem Lisbeth Salander, eu assisti e fiquei apaixonada pela trama, bem como pela tal personagem Lisbeth, “introvertida, socialmente limitada, ausência de empatia, egocêntrica, comportamento psicopata e anti-social, dificuldades de colaboração e aprendizado.” e resolvi que precisava ler a trilogia antes de morrer, ou viveria em tormento eterno por não me permitir o prazer de uma leitura dessas. Então, minha amiga Serena me presenteou com o box publicado pela Ed. Companhia das Letras e assim que bateu a vontade li o primeiro volume. [Não posso deixar de dizer que antes já tinha visto também a versão original do filme, que é sueco, e meus pontos com a obra só aumentaram]…
Edição: 4
Editora: Compainha das Letras
ISBN: 9788535920024
Ano: 2011
Páginas: 528
Tradutor: Paulo Neves
Primeiro volume de trilogia cult de mistério que se tornou fenômeno mundial de vendas, Os homens que não amavam as mulheres traz uma dupla irresistível de protagonistas-detetives: o jornalista Mikael Blomkvist e a genial e perturbada hacker Lisbeth Salander. Juntos eles desvelam uma trama verdadeiramente escabrosa envolvendo a elite sueca.
Os homens que não amavam as mulheres é um enigma a portas fechadas – passa-se na circunvizinhança de uma ilha. Em 1966, Harriet Vanger, jovem herdeira de um império industrial, some sem deixar vestígios. No dia de seu desaparecimento, fechara-se o acesso à ilha onde ela e diversos membros de sua extensa família se encontravam. Desde então, a cada ano, Henrik Vanger, o veelho patriarca do clã, recebe uma flor emoldurada – o mesmo presente que Harriet lhe dava, até desaparecer. Ou ser morta. Pois Henrik está convencido de que ela foi assassinada. E que um Vanger a matou.
Quase quarenta anos depois o industrial contrata o jornalista Mikael Blomkvist para conduzir uma investigação particular. Mikael, que acabara de ser condenado por difamação contra o financista Wennerström, preocupa-se com a crise de credibilidade que atinge sua revista, a Millennium. Henrik lhe oferece proteção para a Millennium e provas contra Wennerström, se o jornalista consentir em investigar o assassinato de Harriet. Mikael descobre que suas inquirições não são bem-vindas pela família Vanger. E que muitos querem vê-lo pelas costas. De preferência, morto. Com o auxílio de Lisbeth Salander, que conta com uma mente infatigável para a busca de dados – de preferência, os mais sórdidos -, ele logo percebe que a trilha de segredos e perversidades do clã industrial recua até muito antes do desaparecimento ou morte de Harriet. E segue até muito depois…. até um momento presente, desconfortavelmente presente
Pois bem. Escrito por Stieg Larsson, Os homens que não amavam as mulheres traz um assunto importante inserido [inicialmente] de maneira sutil dentro de uma trama de suspense de arrepiar os pelinhos da nuca, não por ser de terror, mas pela densidade cheia de suspense e adrenalina, ao ponto de fazer com que um livro de 522 páginas seja lido de forma frenética…
Somos apresentados a Mikael Blomkvist, um jornalista sueco que estava sendo processado e julgado por uma matéria publicada em sua revista que ‘difamou’ um importante homem de negócios, que estava envolvido aparentemente em várias falcatruas das quais Blomkvist não poderia provar de imediato. Ele é dono da revista Millennium, sócio com uma amiga e amante, Erika, em que o marido desta sabe da relação extra-conjugal da mulher e não intervém. Anteriormente somos direcionados à ilha de Hedeby, onde um importante membro da família Vanger, recebe mais uma flor de um remetente misterioso. Todos os anos em sua data de aniversário, ele recebe seu presente, como fazia sua sobrinha adolescente Harriet antes de desaparecer. O que houve com Harriet há mais de 30 anos permanece um mistério, mistério esse que vai unir os destinos de Mikael e Henrik Vanger…
Por causa de vários problemas com a imprensa e Justiça, Mikael acaba trabalhando para Henrik procurando pistas sobre o sumiço de Harriet, a quem seu tio Henrik acha que foi assassinada. Ele não quer morrer antes de saber do paradeiro dela, e Mikael é quem o ajuda nas investigações… Em paralelo, conhecemos a personagem feminina mais forte, misteriosa, linda, inteligente e perturbadora da literatura contemporânea [ao menos pra mim]: Lisbeth Salander. Uma jovem estranha, com síndrome de Asperger, de aparência completamente fora dos padrões ‘aceitáveis’, problemática e… hacker.
“uma jovem pálida, de uma magreza anoréxica, com cabelos quase raspados e piercing no nariz e nas sobrancelhas. Tinha a tatuagem de uma vespa no pescoço e uma faixa tatuada ao redor do bíceps do braço esquerdo. Nas poucas vezes em que Lisbeth usara uma regata, Armanskji constatara que ela também tinha uma tatuagem maior na omoplata, representando um dragão. Originalmente ruiva, tingira os cabelos de preto. Parecia estar chegando de uma semana de farra na companhia de uma banda de heavy-metal.”
Lisbeth também se vê envolta na vida de Mikael Blomkvist depois de uma série de acontecimentos sobre a investigação de sua vida, e é a pessoa mais adequada para ajudar o jornalista, não apenas no escândalo da revista mas com a busca pelo paradeiro de Harriet Vanger, e é com a aparição dessa mulher incrível que vemos o palco do livro se descortinar e mostrar o plano de fundo de uma verdadeira crítica de Larsson à sociedade: os homens que odeiam [a ponto de matar] as mulheres. Sim, o livro é sobre pura misoginia. Larsson dá mostras do que os homens violentos são capazes de fazer com as mulheres… Mesmo Blonkvist não é dos melhores exemplos no tratamento que dispensa às mulheres de sua vida… Um casamento fracassado, pouca atenção a sua filha, envolve-se com uma das suspeitas da família Vanger, até com a própria Lisbeth…
Com a conta no vermelho por causa do escândalo com o empresário Wennerstörm, sem poder publicar nada na revista enquanto a turbulência não passar, Blomkvist vê na bolada de dinheiro oferecida por Henrik a chance de reerguer-se economicamente. Sem poder falar sobre sua real estadia na ilha Hedeby, pois a família Vanger é suspeita da suposta morte de Harriet, ele finge estar escrevendo uma biografia sobre o rico industrial que o contratou através de um advogado, Dirch Frode, que é o ‘patrão’ de Lisbeth e que faz a ‘ponte’ entre os protagonistas… Além do desaparecimento de Harriet, Lisbeth ainda o ajuda à parte com o caso Wennerstörm…
Vários casos de desaparecimento que ocorreram naquela região da Suécia se entremeiam com o sumiço de Harriet. Teria sido ela mais uma vítima em potencial de um assassino cruel de mulheres? Entre as pistas encontradas, até versículos da Bíblia são peças-chave para desvendar o mistérios. Além do caso investigado, surgem os problemas de Lisbeth com seu novo tutor, e a forma violenta e asquerosa com que ele trata a garota ‘cheia de piercings e tatuagem de dragão’ deixa o leitor de estômago revirado e com ânsias de esganar o violador…
A meu ver, a obra de Larsson não se resume a um suspense policial em que uma dupla de ‘investigadores’ procura uma pessoa desaparecida, tampouco se resume a um livro de escândalos sobre a política e negócios escusos. Os homens que não amavam as mulheres se entrega já no título, é um livro sobre a forma como milhares de mulheres são destratadas, violentadas, espancadas e mortas por uma sociedade misógina, patriarcal, em que a mulher é relegada a papel secundário pelo simples fato de pertencer ao ‘sexo frágil’. Lisbeth, uma garota de vinte e poucos anos, miúda, soturna, de envolvimento social praticamente inexistente, cheia de piercings e tatuagens pelo corpo, com uma magreza exagerada e arredia e passado misterioso, desafia os padrões da sociedade não apenas pela aparência, mas também pela inteligência subestimada…
Blonkvist é o típico jornalista que procura sobreviver em meio ao caos jornalístico denunciando os mais podres casos de corrupção no país. Reflete algo de seu criador, pois Stieg Larsson foi um ativista político e jornalista muito perseguido pelas ‘mãos poderosas e corruptas’ da Suécia. Denunciou nazistas, neofascistas, arriscou sua vida escrevendo e criticando organizações grandes e poderosas, recebendo inclusive ameaças de morte. Aos 54 anos, faleceu de ataque cardíaco, pouco depois de terminar a trilogia Millennium, que além de Os homens que não amavam as mulheres, é composto também por A menina que brincava com fogo e A rainha do castelo de Ar [lerei ambos em breve]. É co-autor de um livro sobre a extrema direita na Suécia, intitulado Extremhögern.
Mas voltando ao livro, o que dizer de sua escrita? Detalhista, intrigante. Larsson deixa algumas pontas soltas que terão explicação nos volumes seguintes. Apesar da grossura do livro, a leitura não me cansou, e as descrições dos personagens da família Vanger, que são suspeitos do sumiço de Harriet, são bem distintos, não se confundem na leitura. O autor conseguiu misturar elementos fortes e interessantes na história sem perder o ‘fio da meada’. É possível sentir empatia por Lisbeth logo de cara, raiva crescente de alguns membros da rica família Vanger e a cada capítulo, mais trechos do mistério são revelados…
Não vou contar o desfecho porque isso fica a cargo de vocês, que devem ler a obra e se encantar [como eu me encantei] por essa história tão fantástica e impressionante. Estou adjetivando demais, sei disso, mas é impossível falar de um livro tão bom sem me empolgar…
Quanto aos filmes posso garantir que ambas foram excelentes adaptações. Mas a versão sueca foi melhor que a americana, se for pra fazer uma comparação ligeira… As atrizes que interpretaram Salander deram um show à parte, mostrando uma Lisbeth distinta uma da outra mas sem perder a essência da personagem do livro… Mas, por questões de identificação, ainda prefiro a americana Rooney Mara. Mas Noomi Rapace também está perfeita no papel…
Nem vou me estender falando sobre os filmes pois o post ficaria gigantesco, mas deixo a recomendação aqui a vocês. Leiam a trilogia, assistam os filmes na versão sueca e o primeiro [até agora lançado] da versão americana. É um suspense policial de tirar o fôlego, e você não vai querer passar a vida na Terra sem conferir essa obra…
NOTA