Como era aquela música? “Não deixa a tensão morrer, não deixa ela acabar, o sexo reflete a tensão e precisamos de tensão pra amar?“.
Não, não era isso.
Mas me permitam usar os versos de Edson Conceição e Aloísio para chegar ao meu ponto. Quando estamos começando algum relacionamento, a curiosidade que o cerca é de como será o primeiro beijo. Apaixonado, duro, agressivo, suplicante, doce? Há uma angustiante tensão que cerca o momento em que você deverá agir. Quando você está na fase da conquista, por exemplo, a facilidade é maior, pois sua mente lhe assegura que você só precisará ficar tenso mais para frente, não ali. O sim ainda não surgiu. O romance ainda é ficcional. Quando a ação primitiva passa a nos rodear, o desejo impiedoso brota, aí a coisa complica. Com a ausência dos meus pais biológicos, eu nunca tive alguma ideia de como se aproximar de uma garota. A descoberta acabou sendo natural, embora insegura. Mas grandes problemas assolaram minha puberdade, nesta perspectiva. Por muito tempo fui um personagem bukowskiano oco, que separava o sexo e o amor. Desejo e carinho eram sensações que não eram intrínsecas, na minha mente. Como conciliar os dois sempre foi um mistério. Ainda é, sejamos justos. A minha essência continua a mesma da minha juventude, embora esteja sendo somada a outras neuras, frustrações e cicatrizes.
Por muito tempo, eu percebi a tensão como o perfume do desejo. Fruto de algo passageiro, mas urgente. O corpo clama para conquistar outro corpo, absorver seus detalhes, intensificar a cobiça até chegar ao prazer. O toque expõe a vontade, mas o orgasmo suprime a vontade. A partir da primeira (e tão esperada) carícia, o carinho pode surgir ou desaparecer. Nunca sabemos como seremos retribuídos: pelo parceiro ou por nosso próprio sentimento. Mas esse ponto é mais pessoal. Minha intenção está longe de generalizar – é, como tudo que faço, expor-me um pouco mais e, quem sabe, autodescobrir-me.
É de se destacar também como nossas profundezas são tão ilógicas e assustadoras que os melhores escritores nunca as assumiam em suas prosas e poesias. Bukowski, por exemplo. Sempre abominou metáforas e seu poema mais famoso e belo é uma grande metáfora sobre o que acontece dentro de si: o pássaro azul.
Num mundo literário em que sentimentos e tensão são muito simbolizados por aves, portanto, eu encerro minha divagação com um poema do francês Jacques Prevert, que se aproxima muito da linha de raciocínio: Pour faire le portrait d’un oiseau. Para fazer o retrato de um pássaro, nós teríamos que pintar a gaiola, deixar uma fresta da janela aberta e aperfeiçoá-la até o instante em que percebêssemos o pássaro se aproximar. Se ele chegasse, e encontrássemos o que procurávamos, seríamos delicados o bastante ao fazer ele perceber que a gaiola não passava de uma metáfora. Traríamos um pouco de nós e observaríamos se ele iria se manter por perto. Caso ele decidisse cantar, você seria vitorioso em sua empreitada e poderia arrancar com cuidado uma das penas do pássaro para, assim, escrever o seu nome no canto do quadro. Uma bela história de amor, sem dúvidas.