A Tristeza Extraordinária do Leopardo-das-Neves foi meu primeiro contato com a obra de Joca Terron, parte da minha empreitada na leitura de autores mainstream atuais. E foi uma experiência magnífica. Joca trabalha nesse livro com várias tramas principais e algumas sub-tramas muito interessantes, a maioria das quais acrescenta algo de relevante ao desfecho da história, e mesmo as que se provam mais inócuas no final são narradas de forma envolvente e instigante e servem outro propósito de vital importância: pintar com maior clareza a realidade de diversas etnias e suas comunidades no bairro do Bom Retiro na capital paulista.
O livro é narrado por um escrivão da polícia filho de um velho judeu que sofre de demência, que se vê escriturando um caso muito intrigante enquanto se esforça por se manter acordado, trabalhando o turno da noite no DP e cuidando do pai e da loja que possuem durante o dia. Intercalada com essa história segue a outra narrativa principal que gira em torno da Sra. X e da estranha criatura que foi empregada para cuidar, dia e noite, por um contrante misterioso.
Ao redor dessas histórias se desenvolvem outras secundárias como a do taxista e seus rottweilers, a do entregador do mercado coreano, a dos colombianos que trabalham na loja e a mais interessante de todas, a saga do leopardo-das-neves que dá nome ao livro. Não espere que nada a respeito de nenhuma dessas tramas seja entregue de graça. Joca revela aos poucos, mantendo o mistério sobre como tudo isso se relaciona e fazendo uso frequente de flash-backs. Revela ao leitor apenas o que ele precisa saber naquele momento, na medida certa.
A escrita de Joca é simples e direta. Sem floreios, sem descrições detalhadas, sem perder tempo em qualquer detalhe irrelevante porém se embrenhando nas divagações dos personagens. Joca é muito habilidoso com fluxo de consciência e é aquele tipo de escritor que te faz deslizar pelo texto suavemente, criando a impressão que realmente estamos ouvindo alguém contar uma história, de modo extremamente natural. Nessa pegada fluída e com uma delicadeza ímpar, ele pinta cenas e imagens com as palavras que são de uma sutileza e beleza cativantes; frases e sentenças marcantes, como as citações a seguir:
“O insone é um sujeito que é despejado com violência de sua cama quentinha e jogado num deserto frio e iluminado. Não pertence à noite nem ao dia, mas ao limiar, está nomeio do caminho”
“Foi então que eu descobri que a palavra fulva queria dizer vermelha e achei muito bonita, mariposa fulva, inseto noturno arruivado. Acho que nada pode me definir melhor. Tenho impressão que é isso o que sou, uma mariposa fulva. Um inseto noturno arruivado e negro. Um lemingue que se afoga no oceano. Um comanche cujos bisontes se lançaram no despenhadeiro.”
O livro trás muitos outros trechos que poderiam ser citados, porém, envolvido na leitura como fiquei e sem planos para escrever uma resenha não separei os que mais me chamaram a atenção. Foram muitos.
Essa é uma obra de difícil classificação. É um livro de mainstream mas não deixa de ter um quê de fantasia urbana, dada a conjunção de eventos improváveis e fantásticos que são apresentados. Também tem traços de terror psicológico no que tange à Sra. X e à criatura. No meu entendimento, é um livro de fantasia ainda que possa ser chamado de realismo fantástico, termo cunhado para imbuir certas obras com uma aura de maior respeitabilidade.
Depois desse livro certamente lerei mais Joca Terron. Além de ser uma história incrível e muito bem escrita proporcionando horas de diversão e envolvimento, é uma aula de como se conduzir uma narrativa.
NOTA:
Editora: Companhia das Letras
Autor: Joca Reiners Terron
Origem: Brasileira
Ano: 2013
Número de páginas: 176
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