Análise:
Os elfos já estão gravados na nossa mente. Alguém já viu um elfo em filmes, em livros, em jogos ou até em desenhos animados. Os elfos já fazem parte do panteão mitológico que opera na cabeça de cada indivíduo da nossa sociedade. Quem não conhece Legolas Greenleaf, de O Senhor dos Anéis? Os elfos são, assim como os vampiros, criaturas clichês para se trabalhar. Mas trabalhar com um clichê não é uma coisa ruim, pelo contrário, os clichês só sobreviveram até hoje, por que eles funcionam. Mas para ele funcionar é aí que entra o papel do autor: pegar o tema e fazer algo que ninguém jamais fez ou pensou em fazer com aquilo, ou no mínimo, fazer algo diferente do que já vem sendo feito. É aí que entra Leonel Caldela e O Código Élfico.
Os elfos são criaturas puras, bondosas, sábias e amadas por todas. Na maioria das obras eles são assim. Mas não em O Código Élfico. Antes de ler a obra, confesso que achei ser só mais um livro sobre o quanto os elfos são bonitinhos e perfeitos. Pensei ainda na mesmice da coisa, quando vi que a arte principal dos elfos de Caldela, também, se baseava na arquearia. Tem algo mais clichê do que elfos arqueiros? Esperei encontrar um Legolas na história, mas o que vi me surpreendeu de imediato. Os elfos de Caldela são belos e sedutores sim, mas de forma alguma são bons. São mesquinhos e cruéis. No universo de O Código Élfico, os elfos são criaturas imortais que habitam outro mundo, o mundo de Arcádia, governado pela Rainha da Beleza, a deusa elfa Titânia, que tem como o principal objetivo dominar a Terra e escravizar os humanos para passar o resto da eternidade vivendo da poesia e contemplando a natureza, simplesmente por que eles podem
As inspirações de Caldela para a construção dessa obra passam tanto por Tolkien, lendas urbanas, serial killers, H.P Lovecraft (Os Mitos de Cthullu) e RPG. Um leitor de Lovecraft facilmente fará os paralelos necessários para identificar até onde Caldela bebeu da água dos mitos de Cthullu. A Rainha Titânia é uma deusa poderosíssima que só a sua presença causa vertigem e outras série de emoções conflitantes nos humanos. Assim como Cthullu, a deusa é capaz de transmitir sonhos aos seus cultistas, dentre outras semelhanças. Outro ponto curioso, ainda falando das influências na obra de Caldela, é que o próprio autor brinca com as mitologias criadas anteriormente, “incluindo-as” na obra, “aceitando a existência dos deuses criados por Lovecraft” e de outros, como por exemplo, evidenciado nesse trecho:
“Arcádia era uma faceta do universo real, uma dimensão plena de poder, feita de magia. A realidade manifestava-se em incontáveis lugares míticos: Avalon, Atlântida, o Tártaro, o Monte Olimpo, Shangri-La. A terra dos elfos era uma das facetas mais poderosas, mais presentes na dimensão física da Terra. Mas havia outras – um dos deuses inimigos da Rainha dormia eternamente na cidade de R’lyeh, enviando sonhos a loucos e cultistas.” (Pág. 325)
Nota: aos ainda não iniciados na obra de H.P Lovecraft, R’lyeh é a cidade submersa onde Cthullu mora com sua horda.
Há também outras referências literárias relevantes como, por exemplo, um capítulo que Leonel Caldela batiza com o mesmo nome de uma obra famosa do escritor britânico Aldous Huxley: Admirável Mundo Novo. Não obstante, as referências de Leonel para essa obra, não se limitam a influências literárias, mas também atinge a esfera musical, como quando cita os Ramones, mais especificamente a música Somebody Put Something In My Drink.
Entre os personagens principais estão Nicole, Astarte e Felix. Nicole, conhecida também como “Princesa das Conspirações” é uma jovem estudante de mestrado em filosofia, petulante e geniosa. Decepcionada o bastante com a humanidade toda, simplesmente por ter sido machucado durante a vida. Astarte é o nosso guerreiro élfico galã. De acordo com os planos maquiavélicos de sua mãe, a Rainha, ele foi criado na Terra, em laboratório, por um grupo de supercientistas, para ser o elo físico que abriria as portas para Arcádia adentrar no mundo físico, sendo o que o autor nomeou de “filho de dois mundos”, o elo para a derradeira tomada da Terra pela Rainha da Beleza. Astarte no início da trama é um sujeito extremamente pomposo, chegando a ser cômico, mas seu esforço em compreender os humanos o faz deixar de lado cada vez mais sua natureza élfica e ficar mais à vontade no final da estória, bem mais humanizado. Por fim, temos Felix, que para mim foi nesse livro o tipo de personagem secundário que rouba a cena dos protagonistas. Felix foi bem melhor construído que os outros dois e é um personagem bem menos chato que Nicole, mais humano que Astarte e mais carismático que ambos. Felix é um mercenário que perdeu seus amigos e está numa missão, mas se une a Nicole e Astarte quando seus objetivos se cruzam. É um cara cômico e zombeteiro, sempre fazendo piadinhas e lembra muito o herói Deadpool, dos quadrinhos.
Entre os vilões, temos Emanuel Montague, o maior vilão e servo da Rainha da Beleza e Salomão Manzini, o pai da protagonista Nicole. Salomão Manzini é claramente inspirado em Charles Manson, um serial killer notório, que esteve em atividade no fim da década de 60 e início da década de 70. Até mesmo a questão de ser um líder cultista, profetizando o fim do mundo através de mensagens subliminares, o personagem Salomão assimila de Manson.
Já a cidade de Santo Ossário lembra Gotham City, se os fãs de quadrinhos assim preferirem. Tem até seu próprio Asilo Arkham, o manicômio Ulisses Lombroso, onde o pai de Nicole Manzini está confinado.
A trama é originalíssima, cruzando as criaturas lendárias com o cotidiano urbano atual, resultando num misto de aventura épica, fantasia urbana, ficção científica e até horror. Caldela desenvolve com maestria a teoria conspiratória que impulsiona o livro, criando mais e mais mitos para solidificar a lenda, buscando fazê-la parecer cada vez mais verossímil. Apesar de usar algumas referências que me incomodaram um pouco por tão clichês que são: músicas infantis e de heavy metal tocadas ao contrário revelando mensagens subliminares, além de uma apresentadora infantil fazendo símbolos pagãos durante seu programa.
A narrativa flui bem no começo, mas já um pouco depois da página 400, o autor dá muitas voltas, ficando por páginas a fio batendo na mesma tecla sem sair do lugar. Então a leitura passa de agradável e instigante à cansativa e fatigante. Confesso que em certo momento (já perto fim) já não estava tão animado em ler e só terminei devido à curiosidade com o desfecho e por odiar deixar um livro inacabado.
O livro é narrado todo em terceira pessoa, mudando repetidas vezes de um personagem para outro. Ora acompanhamos Nicole, ora Astarte, ora Felix, ora Emanuel e em certos momentos até Salomão Manzini, e isso tudo em diferentes momentos do tempo. Confesso que isso me incomodou bastante. Ver uma estória assim, por diferentes pontos de vista nunca me atraíram muito, mesmo quando eram só dois pontos de vista, mas aí você colocar todos esses personagens em perspectiva gera um pouco de recusa, o que também contribui para tornar a leitura mais fatigante.
Deixando de lado o conteúdo e referindo-se ao livro em si, não tenho do que reclamar. A Fantasy – Casa da Palavra fez um trabalho magnífico na edição do livro, começando pela capa que tem uma arte fantástica e dando atenção até à contraguarda, afastando-se do branco comum e colocando uma página toda em vermelho com sombras que remetem à natureza. O papel é o Lux Cream 70g/m2 (levemente amarelado – menos que o pólen), que reflete menos luz, tornando a leitura menos cansativa. Diagramação regular e quanto aos erros ortográficos, achei pouquíssimos, coisa de cinco ou seis errinhos bobos, no máximo.
Considerações finais…
Confesso que esperava mais de O Código Élfico. Em alguns momentos notei que o autor estava demasiado preocupado em imbuir um sentido filosófico como pano de fundo da arquearia élfica, principalmente quando passava páginas e páginas fazendo menção à “vontade do mundo” ou que o arqueiro nunca dispara, mas sim “algo dispara”. Além do período do “tempo que não era tempo” e do “mundo que não era mundo”. O livro também soa deveras prolixo, dando voltas e mais voltas simplesmente desnecessárias. Outro ponto importante que me deixou com o pé atrás foi o número exagerado de “identidades” que o autor inseriu na obra, que são tanto díspares entre si quanto confusas, uma vez que Caldela trabalha na mesma obra com elfos, serial killers (no livro, os caçadores), monges e mercenários mortos-vivos munidos da mais alta artilharia. E mesmo derrubando muitos clichês, Leonel não consegue se livrar deles de todo, uma vez que o livro é recheado deles, principalmente nos diálogos e no romance “Nicole/Astarte” que cairia bem num livro infanto-juvenil, mas não caiu bem num livro recheado de sangue e carnificina. O romance dos dois é bem o clichê adolescente. No entanto o que mais me assustou foram alguns nomes e sobrenomes. Pela estória se passar no Brasil, eu esperava algo mais próximo dos nossos nomes/sobrenomes, por isso imaginem meu espanto quando vi que o sobrenome de Felix era Kowalski. Além dos sobrenomes Manzini e Montague e das irmãs Salazar! Nada de Fernandes, Nascimento, Souza, etc. Por fim, para aqueles que desejam ver muitas cenas de combate (bem cinematográficas!), magia, aventura e muito sangue, O Código Élfico é o livro ideal e cumpre seu papel de entreter qualquer tipo de leitor, seja ele amante da fantasia épica tradicional, seja ele amante da fantasia urbana e principalmente àqueles que são fanáticos por teorias da conspiração e ficção científica.
Avaliação:
Dados da obra
Autor: Leonel Caldela
Edição: 1ª
Editora: Fantasy – Casa da Palavra
ISBN: 9788577343423
Ano: 2013
Páginas: 576
Sinopse:
A pequena cidade de Santo Ossário esconde muitos segredos. Entre os habitantes, Nicole, uma jovem corajosa, descobre estar ligada aos mistérios da cidade, o que a leva a uma investigação sobre o próprio passado. Seu pai foi um famoso assassino que pertencia à ordem de seguidores de uma deusa oculta, sacrificando inocentes em rituais.
Em Arcádia, um mundo paralelo governado pela deusa, vivem os elfos. Criaturas perfeitas que há milênios sonham em recuperar o poder sobre os humanos. Finalmente veem a esperança no novo guerreiro Astarte, treinado em arquearia, que deve abrir o portal que liga os dois mundos e exercer o domínio da Rainha sobre a Terra. Astarte, no entanto, é o único que desconhece o seu destino, até o momento de cumprir com a sua sina. Avesso aos interesses do seu povo, o elfo resolve juntar-se aos mortais em Santo Ossário.
Agora, Nicole e Astarte estão ligados a um mesmo propósito: reunir os habitantes da pacata cidade e derrotar os seres místicos que ameaçam dominar o mundo.