Por Lucas Rafael Ferraz
Ao contrário de minhas crônicas anteriores, essa pequena distopia não se baseia em algo que realmente aconteceu comigo, e provavelmente nem vai acontecer, mas vale pelas reflexões apresentadas.
Que dia! Não conseguia se recordar de passar tanto stress no trabalho quanto naquela sexta-feira. O projeto que desenvolvia sofreu uma grande reviravolta logo pela manhã, que e o obrigou a fazer alterações descomunais, e logo agora na reta final dos testes. Isso implicava na necessidade de testar tudo novamente, e os riscos de alterações de tamanha dimensão afetarem apurações já fechadas era grande demais.
Foi uma corrida contra o tempo incrível. Precisou dar um overclock no cérebro, e suspeitava que fosse possível ver fumaça saindo de sua caixa craniana quando finalizou tudo, alterações e correções. Mas apesar de toda tensão envolvida, tudo acabou funcionando como deveria sem maiores contratempos. Uma vitória e tanto. Conseguiu sair do escritório no horário, e antes de tomar o fretado, parou numa banca de jornal para adquirir a nova edição da HQ que estava acompanhando, que chegava naquele dia.
Ao entrar na banca e se dirigir à sessão de gibis, foi atingido pela triste cena, com a qual jamais iria se acostumar. Todas as revistas exibidas em embalagens que omitiam as capas, vedadas, apenas com o nome e número da publicação. Ah, que saudade sentia dos tempos em que seus olhos eram presenteados com prateleiras cheias de cores e vida. Cheias de Mônicas e Chico Bentos, cheias e Batmans e Homens de Ferro, abarrotadas de mangás e outras publicações adultas, como as do selo Vertigo. Hoje era essa tristeza monocromática e insossa que o recebia.
Lembrava-se de seu tempo de infância, quando o formatinho ainda dominava as publicações de gibis no país, e quinzenalmente ia à banca comprar a nova edição do Homem-Aranha. Que alegria era aquele momento, folheando as demais revistas, se maravilhando com seu conteúdo, iniciando-se na leitura de modo tão instigante. Que criança hoje em dia tinha isso, a não ser as que os pais estimulavam? E as que tinham essa sorte eram pouquíssimas.
Tudo começara com a lei que proibia qualquer publicidade ou comunicação direcionadas à crianças. Os efeitos dessa resolução foram devastadores. Afetou desenhos animados, brinquedos, revistas em quadrinhos e tudo mais. Grande parte do mercado é feita de propaganda, e sem anunciantes, muita gente quebrou ou viu sua linha editorial diminuída brutalmente.
E pra quê? Seguindo, claro, o conselho de psicólogos e outros “profissionais” de pedagogia e afins, que certamente tiveram infâncias frustradas e cresceram para se tornarem adultos amargurados com a vida, que impuseram a ditadura do politicamente correto no país, abraçada sem ressalvas por várias instituições, pelo governo, e por boa parcela da sociedade, seja por desinformação ou por ser de alinhamento ideológico similar.
Estava mergulhado num país que julgava seus cidadãos ineptos a tomar decisões por si próprios, e de educar os filhos da maneira que julgassem correta. Do alto de sua inquestionável verdade moral e vestindo o manto imaculado de protetores da sociedade, os perpetradores das invasivas e extremistas leis politicamente corretas transformaram o país, de acordo com sua imagem do como as coisas deveriam ser.
Imagem distorcida e errada. Lera gibis a vida toda, vira propagandas de brinquedos e produtos em todo lugar. Levara palmadas quando passou dos limites, de maneira cometida e bem aplicada.
Havia aprendido. Aprendera que não podia ter tudo que via nos comerciais. Aprendera autocontrole, a não ser compulsivo e a abrir mão de seus desejos inacessíveis desde a tenra idade da infância, lição essa que nenhum dinheiro paga. O que seriam dessas crianças, vivendo em suas bolhas de leis, que as privavam de todo e qualquer contato com a vida, real e crua como ela é? E quando atingissem a idade adulta e pudessem fazer o que bem entendessem? Não teriam aprendido nada por experiência ou assimilação. Seriam capazes de discernir os melhores caminhos a tomar? Tinha pena deles, dos infantes de hoje.
E não se limitava a eles! Às linhas de HQ’s adultas eram impostas as mesmas restrições, porque os juízes aparentemente tinham uma pequenez de intelecto tão absurda que não conseguiam conceber uma história em quadrinhos para o público adulto. Se tiver desenhos deve ser infantil. Com isso, Hellblazer, Hellboy, Cem Balas, Y: O Último Homem, e tantas outras publicações, como as dos mestres Neil Gaiman e Alan Moore sofriam as mesmas humilhantes restrições.
Todos os heróis estavam lá, envolvidos por um invólucro opaco, que privava o mundo de contemplá-los. Nunca quis tanto que fossem reais, nem quando era uma criança. O Brasil precisa deles mais do que nunca, para salvá-lo dessa loucura toda. Mas dessa vez, eram eles que estavam presos e precisavam de libertação das mãos do mais perigoso vilão que já enfrentaram: a babaquice humana.

Fonte: Digestivo Cultural


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