Edição: 1
Editora: Novo Conceito
ISBN: 9788581634173
Ano: 2014
Páginas: 400
Mesmo diante de uma vida extremamente difícil, há esperança. E às vezes essa esperança vem na forma de um garotinho, armado com uma trupe de marionetes – um príncipe, uma menina, um bobo da corte, um crocodilo… O avô de Mika morreu no gueto de Varsóvia, e o menino herdou não apenas o seu grande casaco, mas também um tesouro cheio de segredos. Em um bolso meio escondido, ele encontra uma cabeça de papel machê, um retalho… o príncipe. E um teatro de marionetes seria uma maneira incrível de alegrar o primo que acabou de perder o pai, o menininho que está doente, os vizinhos que moram em um quartinho apertado. Logo o gueto inteiro só fala do mestre das marionetes – até chegar o dia em que Mika é parado por um oficial alemão e empurrado para uma vida obscura. Esta é uma história sobre sobrevivência. Uma jornada épica, que atravessa continentes e gerações, de Varsóvia à Sibéria, e duas vidas que se entrelaçam em meio ao caos da guerra. Porque mesmo em tempo de guerra existe esperança.
Histórias de Guerra sempre mexem comigo. Não consigo não me sensibilizar com cada indivíduo em particular, pensar em milhões de mortos como apenas números estatísticos. Quando falo sobre os horrores da Segunda Guerra aos meus alunos, faço com que eles enxerguem a situação pela mesma perspectiva… Ficção ou não, quando me deparo com uma leitura sobre os judeus que sofreram os horrores do Holocausto, é impossível não derramar lágrimas…
Quando vi O menino dos fantoches de Varsóvia entre os lançamentos de Abril da Ed. Novo Conceito, fiquei na expectativa de escolher esse título pra mim, e Karina me cedeu gentilmente a edição que recebeu. Logo de início não escolhi a obra pra ler de imediato… Deixei que ela me chamasse da estante, no momento oportuno… E eis que o momento chegou…
Escrito por Eva Weaver, O menino dos Fantoches de Varsóvia fala sobre a história de Mika, um pequeno judeu que vivia com seu avô e mãe na cidade de Varsóvia, nos anos que precederam a guerra. Quando os alemães nazistas invadiram a Polônia e aprisionaram milhares de judeus no Gueto, Mika estava lá… Seu avô tinha um casaco grande que por ironia do destino ficaria com Mika, e que escondia em seus inúmeros bolsos secretos, um mundo inteiro de fantasias. Seu avô, que gostava de fantoches, deixou de legado para seu neto a arte de contar histórias contadas pela manipulação de suas mãos… e por muito tempo esses fantoches, em especial O príncipe, arrancaram sorrisos em meio a inúmeros rostos entristecidos e abatidos pela guerra…
Depois que sua família é expulsa de casa, indo abrigar-se no gueto, e com mais pessoas chegando para dividir o já pequeno espaço do apartamento, inclusive sua tia, primo e prima [Ellie], Mika arriscava a vida andando pelas ruas escuras em horários do toque de recolher para fazer pequenas apresentações às crianças do orfanato, e também às do hospital infantil. Crianças que não tinham nada para comer, sem suas famílias e que dependiam da bondade de alguns enfermeiros e educadores para sobreviverem. Mika trouxe um pouco de alento a essas pobres crianças, quando o mundo e os nazistas haviam lhes tirado toda a chance de viver.
“J de JUDEU. E como uma simples letra era capaz de mudar tudo… Precisávamos dessas carteiras para conseguir as cadernetas do racionamento de comida, mas nossas rações eram pífias – uma fração minúscula do que era concedido à população não judia. Dois pães para o alemão, um pão para o polonês, uma fatia para o judeu. As sopas de minha mãe ficavam mais aguadas a cada dia que passava. Não conseguíamos comprar leite ou ovos, e era impossível comprar carne. Ficou claro que o principal plano alemão era nos matar de fome aos poucos, quilo por quilo.”
Mas então um soldado alemão [Max] surge na vida de Mika. E a alegria que ele tinha de contar histórias para animar seu povo, acabou virando um artifício para salvar a própria vida, sendo obrigado a apresentar para os soldados alemães na parte ariana da cidade, fora dos muros com arames farpados do gueto… Com desconfiança e temendo por sua vida, pois uma resposta ou movimento que parecessem ofensivos poderia lhe garantir uma bala no peito, Mika apresentava suas histórias para aquela platéia odiada, disfarçando seu ódio e pensando numa maneira de escapar daquela tensão… Sua prima Ellie passou a lhe ajudar, e em breve, o grande e pesado casaco serviria para outras coisas além de carregar os fantoches de Mika, e ele arriscou a sua vida inúmeras vezes para garantir a alguns pequenos a chance de sobrevivência do lado de fora do gueto. Numa situação perigosa, Mika se viu abrigando crianças pequenas sob o casaco, entregando-os a pessoas do outro lado do muro, que iriam inserir essas crianças em famílias alemãs, com nomes alemães, para lhes poupar da deportação para os campos da morte…
“A cor que dominava o gueto era o cinza, em todos os seus múltiplos tons; cinza-fuligem, cinza-chuva, cinza-rato, cinza-ossos. Essas eram nossas opções. Cores vivas eram um deleite para os olhos, mas não estavam mais disponíveis para nós, não para judeus como nós. Mais do que as ruas limpas e as pessoas, essas cores que existiam tão perto de nós, logo do outro lado do muro, me causavam dor.”
Nesse ínterim, Mika vai nutrindo uma espécie de tolerância a Max, que o protegia da melhor forma que podia, dos demais soldados alemães. Ele arriscou sua vida, inclusive, quando ajudou Mika a libertar sua mãe e tia, que haviam sido capturadas enquanto Mika tinha saído do apartamento onde viviam. Quando as deportações começaram, Max se despediu com tristeza daquela criança judia que lembrava seu próprio filho, Karl, a quem tinha deixado numa plataforma de trem em sua cidade natal, quando a guerra começou e o dever militar lhe chamou…
A diagramação do livro é um show a parte. Cada início e fim de capítulo traz imagens de arame farpado, semelhantes aos da capa do livro… Ele é dividido em três partes: a primeira é a narrativa de Mika, já na velhice, contando para seu neto a história de sua vida, e de como tinha chegado a América, sobrevivendo à guerra, depois de ter perdido tudo, e sobrado apenas o casaco e os fantoches de seu avô. A segunda parte do livro fala da trajetória do soldado Max, no período pós-guerra, de quando passou anos prisioneiro nos gulags [campos de trabalhos forçados na Sibéria].
“Naquela noite, enquanto se encolhia num abrigo improvisado, mastigando um pedaço de pão seco, as lágrimas lhe arderam nos olhos. Não seria tão doloroso perder aqueles dedos entorpecidos, mas se sentia esgotado pela crueldade implacável da Sibéria como jamais se sentira antes. No fim da primavera, seus dois dedos enegrecidos se soltaram do pé como folhas secas. Naquele momento, o frio já não era mais tão forte e a neve já estava derretida.”
Ele narra seu arrependimento por ter feito mal aos judeus, lembra de Max e seus fantoches, de seu filho e esposa, de como o sofrimento que passa agora é apenas o reflexo do que ele mesmo infligiu a milhares de judeus. A única coisa que faz com que permaneça vivo e não desista, é o fantoche Príncipe, que Mika lhe dera a fim de tentar salvar sua mãe. E logo os demais prisioneiros constroem seus fantoches e distraem a mente das torturas e trabalhos pesados a que estão sendo submetidos, num país frio demais, sem alimentos adequados, sendo torturados e mortos [como tantos deles fizeram com os judeus no gueto e nos campos de concentração]. Juro que enquanto lia essa parte, pensei que muitos soldados alemães guerrearam por seguir ordens, e que nem todos compactuavam com os ideais nazistas. Senti pena desses desgraçados, mas eles só estavam pagando por todo o mal que fizeram antes… [‘A César o que é de César…’]
“Nós também forçamos pessoas a trabalhar até a morte em nossos campos de concentração – respondeu Max. – Aqui se faz, aqui se paga, é o que dizem.”
A terceira e última parte do livro é sobre o reencontro de Mika e seu fantoche mais precioso: O Príncipe. Como se dá esse encontro eu não posso revelar, pois seria estragar o envolvimento com a leitura, mas posso garantir que a autora soube conduzir a história com uma sensibilidade tocante, que vai fazer o leitor se emocionar em vários momentos… É uma leitura que recomendo a todas as pessoas que gostam de sentir um soco no estômago ao ler histórias com temática tão pesada, e ao mesmo tempo – eis um paradoxo – carregadas com um pouco de esperança… O menino dos fantoches de Varsóvia trata de [des]humanidade, dor, [des]esperança, redenção e reparação…
Nota