[Curto&Grosso] Coitadinho dos brasileiros

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Olá meus Cabulosos, tudo bem? Há tempos não aparecia por aqui e prometo que o assunto de hoje será breve. Vou direto ao ponto.

Como todos sabem, sou professor de escola pública e à noite ensino adultos (uns apenas na idade mesmo). Existe um, em particular que me motivou a escrever esse texto, na verdade ele é só um exemplo, pois já escutei o mesmo discurso vindo de outros. Este aluno em questão é um senhor de cinquenta e tantos anos que possui 9 filhos é bem-humorado, educado e assíduo, ou seja, nunca falta as aulas; hoje na realidade da escola brasileira ele é considerado um bom aluno. A particularidade em questão é que sempre que não compreende alguma coisa ele saca mão de um discurso que já fora repetido inúmeras vezes: “Sabe como é professor, sou casado, pai de 9 filhos e fiquei afastado 10 anos da sala de aula, para nós é difícil”.

E assim acontece desde o começo do ano, estou lá explicando alguma coisa olho para meu aluno e é visível quando não está entendo. Volto explico novamente, trago novos exemplos, explico de novo, mais um exemplo… não me importo em quantas vezes terei que repetir, pois sei que se ele não compreendeu é bem provável que alguns outros também não o tenham feito, contudo o x da questão ocorre quando esse aluno acha que o assunto é difícil demais ai, é certeiro igual 2 + 2 são 4, ele se ajeita na carteira e diz: “Sabe como é professor, sou casado, pai de 9 filhos…”.

Não sou um professor comum, não só dou aula, gosto de ensinar meus alunos a estudar (até por que aprendi isso na marra e quando descobri que tinha “fórmulas”, “métodos” não me negaria a transmitir isso a outras pessoas). No dia seguinte, em outra aula, passo um exercício do assunto que me esforcei tanto para fazê-lo compreender, ele não lembra. Reforço: precisa estudar em casa senhor X, praticar o que lhe foi ensinado, copiar do quadro para o caderno e assistir a aula é apenas 30% do necessário para aprender, 70% necessitam de praticar os exercício em casa. Sem titubear, sorri como uma tosse e lança mão do sua defesa: “Sabe como é professor, sou casado, pai de 9 filhos….”.

Se você leu até aqui, é bem provável que tenha pensado: “Mas Lucien, veja o esforço que um homem como esse está fazendo, ele é casado, pai de 9 filhos passou 10 anos longe da escola e mesmo assim decidiu voltar para a sala de aula” – e se eu ousar, posso até supor que você pensou um bom e sonoro: “Coitadinho dele, já é uma vitória estar estudando novamente”.

O caso acima ilustra uma coisa que venho acompanhando há anos a fio: a síndrome de coitadinho que nós, brasileiros, temos. Estou dentro do mercado editorial (não de forma ativa, mas como um telespectador privilegiado) e ouço por todos os cantos essa síndrome de pobre coitado. Escuto autores reclamando do mercado editorial que não lhes dá oportunidades, que não acredita no autor nacional. Vejo podcasters que reclamam que não há ouvintes, que as pessoas não valorizam o seu trabalho. Ouço jovens reclamando que não há oportunidade de emprego, que ninguém acredita no seu potencial.

Por outro lado, quando um autor consegue ser publicado tem costas quentes. Spohr chegou lá por causa do Jovem Nerd. O CabulosoCast é um bom podcast por que o Lucien edita com o Adobe Audition. Sicrano conseguiu o emprego por que é amigo do chefe, por que ela fez teste de sofá.

É estranha a contradição. Rogamos ao coitadismo quando não alcançamos nossos objetivos e maldizemos quem o consegue. As frases acima podem lhes parecer estranhas, mas já escutei todas. Recentemente fiz um curso de edição de vídeo com o Gaveta, sim aquele que edita os vídeos do Jovem Nerd e ele foi categórico: “Perguntar qual programa você usa reduz o esforço e mérito do trabalho, parece que você só é bom por causa do programa”. A identificação foi imediata, quantas pessoas já perguntaram para mim: “Você edita tão bem, qual o programa que você usa?” E foi para o lixo a leitura, a pesquisa, a montagem da pauta, a seleção dos convidados…, o mérito é do programa.

Enquanto arrumarmos desculpas para nossos problemas: é por que não tenho dinheiro, me falta tempo, eu não tenho as mesmas oportunidades, não fui abençoado… existem diversas pessoas que estão lutando para chegar lá. Sorte é a soma de preparação + oportunidade. É mais fácil ficar sentindo pena de você mesmo, dizer que ninguém olha por você, que Deus lhe abandonou. É mais fácil culpar os outros, os políticos, o patrão, o professor…

Ouço todos os dias uma série de queixumes. O aluno fala que faculdade particular é cara que as universidades são só para a elite que pode pagar por cursinho e matérias isoladas está sentado de lado com o celular na mão vendo o facebook enquanto o professor está lá na frente se esforçando para ensinar.

Agora, eu faço a pergunta: será que você não está fazendo o mesmo? Está de lado, olhando o seu facebook enquanto a oportunidade está lá na frente gritando para chamar a sua atenção? Enquanto você procurar o cursinho, a isolada que poderia se traduzir aqui pela oportunidade perfeita, será que não existem alternativas na frente do quadro dando dicas e ensinando o caminho das pedras?

Dadas as devidas proporções, posso lhes garantir que o senhor X passará de ano. No conselho de classe, sem sombra de dúvida alguém dirá: “Coitadinho, é casado, tem 9 filhos e passou 10 anos sem estudar…, merece passar”.


Este texto foi inspirado no Café Brasil Podcast. O Luciano Pires está fazendo uma série excelente sobre produtividade e recomendo que todos escutem, vale a pena.

Se você acha que estou lhe dando um puxam de orelha, caro Cabuloso ou Cabulosa está redondamente enganado. Escrevo este texto para mim, para me lembrar que ficar deitado na cama sentindo pena de mim mesmo não me deu nada do que conquistei até hoje.