A Tatiana Feltrin do canal Tiny Little Things levantou a questão: opiniões sobre negativas sobre livros fazer ou não fazer? O texto a seguir visa confirmar pontos levantados, trazer novos argumentos e propor mais perguntas, já que no término do vídeo foram lançadas 3 perguntas que reproduzo abaixo:
Opiniões negativas de outros sobre um determinado livro já te fizeram desistir de comprá-lo e/ou lê-lo?
Mesmo quando você discorda da opinião negativa de alguém, você costuma levar essas opiniões em consideração e repensar determinados aspectos de um livro do qual gosta? Ou, simplesmente descarta a opinião negativa de terceiros?
Se você tem um blog ou um canal no Youtube, qual é a sua política pessoal sobre livros que leu e dos quais não gostou? Você deixa de falar sobre esses livros? Ou, fala, mas mede as palavras ao criticá-los negativamente?
Antes de irmos diretamente as repostas, é preciso algumas considerações. O jornalista Carlos Nascimento, diante do viral do “Menos a Luiza que está no Canadá”, disse a célebre frase: “Nós JÁ fomos mais inteligentes”, eu discordo. Troco o já pelo advérbio de negação NUNCA. No meu texto, Afinal, o que é ler? toquei rapidamente no assunto das redes sociais. Eu dizia que em tempos de twitter e facebook quem grita mais alto é que recebe os louros, quem argumenta, expõe o problema de vários pontos de vista é sumariamente ignorado. É melhor assistir a vídeos de bebês e animais do que assistir a uma palestra onde alguém procura nos fazer pensar.
E o que isto tem a haver com a literatura? A democratização da leitura caminhou lado a lado com a expansão da internet no Brasil. Enquanto Harry Potter virava um fenômeno na prateleiras das livrarias, várias leitores começam a criar blogs e a disseminar na grande rede sua paixão literária, contudo, como disse Tio Ben: “com grandes poderes, vem grandes responsabilidades”, apesar se estarmos abobalhados com a liberdade que ganhamos, com o surgimentos das mídias sociais, pouco se fala das responsabilidades e é neste caminho que este texto caminhará.
Arnaldo Jabor disse certa vez: “Numa sociedade onde todos querem ser vistos, ninguém vê ninguém”. E não ver ninguém, aqui também significa não respeitar o direito do outro de simplesmente discordar. Já presenciei aqui no site e nas próprias redes sociais que frequento pessoas que declaram brigas homéricas pelo simples fato do outro dizer algo que a desagradasse. E o insulto não precisa ser de ordem pessoal. Xingar a mãe, o pai? Nada disso. É só alguém dizer: Odeio Harry Potter que pronto está deflagrada a 3º Guerra Mundial nos comentários do espaço virtual. A frase de ódio direcionada ao personagem criado por J. K. Rowling passou longe do fã, mas para este não há perdão: “ofendeu Harry, me ofendeu!”, atrelado a isto virão as ofensas das mais escabrosas, palavrões inomináveis e comparações inimagináveis.
O Leitor Cabuloso possui uma linha editorial muito clara. Se a obra não nos agrada, se a nota da resenha for 1 (um), é obrigação do resenhista deixar claro que aquela é a opinião dele e que isto de modo algum deve ser considerado como a última palavra, opinião definitiva, quem não leu o livro tem toda a liberdade de comprá-lo indiferente do que foi dito na resenha. Em muito casos, convidamos os leitores que apreciaram o livro criticado a expor seus argumentos favoráveis nos comentários. Mas apesar de todos esses cuidados os detratores, aparecem expondo entre um xiliques e outro marcas de fanboyzice e discurso das minorias. É importante aproveitar este espaço para explicar algo que vem sendo dito de forma fragmentada nos CabulososCasts (o nosso podcast). Por que o LC, diferente da maioria do blogs literários, não possui uma coluna de editoras parceiras ou autores parceiros? Em primeiro lugar, por que achamos que a editora não valoriza a mesma exposição da marca do blog em sua página. Ora, se é uma parceria, por que minha imagem não está visível no site da editora, contudo o meu site precisa expor a marca daquele? Em segundo lugar, pela falta de uma postura ética que valorize o trabalho do blogueiro que produziu a resenha. Veja que não estou falando de número de curtidas, quantidade de seguidores, pageviews, nada disso, argumento em prol do trabalho que dá fazer uma boa resenha (mesmo que seja um texto crítico). Consumimos dias lendo o livro, horas escrevendo, mais horas revisando, para chegar uma editora ou um autor e pedir para que não publiquemos aquele texto? Simples assim?
Serena já relatou um caso que uma autora que vetou uma resenha negativa alegando que seria uma mancha na sua imagem. Um CabulosoCast foi alvo de críticas severas pelos autores culminando em perseguição pessoal, dos mesmos, a alguns membros do programs nas redes sociais e tudo isso por que não dissemos o que as pessoas gostariam de ouvir. O paralelo traçado no texto entre os fãs e os autores/editoras são frutos de um mesmo quadro: uma sociedade que não aceita o outro. Dois parágrafos acima citei o exemplo do “Odeio Harry Potter”. Uma resenha, pelo menos as do LC posso lhes garantir que vão muito além deste clichê. E se um texto que é embasado com argumentos, que mesmo quando leva nota 1 (já que para o Leitor Cabuloso 1 selo cabuloso significa: valeu pela leitura; tendo em vista que consideramos que toda a leitura é válida – se duvida leia o artigo Afinal, o que é ler?) vem acompanhado de um longa justificativa que culmina no convite ao leitor de não considerar aquela opinião como a opinião do próprio leitor, mas do blogueiro que escreve a resenha pode sofrer veto, imagine no âmbito dos leitores que hoje parece encarar as críticas as suas obras favoritas como algo pessoal?
Outro fenômeno também ocorre no CabulosoCast. Um podcast de literatura com um papo bem-humorado. Devido ao número de downloads e o alcance do seu público acabamos por inevitavelmente alcançar aquele fã que se ofende com qualquer coisa. Não importa de qual obra estejamos falando sempre existe alguém que se dói. A nossa brincadeira do momento é a hashtag #caguei. #caguei para o Dan Brown, #caguei para adaptações, #caguei para isso, #caguei para aquilo… risada vai risada vem aparecem e-mails e comentários de pessoas que se ofenderam, que não aceitam que nos “caguemos para alguma coisa”. Mas fica a pergunta, em algum momento estamos dizendo que #cagamos para os fãs de tal autor(a), #cagamos para você que gosta dessa obra? Não! É claro que não. Adoro conversar, debater ideias. Se alguém não gosta de algo que eu gosto (fato mais que consumado durante toda a minha vida, pois eu e Serena, apesar de ser irmãos, temos gostos completamente diferentes) me divirto debatendo tentando defender o meu ponto de vista, mas quando percebo que chegamos na parte dos gostos pessoais relaxo dou um sorriso e penso comigo: “Não importa o que a pessoa diga, vou continuar gostando disto do mesmo jeito”.
Voltiere tem uma frase célebre: “Não concordo com nada do que dizes, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-las”. Estamos longe de seguir o conselho do célebre filósofo. Alguns poderão dizer que isto é um sintoma da modernidade. Falta de valores, religião, educação… Olhando para trás é fácil encontrar momentos na história onde usando das desculpas mais vis para silenciar nossos opositores. Dos campos de concentração nazistas a ditadura militar brasileira, sempre que pode o ser humano tenta calar a voz de seus desafetos, o que aconteceu é que o que antes era restrito ao nosso círculo familiar e de amigos se estendeu a todos com o advento das redes sociais. Hoje, com poucos cliques nossas mensagens podem alcançar 10, 100, 1000, 10000 pessoas, antes para chegarmos a tanto precisávamos usufruir de algum meio de transmissão formal como rádio ou televisão.
Freud, em seu texto Psicologia de Grupo e análise do ego, afirma que em um grupo somos mais propensos a romper com nossas barreiras sociais. Já que o grupo ai representa a sociedade e é a sociedade um dos elementos que nos impede de transgredir determinadas leis, é no grupo que o indivíduo acaba por se sentir seguro em abandonar essas amarras sociais.
As características aparentemente novas que então apresenta são na realidade são, na realidade, manifestações deste inconsciente, no qual tudo o que é mau na mente humana está contido como uma predisposição.
Ou seja, o ser humano está predisposto a cometer determinados atos de maldade – digamos assim -, mas são as barreiras sociais que o impedem de fazê-lo. Diante de um grupo somos mais fortes e dai vem, para mim, a origem dos haters ou da fanboyzice exacerbada. Todos somos fãs fervorosos, por mais que não aceitemos isso não gostamos quando as pessoas falam mal do nossos ‘quereres’. Já discuti com Serena durante horas para defender meus gostos por filmes, livros, games…, contudo há uma barreira social, um freio, que me impede de por exemplo de enfiar uma faca no pescoço da minha irmã por ela discordar daqui que gosto. Por isso, mais acima falei da responsabilidade que a internet trouxe e que é pouquíssimo falada. O fato de alguém não gostar daquilo que eu gosto não implica necessariamente em atitudes extremas, por mais que eu seja impelido a isso, tenho minha amarras sociais e seu ponderar. A pessoa tem todo o direito de não gostar, ela não está me criticando, mas está mostrando por que para ela aquele livro, filme, game não surte o mesmo impacto que surtiu em mim.
O quê é que nas mídias sociais o sentimento de grupo é muito grande. Hoje temos nichos de todos os tipos e Freud é enfático quando fala dos sentimentos de um grupo
Os sentimentos de um grupo são sempre muito simples e muito exagerados de modo que não conhece a dúvida ou a incerteza.
Ele vai diretamente a extremos; se uma suspeita é expressa, ela é instantaneamente se modifica numa certeza incontrolável; um traço de antipatia se transforma em ódio furioso.
Por isso que quando alguém critica 50 Tons de Cinza imediatamente levanta uma dúvida (Será que ele está me criticando?), essa dúvida é convertida em certeza (Ele está me criticando!), e o sentimento que antes era de mera antipatia (não gostar da pessoa que falou mal do livro que eu gosto) para ódio mortal (eu odeio essa pessoa, porque ela odeia o livro que eu gosto). É até certo ponto assustador, não? Perceber como somos afetados a uma resposta coletiva. E não achem que estou só falando das pessoas que ‘xingam muito no twitter’ que criticou seu livro favorito, falo do outro lado também. Os defensores de plantão que transforma o livro/o autor no seu objeto de adoração. O pensamento coletivo segue o mesmo raciocínio. No lugar de panos quentes e pormenores, mais agressões verbais e uma infinidade de vocábulos usados para ofender o outro e o ciclo de ódio recomeça.
Considerações finais
Logo é importante que o resenhista compreenda que xingar o livro não é fazer uma resenha. Dizer que o autor é uma porcaria, que não escreve coisa de Deus não é resenhar. Fazer resumo não é resenhar. Expor pontos positivos e negativos através de argumentos sólidos e exemplos consistentes, deixando o leitor livre para fazer sua escolha é fazer uma resenha de verdade. (Se você quer saber como escrever uma resenha, considere o texto escrito pela Cristine Tiller, no blog Cafeína Literária sobre o assunto).
Antes de fazer parcerias deixe bem claro que poderão haver críticas negativas sim! E que por em primeiro lugar você necessita ser honesto com o público que visita o seu site, não importa quantas pessoas o visitem por dia, quem lê os textos que você escreve precisa saber que está lendo a sua opinião sincera sobre aquela obra. Não faça parcerias para ganhar livros. Faça por que se identifica com as obras que a editora trabalha. Se por acaso pegar um livro que pertence a um gênero que você não se identifica analise a obra e não seu gosto pessoal. No CabulosoCast sobre Divergente fiz isso. Para mim, o livro é nota 1, mas como obra merece nota 4,5 – ouça o programa e verá que explicito os porquês da minha nota.
Aprenda a respeitar a opinião do outro. Se a pessoa apenas deu chiliques infantis para falar do livro, ignore, vá para outro blog/site. Procure blogueiros com os quais se identifica, contudo, cuidado! não procure blogueiros que só elogiam livros, pois é quando não gostamos de algo que podemos expor com mais acuidade nossos gostos literários e criar debates interessantes. Contra-argumente de forma inteligente, exponha seus pontos de vista para deixar claro porque você aprecia aquele livro. Não tenha medo de dizer, que por mais que todos odeiem, por motivos bem afetivos você gosta daquela obra. Qual o problema? E o mesmo vale para os ‘desgostadores’ de plantão. Aprendam a respeitar o direito do outro de gostar de algo que você não gosta. Como disse o Igor Rodrigues do The White Robot Podcast, numa conversa descontraída via skype:
Se você gosta daquilo que eu não gosto, ok. Vamos sentar e beber juntos.
Respondendo as perguntas feitas pela Tatiana:
1. Sim e não. Com o tempo passei a ler livros baseados no meu próprio gosto. Comecei a perceber que determinados tipos de histórias me cativavam mais que outras, contudo nunca perco a chance de me surpreender. Vejo uma resenha positiva de um livro que não faz parte de um gênero que pouco ou nada leio, então me aventuro, nunca se sabe. Foi assim que descobri Saramago, Eric Novello, Kafka.
2. Hoje faço parte de um círculo de amigos que me influenciam bastante e mesmo gostando muito de uma obra, já repensei determinados conceitos baseados em pessoas da minha confiança que não falam gratuitamente. Se confio na opinião do Vilto Reis do Homo Literatus, por que não me dar o luxo de repensar o que eu penso de um livro clássico, por exemplo? E sabe o que acaba acontecendo? Termino por admitir que eu sempre achei aquilo, mas minha paixão ou até mesmo a falta das palavras certas nunca me fizeram enxergar o livro por aquele prisma.
3. Nunca deixo de expressar minha opinião. Se a pessoa me segue no twitter, facebook, no you tube então ela quer saber o que eu penso realmente daquilo que estou lendo. Se eu for negligente, ela saberá. Mesmo correndo o risco de desagradar as pessoas preciso expor meus pontos de vista, argumentar em prol daquela crítica e mostrar porque motivo aquele livro não me agradou. E sempre, como faço no CabulosoCast, dar o direito ao outro indagar: “e você, o que acha? Concorda, discorda?”