por Alan Cosme
No décimo quinto andar de um prédio bem localizado, morava um homem solitário. O casamento não durou muito. Só os deuses deveriam saber onde estaria sua esposa e seus filhos. Sua vida pessoal, amorosa e profissional estavam uma ruína. Ele culpava o mundo pelo seu fracasso, já que tudo ia bem enquanto o planeta ainda fazia sentido.
Assim que despertou o homem fitou o seu diploma de física emoldurado na parede do seu quarto. O que antes era motivo de orgulho agora era motivo de vergonha. Depois que o mundo enlouqueceu todos aqueles anos de estudo foram jogados na vala. Hoje em dia aquele diploma científico só servia para limpar a bunda.
João Sacramento levantou-se e foi até o banheiro. Vestido só com um short leve de dormir ele encarou o seu reflexo. – Mas eu estou um mulambo mesmo! – Apesar de ter apenas quarenta e cinco anos, João aparentava ser pelo menos dez anos mais velho. A barriga apesar de não muito grande era caída ao ponto de dar a impressão de que estava prestes a derreter e escorrer pelo chão..
Após o banho tomado, João foi até sua cozinha fazer aquilo que se tornou um ritual. Todo santo dia João colocava sua mão direita em cima de uma das bocas do fogão e ligava o fogo no máximo. As chamas dançavam em sua palma, mas ele não retirava sua mão dali. Tinha esperança que sua mão queimasse, mas como sempre ela permanecia incólume. Ele não sentia nem um leve ardor, só uma quentura que era até agradável.
João não era masoquista nem se odiava, aquilo que fazia era um teste. Se sua mão queimasse isso significaria que o mundo havia retornado ao eixo.
Nove horas da tarde, ele estava atrasado. Mesmo assim não se deu ao trabalho de se apressar. Calmamente ele pôs o seu uniforme de policial, ignorando o relógio.
Como era de se esperar de toda manhã em sua cidade, o sol estava pleno no céu. Porém de repente houve uma escuridão, como se ocorresse um eclipse. João olhou para cima e ficou indignado ao constatar mais um desrespeito às leis da física.
A criatura era pesada demais e seu corpo não tinha aerodinâmica. O dragão não deveria voar. Isso é, pelo menos não no mundo antes da chegada Deles. Era por causa desse tipo de coisa que um diploma de física na atualidade não valia de nada. Qual serventia tinha compreender leis que diariamente eram afrontadas?
João desde que aprendeu a falar se decidiu por ser cético. Porém, seu pai era pastor e sua mãe era mãe de santo. Apesar das diferenças de crenças até que eles se davam bem e se amavam. O problema era que “de vez em sempre” ocorria alguma briga em que um lado tentava converter o outro. Brigas essas que não causavam nada produtivo, só serviam para afastar a família que fora isso seria muito unida.
Uma das advertências que o pai de João mais gostava de usar era sobre o retorno Dele. Ninguém dava muita importância para o que o coroa dizia até que o dia chegou. Quando Ele voltou foi um alvoroço tremendo no mundo. O pai de João devido ao jubilo de ver seu sonho realizado enfartou e faleceu. Apesar de não dizer isso a sua mãe, João achava que foi melhor assim, pois ao menos seu pai teve uma morte feliz. Se seu velho tivesse visto que Ele não tinha voltado sozinho talvez seu enfarto tivesse sido de desgosto.
Odin, Tehlu, Zeus, Oxalá, Buda, Krishna, Cthulhu, Morrigan, Quetzacoati, Nibiru, Absu e tantos outros também voltaram.
Apesar de poder arcar com o custo de um automóvel, João optou por viver usando apenas transporte público. Para ir ao seu trabalho, ele costumava andar por dois quarteirões até chegar ao metrô. Enquanto prosseguia até aquele destino o policial ia vendo cenas que o enxiam de vergonha alheia.
Um grupo de jovens brigavam entre si para decidirem qual deles ajudaria uma senhora idosa a atravessar a rua. Em um centro de caridade várias pessoas formavam uma fila para se voluntariar. Homens e mulheres abastados perdiam algumas horas varrendo o chão da rua. Eles podiam até se enganar achando que estavam sendo altruístas, mas João sabia a verdade. Só queriam ganhar carma. Quando as divindades chegaram as moedas correntes perderam o valor. Agora o que movia o mundo eram as boas ações. Resultado: criou-se um oceano de pessoas ávidas a ajudar o próximo, fazendo o bem pelos motivos errados. Para você ter uma ideia, se a senhora idosa do primeiro exemplo morresse logo após ser ajudada a atravessar a rua, seu “bom samaritano” não estaria nem aí. Ele só queria pegar o prêmio por sua boa ação, seu carma, e pronto. Dane-se o resto.
João chegou à delegacia meia hora depois, após ter que aguentar assistir várias cenas de altruísmo egoísta durante o percurso. Nas janelas e nas portas do estabelecimento linhas de sal se faziam presentes. Atualmente aquela medida de proteção valia mais do que um sistema de vídeo vigilância.
– Isso é hora de chegar?! – O delegado se aproximou já com o dedo em riste para apontar na cara de João. – Você vai perder dois carmas por causa desse atraso!
O superior de João tinha metade de sua idade, o que para ele tornava muito difícil a tarefa de aguentar suas ordens. Um sujeito de vinte e poucos anos que para João tinha idade mental de um adolescente.
– Eu me senti mal ao acordar, por isso me atrasei.
O delegado olhou para João de forma atravessada, não dando muito crédito as suas palavras. Por isso, ele resolveu tirar a prova. O homem se concentrou até fazer com que o olho no meio de sua testa abrisse. Através dele ele chegou à verdade.
– Você vai perder mais um carma por sua insinceridade. Agora vá pegar sua viatura e comece logo sua ronda!
– Quem será meu parceiro?
O delegado não disse mais palavra, apenas acenou com a cabeça na direção de um homem que estava se aproximando.
– Credo!
Apesar de ser do sexo masculino talvez usar a palavra homem para defini-lo não fosse o mais correto. Seu nariz era anormalmente grande e afilado, simulando um bico de pássaro. Seus olhos amarelados remetiam a uma coruja. No topo de sua cabeça inexistia cabelo, mas sim penas.
– Que desgraça é essa?!
– Me chamo Hayata. Sou um Tengu. – Disse o novo parceiro de João sem aparentar estar nem um pouco ofendido. Se possuísse alguma emoção o seu rosto não transparecia.
– Vou te tirar mais um carma por sua indelicadeza! – Disse o delegado a João.
– Foda-se!
A ronda de João e Hayata se fazia entre quatro bairros. A maior parte do tempo eles ficavam parados em um posto policial situado em uma pracinha. Ao menos uma vez a cada duas horas eles entravam na viatura e davam uma volta pelo perímetro. Hayata ia no volante e se dependesse dele não haveria conversa. O tengu não tinha a mínima vontade de se socializar, não porque não gostava, simplesmente porque não se importava. Já João, de início, ficou evitando contato, pois tinha ressalvas de se relacionar com alguém que não fosse minimamente humano. Depois de algum tempo o policial se sentiu culpado por seu preconceito e tentou abrir um diálogo. A conversa era difícil já que Hayata tinha tendência de economizar nas palavras.
Um dia corriqueiro na rotina policial. Poucos problemas dignos de muita atenção. Uma discussão boba entre bêbados no bar. Um desentendimento fútil entre dois casais. Um garoto que roubou uma revistinha de uma banca… Após a chegada Deles a criminalidade deu uma freada considerável. A taxa de homicídios no país equivalentes a um ano inteiro foi reduzida ao de uma semana. Apesar da maioria ver aqueles dados como motivo de alegria, João os via com outros olhos.
– Você tem saudade do tempo de assassinatos, roubos, sequestros, tráficos e estupros? – Perguntou o tengu ao seu colega humano.
– Ao menos naqueles dias as pessoas eram mais sinceras. Quem amava realmente amava, quem odiava realmente odiava. Hoje vivemos em um estado onde todo mundo age cheio de rodeios com tudo. Com medo de ofender minimamente os outros e acabar perdendo carma. Uma nação de bobocas que fingem serem amiguinhos enquanto internamente desejam o pior um do outro.
– Pode até ser, mas pelo menos o novo sistema estimula as pessoas a se apoiarem e a não cometerem atos destrutivos.
– Isso até agora. Quero só ver quando encontrarem um jeito de ganhar carma fazendo o mal.
– Niilista.
– Sou realista, não confunda. – João ficou quase um minuto calado até que foi invadido por uma duvida. – E você? Antes do retorno Deles onde você vivia?
– No imaginário coletivo da humanidade.
– E onde fica isso? – Perguntou João analisando aquela resposta como se fosse a indicação de um lugar físico. Ao perceber que seu colega não havia o compreendido, Hayata só fez um gesto que esclareceu tudo. Com a ponta do seu dedo indicador direito deu umas batidinhas bem de leve no lado esquerdo do peito de seu colega.
A explosão chamou a atenção de todos. Além do barulho o cogumelo de fogo era impossível de se ignorar. Enquanto os populares assistiam curiosos ao espetáculo destrutivo, João e seu colega tengu entraram na viatura.
– zero nove para central. – Disse João no rádio. – Incidente na rua São Vasconcelos. Uma explosão. Acho que pode até ser um ataque terrorista!
– Não seja idiota, quem iria arriscar perder tanto carma em um ataque desses?! Deve ter sido algum acidente com botijão de gás.
A rua onde ocorreu a explosão se reduziu a escombros e destruição. Apesar disso o lugar não havia sido invadido por chamas. O que descartava várias hipóteses de possíveis acidentes. Quando João e Hayata chegaram ao local da ocorrência vários outros colegas já estavam a postos. Inclusive um perito. João foi falar com ele que se encontrava no exato local do epicentro.
O perito não se importava em encontrar alguma evidência física do que poderia ter acontecido, muito pelo contrário. Ficava com um olhar meio aéreo, como se estivesse procurando alguma coisa no ar.
– Charles, encontrou algo? – Perguntou João.
– Sinto uma vibração energética diferente vinda dali. – João e Hayata foram até onde o perito apontava, encontraram uma pilha de destroços que conseguiram retirar do caminho com a ajuda de mais cinco policiais. Em baixo dos escombros havia um morto. Mas não era um morto qualquer. A constatação de seu falecimento deixou a todos em choque já que não imaginavam que isso seria sequer possível.
– Quem é esse? – Perguntou João, o que de todos fora o menos abalado pela revelação.
O finado de cabelos cacheados angelicais pareceria uma pessoa qualquer se não fossem as galhadas de cervo que brotavam do topo de sua cabeça. – Esse é Cernunnos! – Disse Charles enquanto checava seu pulso. – Pelos Deuses ele está morto!
– E dá para fazer isso? – Perguntou João mais curioso do que incrédulo.
O tengu respondeu. – As histórias antigas nos contam. Usando a arma certa e batendo no lugar certo dá para matar qualquer coisa. Inclusive uma divindade.
João conhecia o procedimento em casos de homicídios. O perito médium iria vasculhar a cena até encontrar algum resíduo espiritual deixado pelo criminoso. João não gostava de depender de algo mágico para resolver seus problemas, por isso ele se sentia desconfortável em depender deles. O policial olhou atentamente ao seu redor em busca de algo que a ele fosse mais confiável. Eis que encontrou. Os destroços do que antes fora uma câmera de vigilância municipal. Talvez fosse uma boa ideia checar as gravações.
O sistema de vídeo monitoramento foi implantado na cidade antes da chegada Deles. Apesar de ainda operante, estava quase em desuso. Já que os métodos tecnológicos foram preteridos aos mágicos e sobrenaturais. João ia contra a corrente e ainda se mantinha leal à ciência. Em seu computador do trabalho, ele acessou o sistema online de monitoramento. João suspirou aliviado ao perceber que ele ainda estava ativo. Usando sua senha de acesso João selecionou as imagens gravadas pela câmera da rua São Vasconcelos. Após três horas analisando as filmagens ele encontrou algo digno de sua atenção.
– Delegado, estamos lidando com um atentado terrorista. – João mostrou ao seu superior a cena de um homem de aparência suspeita deixando um pacote ao lado do templo do falecido Cernunnos. – Aquilo é uma bomba. Foi um deicídio.
O delegado de três olhos não tardou a desqualificar a descoberta de seu subordinado. O que deixou João ainda mais irritado foi o fato de ficar evidente que o homem descartou sua ideia não por achá-la inverossímil, mas sim por não querer acreditar nela. Se João estivesse certo, e estava, aquilo era uma prova de que a “sociedade perfeita” não era tão perfeita assim.
– Não discuta! Não critique! – Reclamou o delegado. João suspirou enquanto chegava a conclusão de que aquelas duas frases deveriam ser o lema vigente no mundo. – Hoje o prefeito dará um pronunciamento! Ele não pode se irritar com essas suspeitas infundadas! Não queremos criar pânico!
João estava voltando à sua mesa quando foi avisado pelo seu superior de que foi escalado para fazer a segurança no local do pronunciamento. Sem alternativa, o policial aceitou. Porém ficou em duvida se aquela escolha havia sido uma represália ao seu questionamento.
Na maior praça da cidade um publico de duas mil pessoas se reunia para ouvir as palavras do seu prefeito. Prefeito talvez não fosse a palavra mais correta. Senhor feudal seria mais adequado. Já que ele se mantinha no cargo há mais de vinte anos e não dava sinal de que iria abdicar tão cedo. Teocracia. Após a chegada Deles algumas palavras mudaram completamente de sentido. No palanque o prefeito falava no microfone. O sujeito não usava uma peça de roupa. Divindades tinham esse tipo de regalia, podiam agir como bem entendessem já que a maioria das pessoas dava um jeito de fazer com que parecessem corretos. Isso deixava João puto.
Com cara de quem chupou limão, João ficava plantado na frente do palco olhando atentamente para a multidão em busca de alguém que parecesse suspeito. Ao seu lado Hayata mostrava o mesmo rosto sem expressão enquanto o acompanhava na função.
O discurso decorria tranquilo até que João avistou um cara estranho. O homem atarracado levava um pacote abraçado no peito. Um tipo de pacote que João já tinha visto antes em uma certa gravação. Sua expressão de nervosismo foi percebida por Hayata, que também ficou em estado de alerta.
Ao ficar a quatro fileiras de distância do palco o suspeito deliberadamente largou o pacote e o deixou no chão. Foi o sinal que João precisou ver para agir. – Bomba! – Hayata tratou de cuidar do pacote enquanto João se prontificou a perseguir o criminoso.
Apesar de ser bem mais velho e aparentar estar em péssima forma, João não demorou a conseguir pegá-lo, agarrando-o com força pelo braço. – Você está preso, assassino!
O criminoso não mostrava medo, pelo contrário. Seu rosto estampava um sorriso louco. – Por Tehlu! – Gritou o homem. João olhou para a mão do sujeito e avistou um dispositivo de detonação. Ao apertar o botão, o criminoso conseguiu transformar a praça movimentada em fogo, morte e pânico.
As pessoas que estavam no palco e em um raio de cinquenta metros faleceram, com exceção de João. Duzentos mortos. Entre eles o terrorista, o prefeito Baccanalian, Hayata e vários bons homens membros da força policial da cidade.
– Como você não morreu? – Perguntou o delegado a João horas depois do ocorrido. O policial percebeu que a pergunta era perniciosa. Ele teve a impressão de que seu superior queria de alguma forma o encaixar como cúmplice.
– Sou filho de uma mãe de santo. Antes do retorno Deles a velha não acertava uma, agora ela consegue prever até resultado de megassena acumulada. – Disse João com um sorriso triste no rosto, a memória das mortes ainda estava forte em sua cabeça. O delegado torceu o nariz, pois não entendeu o que aquilo tinha a ver com sua pergunta. Até que seu subordinado prosseguiu. – Em uma tarde ela jogou seus búzios e revelou que eu sou de Xangô. O “orixá do fogo”, palavras dela.
– Sim? E o que isso tem a ver com…?
– Ainda não entendeu, estupido?! Meu elemento é o fogo! Posso até ser jogado em um vulcão que eu não irei me queimar!
Por um desaforo desses o delegado poderia muito bem denunciar o policial e fazer com que ele recebesse uma advertência ou até, no pior caso, ser exonerado. Mas o semblante furioso de João deixava claro que aquela não seria uma atitude muito saudável. O delegado, ao invés disso, se afastou furtivamente. Deixando-o em paz.
No dia seguinte João ao acordar testou sua mão na boca do fogão. Novamente ela não queimou. O atentado no pronunciamento serviu para abrir um péssimo precedente que passou a ser copiado por muitos em diversos lugares. João acompanhou tudo pela tevê, pois não estava disposto a lutar contra essa nova onda de fanatismo.
Em Singapura um homem explodiu um templo budista. – Por Absu! Morte aos falsos deuses!
Na Nicarágua uma mulher esfaqueou um padre. – Por Nerfetiti e seu amor infinito!
Em Tóquio um templo taoista foi detonado. – Por Iluvatar! Matar infiéis dá carma bom!
Nos EUA outra bomba, dessa vez o alvo foi um centro mediúnico. – Por Jeshua. O único Deus verdadeiro!
Dia após dia João ao acordar realizava o mesmo ritual. O mesmo teste. Até que certa feita…
– AI! – A queimadura foi forte, ele precisou correr até a pia para colocar sua mão direita embaixo da água corrente. João sentia uma confusão emocional. Um misto de medo, alegria e duvida.
Ao olhar pela janela de seu apartamento, o policial descobriu que o ocorrido com ele não foi um evento isolado. No céu, o dragão que costumava voar pelo seu bairro perdeu substância até se desmaterializar e voltar ao inconsciente coletivo. Na calçada, tal acontecimento se repetia. Seres místicos e lendários desapareciam. Pessoas com habilidades não naturais as perderam. O dia que João esperava chegou. Ele só não sabia se aquilo era positivo ou não. O mundo, segundo sua concepção, havia voltado ao eixo.
Ao chegar à delegacia, João viu seus colegas correrem de um lado a outro como loucos. A cidade estava em polvorosa e ninguém sabia ao certo como proceder.
– Você chegou atrasado! – Reclamou o delegado, como de hábito.
– Eu me senti mal ao acordar, por isso me atrasei.
O delegado tentou abrir o seu terceiro olho para verificar aquela informação, mas seu olho extra se recusou a abrir. – Deixa para lá! – João achou graça da situação. Por repetir aquela desculpa tantas vezes ele acreditava que era evidente o fato dela ser uma mentira. Porém, por estar tão acostumado a usar sua “muleta mágica”, o delegado perdeu a capacidade de perceber algo subjetivo.
Com o passar dos dias após o abandono Deles, uma onda de ceticismo se abateu sobre o mundo. Apesar disso João não ficou nem um pouco contente com o ocorrido, pois para ele todos estavam fazendo suas escolhas pelo motivo errado. Abandonando suas crenças só por não ter nada mágico ou fantástico que as corroborassem.
A senhora idosa que pedia ajuda para atravessar a rua recebeu um empurrão. A casa de caridade não tinha mais o apoio de voluntários. Os abastados que andavam pela rua além de não ligarem para a sua limpeza, jogavam seus lixos nela sem pudor. Sem carma, sem premiação por boas ações, todos revelaram o quanto eram egoístas.
Na contramão do pensamento geral, João foi fazer uma visita a sua mãe. Não tanto como filho e sim para receber uma consulta.
– Mãe, aconteceram tantas coisas loucas comigo que…
– Eu sei. Acompanhei os atentados na tevê. Que coisa, não?
– Há anos a senhora me propõe a fazer o meu santo. É, acho que chegou o dia.
A mãe olhou para o seu filho ainda meio incrédula. – Por que agora?
– Acho que pelo fato da senhora continuar acreditando mesmo depois Deles terem ido embora. Fora isso, você é minha mãe. Não faço muita questão de seres místicos velarem por mim, o seu cuidado já me basta.
