Edição: 1
Editora: Draco
ISBN: 0
Ano: 2013
Páginas: 272
Sinopse:
Solarpunk, a antologia que forma a trilogia com Dieselpunk e Vaporpunk. As três tiveram a organização de Gerson Lodi-Ribeiro, que contou com o auxílio do português Luis Filipe Silva em Vaporpunk. A temática é a sustentabilidade, mas seria um futuro ecologicamente correto livre de problemas sociais? Claro que não. É essa e muitas outras perguntas que os autores de ficção especulativa procuraram responder. Confira o time de Solarpunk. “Soylent Green is People!” (Carlos Orsi Martinho); “Confronto dos Reinos” (Telmo Marçal – Portugal); “E Atenção: Notícia Urgente!” (Romeu Martins); “Era uma Vez um Mundo” (Antonio Luiz M.C. Costa); “Fuga” (Gabriel Cantareira); “Gary Johnson” (Daniel Dutra); “Xibalba Sonha com o Oeste” (André Soares Silva); “Sol no Coração” (Roberta Spindler); e “Azul Cobalto e o Enigma” (Gerson Lodi-Ribeiro). (Skoob)
Análise da obra:
Se você não conhece a família “punk” então é necessário uma explicação prévia sobre o gênero steampunk. Aparentemente criado por William Gibson, o precursor do cyberpunk, que imaginou um mundo onde a energia a vapor teria se tornado a nova vanguarda do mundo. A era Vitoriana (período em que as potencialidades da energia a vapor foram descobertas) tornava-se, portanto palco de histórias como na coletânea Vaporpunk também da Draco (já resenhada aqui no site). Logo, é possível imaginar o que aguarda o leitor em Solarpunk. A coletânea de contos organizada pelo Gerson Lodi-Ribeiro traz nove autores que escrevem entre contos e noveletas histórias explorando um mundo que usa a energia solar e outros tipos de fontes de energias renováveis.
Dadas as explicações prévias vamos a obra. Por trata-se de um conjunto de histórias é impossível avaliar conto a conto sem revelar detalhes das tramas, porém a diversidade é o grande atrativo do livro. A ficção científica possui duas vertentes: as ficções científicas hard e soft. Enquanto na ficção científica hard tudo tem embasamento tecno-científico , um bom exemplo é mostrado pela Cristina Lasaitis em seu blog pessoal, ao tentar exemplificar o uso da presença de gravidade dentro de uma nave espacial
No filme Armageddon, a solução foi instalar um “botão de gravidade” na parede da nave; já na Odisséia 2001, a solução de Arthur Clarke foi dar à estação orbital um eixo de rotação mantido por inércia, para que a força centrípeta sirva como gravidade simulada.
A ficção científica soft tem um cunho mais social fazendo críticas a modelos sócio-culturais e político-hierárquicos. Estes dois braços da FC são encontrados dentro de Solarpunk, um exemplo está no conto Era uma vez um Mundo do Antonoi Luiz M. C. Costa que trabalha com uma ficção científica mais hard e diálogos repletos de conceitos e nomes químicos como vemos em
– Não posso prever com antecedência todos os desdobramentos de uma descoberta em física teórica, mas dei um exemplo a comissão. Se eu estiver certo, podemos criar campos de força com muitas propriedades interessantes Poderíamos controlar reações de fusão mais potentes que a do deutério-trítio, como o ciclo CNO, que gera quase o dobro de energia por átomo de hélio e na natureza ocorre na estrelas mais quentes…
Pág. 97
Mas que mesmo assim não deixam de apontar uma veia soft através de frases como:
Liberdade é o direito de dizer às pessoas o que elas não querem ouvir […] E jornalismo é publicar o que alguém não queria ver publicado. O resto é propaganda.
Pág. 95
Vou fazer uma breve e sucinta análise dos aspectos de cada conto.
1. Soylent Green is People! do Carlos Orsi
Noveleta narrada em 3ª pessoa com um clima de romance policial noir. Conta a história de um detetive particular que se vê frente a um caso de homicídio de um engenheiro de uma grande empresa. A trama é fluída, dinâmica e traz personagens interessantes que servem de espelho para compreender um pouco aquele mundo e a estranha Igreja dos Puritanos. O autor sabe conduzir habilmente a narrativa escondendo pequenos detalhes culminando em um final surpreendente.
2. O Confronto dos Reinos do Telmo Marçal
Conto de um autor português, digo isto, pois foi o conto mais difícil de ler. Estranhei bastante a seleção vocabular e a sintaxe das frases, contudo vencidas as barreiras iniciais; narrado em 1ª pessoa por um policial que vive em um mundo dividido entre Neandertais e os Folhas de Couve (como são chamados os seres humanos que vivem sem comer carne, pois devido a mudanças genéticas fazem fotossíntese). A trama é envolvente e o protagonista tem um ar meio calhorda é que cativante. Esse conto é o primeiro a expandir a ideia do uso da energia solar.
3. E Atenção: Notícia Urgente! do Romeu Martins
Conto narrado de duas forma diferentes. No início, o autor usa um estilo mais próximo de um roteiro de cinema para simular uma transmissão de rádio; na metade seguinte inicia-se uma narrativa em 3ª pessoa. O autor consegue conduzir ambos os momentos com maestria e este é um dos destaques do conto que fala de uma invasão de um grupo de Sem-Terras a um centro de pesquisa de produtos transgênicos. O conto brinca com a ideia de terrorismo industrial, a parcialidade muitas vezes danosa da mídia e do poder das corporações. Com personagens bastante verossímeis, diálogos instigantes e uma clima de suspense que segura você até a última página foi um dos contos que mais gostei de ler.
4. Era Uma Vez Um Mundo do Antonio Luiz M. C. Costa
Talvez o conto mais hard de toda a coletânea e também foi um dos que senti mais dificuldade de ler. Com diálogos repletos de citações a nomes químicos que em dado momento pareciam um pouco distante para minha compreensão, porém talvez seja o mundo mais passível de verdade. Tem personagens bastante verossímeis como por exemplo a vlogueira Pagu que é uma espécie de web-celébrete desta história. Narrado em 3ª pessoa, conta a história da repórter-vlogueira Pagu que é convidada para visitar um centro de pesquisas que desenvolve estudos sobre energia nuclear.
5. Fuga de Gabriel Cantareira
Conto narrado em 3ª pessoa que conta a história de uma mulher que consegue furtar documentos importantes de uma grande indústria. Com um ritmo de thriller, é um conto de leitura rápida, com poucos diálogos, contudo narração é tão frenética quanto toda a perseguição em decorrer na história. É impossível não torcer do começo ao fim pela personagem e o desfecho é de tirar o fôlego.
6. Gary Johnson de Daniel I. Dutra
Conto narrado em 1ª pessoa através de cartas do bisavô de Leonardo Gagliardi que conta a história do contato de seu parente com um padre cientista. Mergulhado em uma atmosfera de suspense, onde as implicações do uso da ciência são postas a prova, o autor nos entrega um conto de leitura rápida; com descrições na medida certa, pois apesar da história ser contada pelo Leonardo, os são por nós sabido através dos diários do seu avô que era uma pessoa leiga em relação ao conhecimento científico o que foi uma ótima ideia do Daniel para fugir a termos mais científicos.
7. Xibalba Sonha com o Oeste de André S. Silva
Conto narrado em 3ª pessoa, com leitura um pouco cansativa dada aos nomes indígenas e de influência africana que contém. A história de Xibalba parece o começo de uma grande saga, mas neste conto temos apenas o início e a maneira abrupta como a história se conclui sem explicar muitos dos demais personagens que aparecem na trama, o leitor terá conhecimento pleno sobre a protagonista Maiara uma professora de ensino infantil que apesar de viver em uma mundo opressor e desigual, mas que apesar disso é uma ativista contumaz deste regime. O conto não possui descrições cansativas ou uma leitura arrastada, mas devido aos pontos já citados gera uma expectativa no leitor que não se cumpre ao término da leitura.
8. Sol no Coração da Roberta Spindler
Mais um conto que explora a possibilidade dos humanos de viverem a partir da energia do sol. De leitura fluída e descrições exatas, o conto a borda as consequências de determinadas escolhas que mesmo para o bem não deixarão de existir. Acompanhamos o drama Lúcio, casado e com um filho que ainda não possui as tatuagens que fazem com que os humanos não dependam mais da alimentação comum, contudo seu filho possui uma doença que põe a tal cirurgia em risco. A autora se aprofunda no sentimento do protagonista explorando uma questão bem delicada: deixaríamos de ser humanos se perdêssemos uma de nossas capacidades que é se alimentar?
9. Azul Cobalto e o Enigma de Gerson Lobi-Ribeiro
Noveleta escrita pelo organizador da coletânea que vem com plot-twist muito interessante. Para os leitores apenas de Solarpunk será uma história como qualquer outra, mas para quem já leu Vaporpunk reconhecerá um personagem que o autor vem trabalhando desde a coletânea já citada. Muito bem escrito, o texto é de leitura fácil. Os personagens são interessantes e bem desenvolvidos e possuem suas próprias motivações. Não há o bem e o mal no conto Gerson, o leitor compreenderá as motivações dos protagonistas, mas isto não os faz heróis ou vilões. O mundo criado pelo autor é muito interessante, pois ele trabalha com a premissa de que o Brasil teria se tornado uma potência tecnológica, sendo o Quilombo dos Palmares e a figura de Zumbi um dos expoentes desde universo alternativo.
Avaliação:
O trabalho de edição da Draco é simplesmente fantástico, não apenas a capa é muito bonita, mas os detalhes espalhados por todo o livro mostram o carinho e a seriedade com que a editora trata seus autores. O livro foi editado em papel cochê, com letras em tamanho adequado que proporcionam uma leitura bastante confortável. No término da obra há uma microbiografia dos autores que participam desta coletânea. Contudo, durante a leitura encontrei alguns erros de digitação e em outros casos até a ausência de determinadas palavras. Nada que prejudique a leitura, porém em dado momento começou a se tornar um incômodo. Por isso retiro meio ponto (0,5) da obra.
Se você gosta de ficção científica e quer conhecer competentíssimos autores nacionais escrevendo em diferentes estilos sobre uma mesma temática aconselho que compre Solarpunk e não apenas esta edição, mas também Vaporpunk e Dieselpunk. A Draco é uma das pouquíssimas editora nacionais independentes que fazem um trabalho ímpar, tratando seus lançamentos como obras dignas do leitor. Ela não usa o autor nacional para vender, já que coloca seus textos com um cuidado que compensa o valor da obra. Mesmo as críticas – apontadas aqui – a determinados contos são formadas pelas minhas impressões como leitor. Outra pessoa poderá lê-los e não sentir as dificuldades que senti. A pluralidade dos seus escritores criou um livro dinâmico e cheio de possibilidades a uma tecnologia que aparentava ser tão limitada. Confio no trabalho da Draco e espero que esta resenha tenha feito você – leitor do LC – confiar também.